Recomeço - Para Keiko Maxwell escrita por Amigo Secreto


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Um agradadecimento a Beta pelo esforço, trabalho árduo e pela correria.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/183744/chapter/3

O som da desaceleração do trem de pouso sobre a pista sempre era reconfortante. Por algum motivo que não sabia explicar. Ter a sensação de que mais uma vez estava deixando o passado para trás. Só que desta vez era diferente; da primeira vez, a sensação de perda era absoluta. Nunca conseguira superar ter deixado tudo, principalmente seus amigos. Mas agora, a dor que o assombrava era justamente a oposta:  a dor de que não existia mais nada a ser perdido. Não havia nada para ser abandonado, tudo o que havia construído em Tóquio ruíra.

Era como se todas as suas relações fossem interligadas como um frágil castelo de cartas. E bastou os principais alicerces ruirem para tudo despencar rapidamente. Lembrou-se da imagem de sua ex esposa... a mágoa da traição ainda permanecia. Antes que o avião chegasse ao seu destino de desembarque, pegou sua carteira e a imagem de uma linda garotinha de aproximadamente dois anos surgiu sorrindo para ele, com uma franja cobrindo os olhos negros e as marias-chiquinhas lhe afirmando o ar sapeca que sempre existiu nela. Seu coração bateu forte ao se recordar do som de sua gargalhada. As coisas deveriam ter sido diferentes. Mas nada que fizesse iria reverter aquele quadro.

- Yume... – o nome foi sussurrado num tom desolado. Todos vão embora em algum momento, não é?, a frase formou-se nítida em meio as seus pensamentos obscuros.

Guardou sua carteira novamente no bolso interno de seu paletó preto e se preparou para a volta à casa. Lar, nunca mais ele teria. Mas casa ele sempre tivera – e esta encontrava-se em Nova York. E já estava longe a sete anos, e isto era tempo demais.

~o.O.o ~

Era outono e a cidade possuía aquela cor amarronzada e o cheiro específico desta época do ano. Caminhou pelas suas ruas, seguindo sua memória, que o direcionou até o Central Park Caffé, café que tinha o hábito de freqüentar quando era um outro jovem.

Entrando, dirigiu-se às mesas próximas da janela panorâmica, sentando-se em uma delas. Após fazer seu pedido, permitiu-se observar, como um simples expectador, a vida que passava fora da parede de vidro que o separava do mundo externo.

Pessoas corriam e caminhavam de um lado a outro, alheias a qualquer coisa ao seu lado a não ser aos seus próprios objetivos, ou destino final. Adolescentes andavam em bando com seus fones de ouvido e cabeças baixas, olhando e digitando em seus celulares e ipads.

Com a chegada de seu pedido, começou a beber o café quando uma figura chamou a sua atenção. Sentiu suas sobrancelhas moverem-se em um ato involuntário, reflexo que possuía desde criança quando algo que não compreendia ficava diante de si, como naquele momento. Intrigado, continuou a observar um rapaz que permanecia deitado ao chão, de uma forma um tanto desconfortável, enquanto olhava para um grupo de rapazes e moças.

Skates e patins estavam jogados ao chão de um jeito displicente e o grupo parecia fazer barulhos e ruídos de alguma forma aparentemente proposital. Pode analisar sorrisos inocentes e jocosos sendo liberados assim como a energia de pura diversão. Seus olhos procuraram novamente o outro rapaz ao chão e ele já não estava mais lá. Ainda curioso, olhou ao redor e viu quando o mesmo subiu em uma árvore, alojou-se eu um dos galhos mais baixos, apoiou os joelhos e ficou de cabeça para baixo. Parecia que não ter sido o único a ficar espantado com a performance de morcego: as adolescentes do grupo aplaudiram, gargalhando quanto o outro apenas sorria diante delas e com um gesto seu, as meninas retornaram à normalidade. E de repente flashes de luzes começaram a surgir. Diante daquilo, sua mente acalmou; agora ele havia compreendido o que estava acontecendo: era apenas mais uma sessão de fotos.   

Mas se era tão comum, porque não conseguia deixar de pensar como um fotógrafo podia fazer aquilo em prol de algumas fotografias? E para que serviriam fotografias de cabeça para baixo afinal?

- O senhor se interessa por skates também? – uma voz leve o retirou de seus pensamentos, fazendo-o se dirigir para a face quase adolescente garçonete que servia café. – Desculpe por ter perguntado, mas é que vi o senhor olhando para eles com tamanho interesse. – a jovem, apontou para o grupo esfuziante no parque.

- Não muito. Mas a turma é animada. E isto chamou a minha atenção. – foi o que se limitou a dizer.

- Ah... isto eles são mesmo. E estão sempre por aqui. Eles praticam todos os dias durante a tarde e no final se reúnem aqui ou no bar aqui do lado. Você conhece o 4 Ases? – Enquanto falava, jogava charme e servia o sanduíche que havia ficado pronto. – Você não é daqui, não é mesmo? Se quiser posso lhe apresentar ao bar. É incrível, sempre tem alguma banda famosa tocando por aqui, sabe?

Como ele explicaria que ele e seus amigos foram os sócios fundadores daquele bar? Em uma época em que eles queriam freqüentar um lugar especifico e não podiam devido ao limite de idade:  a idéia surgiu quando, aos 18 anos, Wufei já com uma banda formada, não encontrava um lugar legal para se apresentar. E este fora o motivo, a desculpa para que 4 jovens ociosos e com dinheiro dos pais para gastar à vontade tiveram para fazerem algo de útil. Ao partir para Tóquio, havia vendido sua parte para Wufei. E antes de perder o contato com os demais, soube que Quatre estava querendo fazer o mesmo. Mas não sabia se após todos aqueles anos e acompanhando de longe o grande sucesso da banda de Wufei, eles continuavam ainda os donos do lugar.

- Não será preciso. Mas a senhorita sabe qual a Banda que vai tocar hoje? – Perguntou,  captando a imagem do amigo baterista, junto com uma jovem, ao longe, caminhando em sua direção. Como reação apenas virou o rosto na tentativa de impedir que o outro o visse prematuramente.

- Não vai ter show hoje, só amanhã! E será um grande show, a banda The Metal Wings voltará a tocar aqui depois de 2 turnês. Será em comemoração de 12 anos do 4 Ases. Os ingressos já foram entregues e estão sendo super disputados...

- Entendo. – Não se lembrava daquela informação. Já havia se passado tanto tempo assim?

- Mas se você quiser realmente conhecer o 4 Ases  e ver o show, eu posso conseguir mais um ingresso. O senhor Winner quase sempre vem aqui depois que sai do estúdio e eu sempre o atendo, foi ele que me conseguiu os ingressos. – Aquela insinuação estava clara. Ele apenas olhou para a jovem garçonete e meneou a cabeça. Seria interessante ver os amigos novamente, mesmo que de longe. – Você pode passar por aqui em torno das 22 horas que já terei os ingressos e iremos juntos. 

Ele viu surgir um brilho na face sorridente a sua frente e apenas retribuiu com um obrigado. Voltou seu olhar para a grande vidraça e confirmou que seu amigo estava rodeado pelos skatistas. E ao que tudo indicava a agitação anterior dos garotos apenas havia se intensificado.

Aquilo tudo era muito interessante. Já estava na cidade há quase 10 dias e não havia se preocupado em contatar os outros ou ter alguma informação de onde eles poderiam estar, mas bastara uma parada em seu passado que tudo retornou como uma onda.  Despediu-se da atendente, reafirmando que estaria presente na hora marcada. Quando saiu a tal seção de fotos e a provável tietagem já havia terminado e os jovens se aglomeravam, sentados ao chão. Caminhou até eles, não conseguia entender o fascínio que aquele grupo havia despertado em si.  Sentando-se em um banco próximo, retirou de sua mochila um caderno e um lápis e passou a estudá-los e a desenhá-los copiosamente.  Até que percebeu a aproximação de alguém ao seu lado, no banco.

- Bom traço...  mas não acho que o Walter esteja muito parecido. – a voz masculina soou e antes mesmo que pudesse responder o outro já havia posto o skate no chão e ido embora na velocidade que aquelas rodinhas podiam traçar. O viu com a máquina ainda em punho, quando ele parou mais adiante, guardando-a em uma bolsa apropriada enquanto se despedia dos demais. Ah, então o fotógrafo também pertence àquela tribo, pensou, mesmo sendo um pouco mais velho que os demais. Por mais que não o tivesse visto de perto direito, pudera perceber que ele teria aproximadamente a sua idade. – Quem é Walter? – foi a única pergunta que escapou dos seus lábios.

~o.O.o ~

Olhou no relógio do celular. E este o afirmava brilhante que eram exatamente 22:45h. E ele estava na porta de seu antigo bar rodeado por jovens de 20 anos enquanto esperava, em pé em uma fila gigantesca, a porta ser aberta para público. Se conhecia bem seus amigos, a festa já havia começado para eles.

Foi uma sensação estranha adentrar aquele local da forma que estava sendo, totalmente incógnito pelos demais. Mas teria que ser assim, ainda não estava pronto para enfrentar todas as perguntas, todas as cobranças, sua indiferença e por tê-los retirado de sua vida, principalmente no último ano.

O ambiente de certa maneira permanecia o mesmo, o mesmo cheiro, a mesma luz. O palco continuava no mesmo local. Havia tido algumas poucas mudanças na decoração, talvez as mesas ou o balcão do bar. Mas nada que retirasse o foco da decoração inicial que eles tiveram quando construíram aquilo. O local deveria ter tudo o que eles gostariam de encontrar em um bom bar para passar o tempo e não apenas beber. A idéia era misturar um pub inglês com um parque de diversão digital com excelente música, sofás para dormir quando se ficasse bêbado demais ou para se dar um bom “amasso”. Não pode deixar de rir, aquilo sim, havia sido quase um pré requisito unânime entre eles. Ele e Duo haviam testado bem a utilidade dos sofás de couro pretos – nos dois sentidos de sua utilidade. E como!, pensou. Os sofás continuavam por lá. As gravuras de filmes B, juntos as relíquias nerds. Assim como as suas ilustrações, seus desenhos feitos especificamente para o local.

~o.O.o~

Passou parte da noite daquela forma, bebendo e nostálgico. A banda de Wufei entrou no palco e parecia que iria destruir o local com seus arranjos pesados e com arranjos poluidos. A sua bateria furiosa continuava a mesma. Wufei se transformava quando se sentava atrás daquelas peças, sempre fora assim. Do homem controlado para o roqueiro quase Neanderthal. As guitarras velozes acompanhavam os compassos marcados do baixo. E a voz da vocalista continuava a mesma – não: a voz de Relena havia melhorado muito neste quesito. E no baixo, ela sempre fora a melhor baixista da cidade. A sua combinação baixo mais voz sempre fora letal. Desde a primeira vez que ela tocou no grupo o sucesso piscou em letras gigantes e em neon.

Aquela energia crua e empolgante tomou conta de seu coração, não tinha como ser indiferente. A platéia urrava, as meninas dançavam. Ele via as mãos habilidosas de Relena acarinhar o baixo como se fosse uma de suas amantes. Via o delírio nos olhos dos fãs. O esforço quase orgástico de Wufei traduzindo-se em suor pelo rosto e pelo corpo semi desnudo. Sim o local estava quente. O ar, pesado e abafado. O cheiro exalado dos corpos suados mais o adocicado da famosa erva predominava. Mas ninguém se importava. Permitiu que aquele ambiente lhe transportasse para um mundo que não era mais seu e o levasse para fora de si mesmo, nem que fosse por alguns parcos minutos.

Aquela sensação de liberdade era inigualável. Somente os poucos apreciadores do bom rock saberiam entender o que estava se passando em seu interior.

E dentro de seu torpor produzido pelo efeito do pouco álcool ingerido, fechou seus olhos azuis. E quando os abriu ao som de uma batida furiosa e seus olhos foram capturados pelos olhos agora espantados do baterista.

Ele havia sido pego. Fora descoberto. Inconscientemente, era aquilo que Heero realmente queria. Seus olhos se crisparam em desafio, ao ver Wufei lhe apontar uma de suas baquetas e depois fazer, lentamente, o gesto de decapitação. Os fãs deliraram e gritaram ainda mais com aquele pequeno gesto, mas somente os dois amigos realmente sabiam o real significado dele. E assim que terminou um solo de bateria em meio à música que estava sendo executada, Wufei apontou novamente a baqueta para um canto determinado, um leve mezanino onde ficavam algumas mesas reservadas geralmente para convidados vip’s. Heero moveu a cabeça em direção ao local indicado e a única coisa que conseguiu distinguir em meio às luzes estroboscópicas foi uma longa trança mover-se no ar.

- Duo. – Sussurrou. Então Duo estava de volta.

Mas constatar aquilo não foi alguma surpresa. Logo após fios loiros se juntaram à caçada. Ambos olhavam em sua direção, mas parecia que não conseguiam vê-lo. Talvez fosse a luz. Não. Com certeza era a luz – dos três, ele era o que possuía melhor visão, no momento, uma vez que agora já sabia da posição dos outros dois.  

- Loiro idiota! – conseguiu quase ler as palavras gesticuladas impacientemente pelo amigo chinês, quando este voltou a apontar para si.

Decisão tomada, Heero não se moveu um milímetro de onde estava e, quando deu por si, tinha dois amigos incrédulos a sua frente. O espanto durou pouco e logo cedeu lugar a incompreensão de um e a raiva de outro.

Três horas depois poucos eram os remanescentes noturnos presentes. A musica ambiente era bem menos agitada que a anterior, mas nem por isto menos forte. A única coisa que poderia fazer naquele momento seria esperar que todos terminassem de fazer suas últimas tarefas, que no caso seria dar entrevistas – fosse em separado ou uma rápida coletiva. Enquanto Wufei e banda estavam em um canto com dois jornalistas, Quatre estava jogado em um dos sofás com outros e pelos seus gestos, aqueles jornalistas eram seus amigos, enquanto Duo falava algo com alguns dos barmans.

Seu ex namorado havia mudado desde a última vez que o havia visto, três ou quatro anos atrás –  no nascimento de Yume, quando todos haviam ido visitar sua filha, alguns dias depois da pequenina ter nascido, em Tókio. Estava com mais massa muscular? Indagou para si mesmo.

Permitiu-se relaxar sobre aquele sofá e colocou seus pés na pequena mesa a frente, levando sua cabeça ao apoio. Pela forma como fora abordado, sabia que não haveria jeito de ir embora sem ao menos ouvir alguns desaforos.

- Espero que tenha arrumado os olhos do Walter. Ele não vai gostar nada de saber que está estranho em seu desenho. – Ouviu o comentário dirigido a sua pessoa assim que pôs a garrafa de cerveja nos lábios.

- Mande-o vir reclamar diretamente comigo, então. – respondeu de jeito seco, sem se preocupar com a rudeza.

Ao não obter reação alguma perante sua própria resposta, apenas abriu os olhos e os dirigiu ao homem que se encontrava de pé ao seu lado.  Não teve dúvidas ao reconhecê-lo como o fotógrafo do dia anterior. Foi quando ouviu uma risada sarcástica.

- Volte ao parque qualquer dia e hora que você quiser que ele fará isto! Pode me procurar que te apresento ao seu modelo. – foi a resposta que recebeu.

Aparentado indiferença no semblante, Heero o viu se afastar. Acompanhando-o com o olhar, o viu ir em direção ao bar.

Novamente sentiu suas sobrancelhas se erguerem pela falta de compreensão do olhar de Duo para si – parecia que ele havia sido um telespectador de seu pequeno encontro e o confundira, por algum motivo. Sorriu internamente por ainda conseguir ler as expressões faciais do outro, isto o tranqüilizava de alguma forma. Então nem tudo havia mudado, algumas coisas ainda permaneciam iguais.

O fotógrafo aproximou-se do bar pondo metade do corpo pela bancada, esticando-se sobre ela e quando retornou a posição anterior, trazia consigo uma pequena garrafa de cerveja nas mãos. Aquele era um ato claro de intimidade para com o bar, e o intrigou.  Viu seu amigo de longa trança se aproximar do objeto de sua observação e o abraçar de forma carinhosa. E no meio da conversa que travavam percebeu o olhar de ambos voltarem-se para si, acompanhado de um olhar de indiferença no outro. Sabia que estavam falando de si, e pela postura adotada pelo moreno desconhecido, ele parecia já conhecê-lo de algum lugar. Talvez ele fosse o atual namorado de Duo... Era uma possibilidade.   

A sensação de estar sendo avaliado, observado, apenas o deixava ainda mais irritado. Novamente deitou sua cabeça sobre o encosto do sofá e fechou os olhos, iriam demorar horas ali ainda, pelo visto.

Ouviu um abafado estalo ao seu lado. Uma, duas vezes. Na terceira abriu os olhos para perceber que algo estava batendo ao seu lado no sofá. Ainda tentava compreender o que estava acontecendo, quando de repente 3 cubos de gelos o atingiram simultaneamente. Em uma reação impulsiva, pulou da cadeira estabanadamente retirando as pedras geladas de cima de si.

- Mas que porra é esta! –Exclamou, aturdido em direção de onde vinham os ataques. E deu de cara com Quatre sorrindo com novos cubos de gelo na mão.

- Não ouse dormir! – O loiro gritou do meio do sofá de onde se encontrava. – bêbado ou não, você ainda tem muito que explicar, seu filho-da-mãe!!

- Eu não fico bêbado, baka. Se me lembro bem, quem costumava ficar bêbado aqui era você. – Respondeu em seu tom habitual de voz, mas que pôde ser ouvido por todos no recinto. E como não poderia deixar de ser, recebeu como resposta um alto assovio vindo de Wufei e sonoras e altas gargalhadas preencheram o ambiente. E outra pedra de gelo foi tacada em sua direção, mas desta vez ele conseguiu desviar.

- Me desculpe discordar de você, querido Heero... mas já fui a responsável por curar muitos dos seus porres. – Relena invadiu a conversa com sua poderosa voz. – Assim como os porres dos demais.

- E não se esqueça dos seus próprios, minha doce “Lena-tequila”. – A lembrança do motivo do apelido juvenil da vocalista pareceu atingir a todos os presentes que sabiam da história, pois um leve e sonoro “uhhhhhh.....” preencheu o local.

- Oh, então o nosso amigo ainda se lembra do passado? – A voz poderosa da vocalista se tornou perigosamente debochada e provocadora. – Se vai contar o meu antigo apelido para os jornalistas presentes no recinto, é melhor contar o seu também, senão não será justo. – A mulher olhou em desafio para Heero, que compreendeu aonde aquela leve brincadeira iria dar. Sabiamente, recuou, fazendo uma reverencia em derrota à linda mulher que sorria vitoriosa.

- Heero Yui assumindo uma derrota para a loira? Chamem o FBI, este não é o verdadeiro Heero, é uma cópia!! Um clone do nosso amigo foi feito no Japão e foi implantado em Nova York para roubar o segredo nacional da nossa cerveja! – Quatre gritou, sentando-se no sofá todo empolgado.

Não pode deixar de sorrir pelo que havia ouvido. E não era pelas besteiras alcoólicas, mas sim por ter ouvido as palavras “nosso amigo”. E a apreensão que sentia, como uma pedra em seu sapato apertado, desapareceu como mágica. E o peso quase insuportável em suas costas abrandou.

- Mas Quatre, o FBI não é responsável por clones japoneses invadindo o EUA. Qual seria a agência correta para esta ocorrência? A CIA? – Duo achou pouco e continuou com a zombaria.

Heero sabia que aquilo iria longe e voltando a sentar-se, permaneceu quieto, de pernas abertas enquanto continuava a beber sua cerveja. Seu olhar era de indiferença e negação às possíveis besteiras que ainda iria ouvir noite adentro pela linha de raciocínios deles.

- Seria a CIA, se fosse apenas um espião comum. Mas como este é um clone mal feito, não creio que eles iriam se envolver. – Wufei continuou, sério, aparentemente levando sua linha de pensamento e argumentos a um nível mais plausível. - Concordo com o Quatre, seria o FBI.

- Ah, não mesmo, Wufei. Gente, estamos em Nova York! É claro que deveríamos chamar o MIB! A base deles fica aqui perto. – Relena riu com gosto.

- Não tem como chamar o MIB Lena, eles aparecem sozinhos quando detectam vida alienígena. Ele é só um clone japonês, não um alien. Se fosse um ET, estaria querendo voltar para casa, vestido de mulher, puxando um telefone e enchendo o saco de todo mundo. E quanto aos “Men in Black”, a esta altura eles já teriam passado por aqui, acionando a porra da luz que apaga a memória e não estaríamos mais com o clone mal feito na nossa frente. – Duo concluiu sua lógica diante de palmas, inclusive da loira cantora.

- É um pensamento elementar, minha cara “Lena-tequila”. – Todos riram pela fala de Quatre e pelo copo que voou em direção ao jovem de cabelos compridos.

- Ainda acho que devemos chamar o FBI. Vocês esqueceram de Arquivo X? É nesta divisão do FBI que eles tratam destes assuntos. – Novamente Wufei conclui com a certeza de seu argumento.

- Excelente! Eu tenho o telefone da Scully no meu celular, posso ligar para ela então? – O único loiro do local retirou seu iphone do bolso.

- Mas a Scully não se aposentou? – Foi a vez de um outro membro da banda dar sua contribuição.

- Verdade. Hey, Quatre, porque você tem o numero de uma agente aposentada no seu celular? – Duo gritou devido à distância que os separava.

- Porque nunca sabemos quando um clone japonês do nosso Heero irá invadir os EUA em busca do Graal. É elementar, meu caro Watson. – O loiro rebateu, cínico.

- Vocês estão todos errados... – O rapaz que se mantinha sentado e quieto ao lado de Duo falou como se soubesse a única resposta plausível para toda aquela pseudo discussão. – Clones mal feitos são o que? Uma espécie de monstros, não é verdade?

- Bem, Trowa... para mim, até o Heero original era um monstro, devido à sua falta de beleza, mas enfim... Pelo menos os olhos azuis se salvavam, sabe como é. – Relena interrompeu.

- Certo, acompanhem meu raciocino então... Se ele é um clone japonês, no caso um monstro japonês que invadiu os EUA para roubar algo, para mim é bem claro qual a agência devemos chamar. Vocês ainda não se lembraram? – Mediante a negativa e silêncio de todos. – Caras, os Power Rangers!

Não houve quem resistisse a tamanho disparate. Todos gargalharam naquele momento. Inclusive Heero.

- Claro! Cara, como pudemos esquecer dos Power Rangers, que surgiram para acabar com os clones japas! Tro, valeu por nos emprestar a sua incrível capacidade de memória. – Duo concluiu minutos depois, ainda vermelho e segurando o riso. – Escuta, será que ainda rola dar uns pegas no Ranger Vermelho?

Nova onda de gargalhadas histéricas assolou o ambiente.

~o.O.o ~

A madrugada já ia no fim e o dia já começava a se por e estavam apenas eles no local, naquele momento. Os repórteres e os restantes já haviam partido, inclusive Relena e Trowa. Quanto a este último, Heero não tinha informação alguma ainda, só que era amigo dos seus amigos. E o momento que estava adiando havia chegado. E nele nada havia mudado. Tudo permanecia igual. O mesmo sentimento de pertencer a algum lugar. Aquilo, Heero não havia perdido.

- Rapaz... 5 da manhã. A senhora Yui não irá reclamar? – Quatre comentou assim que pegou seu celular para enviar um torpedo. Ele já havia feito todas as sua obrigações referentes ao bar e falava apoiado de encontro ao balcão de madeira escura. – Falando nela, cadê a senhora Yui? Aonde ela estava com a cabeça, que permitiu que você viesse acompanhado da nossa garçonete preferida?

- Não-não-não. Não faça esta cara Heero, nós vimos a animação da garota quando ela foi se despedir de você. – Duo comentou assim que viu o rosto de desagrado do japonês ao se referirem daquele jeito sobre a moça. Sentado ao lado oposto da mesa de ferro, seria impossível não notar suas leves expressões faciais.

- Não existe mais uma senhora Yui. – anunciou sem meias palavras. E pareceu que aquela informação não era tão inesperada quanto achou que seria.

- Finalmente você percebeu que ela era uma vaca? – Duo recebeu uma reprimenda de Wufei assim que terminou. Um leve ruído percorreu o parco espaço entre eles e logo depois um leve empurrão o acompanhou.

- Mas ela era, Wufei. – deu razão ao comentário de Duo. – Se não fosse, não teria me traído. – Aquela informação também não gerou nenhuma reação de surpresa.

- Sejamos sinceros Heero, sempre soubemos que ela não era uma boa mulher. Ainda mais para você, mas o encantamento que ela gerava não te deixava enxergar isto. – Mais uma vez Duo vocalizou o que se passava na mente dos demais. – Nos sabíamos que o seu casamento não iria durar muito, mas eu não imaginei que a vadia teria a coragem de chegar tão longe e te trair. A única coisa boa que aquela mulher já fez foi a pequena Yume, tenho certeza.

- Falando nisto, como está o docinho? A mãe ficou com a guarda? – Quatre perguntou.

O simples nome de sua menina fez sua mente se desviar do mundo real.  A lembrança do choque ao receber a desesperadora notícia, o sentimento de impotência ao ver seu rostinho pálido no hospital. A dor da perda ainda sangrava forte. E ele sabia que aquela ferida nunca seria aplacada, passasse o tempo que fosse, ainda iria chorar diante a simples lembrança de seu sorriso inocente apagado...

- Heero? – Foi retirado de seu mundo particular e trazido de volta para o presente porQuatre. – Heero, o que foi?

- Morta. – foi tudo o que conseguiu dizer.

- Morta?! – O choque da compreensão finalmente atingiu os demais, mas quem mais sentira o golpe da palavra fora o jovem loiro. - Como assim? Quem morreu, Heero?

- Minha meninha, Quatre. – Heero viu o estupor que suas palavras causaram no padrinho da menina. Quatre sentou estático sobre o primeiro banco que encontrou. E ainda diante da falta de palavras dos demais, continuou. - Minha Yume... minha menininha morreu, foi levada de mim. A única coisa boa que criei. – concluiu com a voz baixa.

O silencio era esmagador. Ele nunca conseguiria explicar o que via à sua volta. Parecia que toda a sua solidão havia sido transportada não só para seus companheiros de vida, mas para cada partícula de ar.

Viu lágrimas sendo formadas em olhos azuis. Olhos violetas cerrarem-se, deixando uma lágrima solitária ser derramada sobre a pele quente. Olhos negros permanecerem abertos, o olhando com força e compaixão. Olhos tão fortes e poderosos, mas que lacrimejavam com dor.

- Como? – Foi tudo o que conseguiu ouvir na voz do dono dos poderosos braços.

E um pensamento aleatório surgiu. Se os fãs de Wufei o vissem daquela forma tão vulnerável, será que continuariam seus fãs? O homem oriental que era o símbolo da masculinidade, que esmurrava com precisão tambores, retirando sons pesados e simétricos, também conseguia chorar diante da notícia de morte de uma menininha. Será que ele ainda teria fãs? Concluiu que sim. Afinal, todos sabiam de sua orientação sexual desde o início e nem por isto deixara de ser símbolo sexual e de ter vários fãs homens.

- Acidente de carro. A Naomi estava indo para a casa dos pais dela. Tínhamos acabado de nos separar, enquanto eu fui para um hotel, ela resolveu passar uns dias em Osaka. Ela disse que perdeu o controle do carro quando fez uma curva, o carro capotou e só desacelerou quando bateu num poste. Elas ficaram presas nas ferragens. Foram levadas para o hospital, mas a Yume não resistiu... e morreu dias depois.

E novamente o silêncio mortal voltou para assombrá-los.

- Quando? – Novamente Wufei se adiantou. E perante a falta de resposta estreitou os olhos. O chinês sabia que havia algo de errado naquela informação. Uma coisa que nenhum dos outros havia notado, talvez devido ao choque da notícia. Voltou a perguntar com mais veemência. – Quando, Heero?

- Há 1 ano e 2 meses...

Não precisou de muito tempo para que recebesse uma onda de fúria agressiva como resposta àquela informação.

- Seu Cretino! Como você ousou não me contar! Eu era o padrinho da Yume!    Desgraçado! - Quatre bradou indo em direção ao amigo. Duo levantou-se no intuito de segurar o loiro, mas Wufei o segurou, o impedindo. – Você some durante anos, nos evita, não retorna nossas ligações e quando aparece é para informar que a minha afilhada morreu!?! Ela morreu e você não me deu o direito de me despedir do meu pequeno anjo. Um ano! Mais de um ano sem saber de nada!?! – O loiro vociferava as palavras enquanto suas emoções sem controle perfuravam a armadura psíquica que Heero havia criado a sua volta em todo aquele período de luto.

- Não havia quem pudesse informar isto a vocês, Quatre. Eu morri e fui enterrado junto com ela.

Diante daquelas palavras e da mais absoluta postura mixto de derrota, desesperança e falta de vontade de viver que surgiu no semblante de Heero, o jovem loiro perdeu o dom da fala. Suas emoções pararam de ser controladas pela ira e pela revolta. Encostando sua cabeça no ombro do amigo tão querido e que vinha convivendo com aquele horror solitário rendeu-se à dor: a dor dele. À sua dor. E em um abraço forte o bastante para quase se tornarem uma única pessoa, ambos lamentaram sua perda.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Recomeço - Para Keiko Maxwell" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.