Capítulo 2: Observando

A primeira coisa que fez naquele dia, logo após despertar, foi se dirigir a um shopping próximo, tendo o intuito de comprar alguns agasalhos para o inverno que em breve chegaria. Acabou por levar apenas três, pois havia um grande tumulto naquele dia por causa de queima de estoque de agasalhos - uma verdadeira conspiração do destino - e ele não estava com a mínima paciência para empurrar as pessoas, abrindo passagem e ainda esperar horas na fila.

Mas acabou tendo uma súbita vontade de parar numa lanchonete para comer algo e aproveitar o tempo para ler os relatórios que Halle lhe dera pouco antes dele sair daquele apartamento.

Já se encontrando dentro do recinto, optou por sentar na parte mais discreta e pouco movimentada. Enquanto aguardava iniciou a ler os documentos. De acordo com o que ele dizia, os ferimentos foram causados por algo afiado, mas apenas após a morte da pessoa, o que dava a entender que quem quer que tivesse feito aquilo queria esconder o que realmente a matou , o que era impossível, pois era óbvio que o indivíduo morreu por afundamento craniano. A segunda hipótese, e a mais provável, era a de que o assassino queria se divertir um pouco mais.

Até que uma ideia preencheu sua mente naquele instante, o fazendo deixar o relatório de lado. Uma ideia muito inteligente e tentadora... Se ele planejava humilhar Near tinha de conhecer melhor seu rival, cada podre e ponto forte que pudesse achar. E ninguém melhor para obter esses dados do que seu melhor amigo.

Pegou o celular, discou o tão conhecido par de dígitos e aguardou o amigo atender. Quando atendeu, pôde ouvir o barulho de dedos batendo em botões. Sorriu. Aquilo era tão tipicamente Matt...

_ Mell's! Achei que não fosse me ligar! - Matt exclamou com entusiasmo do outro lado da linha.

O loiro quase podia ver o sorriso que provavelmente estava desenhado no rosto dele.

_ Não sabia que eu lhe fazia tanta falta assim, esposa– seu tom era de deboche.

_ Hoy Mello, pensei que você é quem fosse a esposa. Com suas crises femininas eu diria que é e-

_ Matt, eu vou desligar.

_ Não, Mell's, eu paro - o ruivo riu brevemente e coçou o topo da cabeça.

_ Hmm...

_ Bem, o que você está precisando? Você nunca liga para mim, a não ser quando quer uma informação.

_ Nisso você está certo - bebericou um pouco do refrigerante que uma garçonete lhe trouxera segundos antes _ Preciso que você descubra tudo o que puder sobre um cara.

_ Por que, Mello? O que você quer desse cara?

_ Eu aceitei um novo caso e-

_ Mell's, você aceitou sair daquela toca?! - parecia surpreso.

_ Sim, Matt... - já começava a se arrepender de pedir a ajuda dele.

_ Isso é incrível, Mell's! Se quiser, eu posso ir aonde quer que você esteja e daí-

_ NÃO! - resolveu abaixar o tom _ Não precisa vir, Matt, consigo dar conta disso sozinho.

Escutou-o fungar. Droga. Odiava quando ele fazia aquilo, bancar a pobre criança abandonada pelo irmão... Não podia ter pena naquele instante ou o ruivo se aproveitaria da situação. Não podia, não podia...

Suspirou pesadamente.

_ Nova Iorque, hotel Avalon, quarto 56.

_ Mello, Mello, Mello! - era como se quase pudesse ouvir o som dele abanando o rabinho.

Matt se assemelhava e muito com um cachorro fiel ao dono.

_ Eu posso mudar de ideia a qualquer minuto - já avisou.

_ Eu não deixarei você mudar de ideia, Mello!

Mihaell colocou a mão sobre o rosto e tentou contar até dez. Arrependeu-se do que fizera.

_ Mas então Mell's, quem é o carinha?

_ Nate River. Procure tudo, cada ínfimo detalhe vergonhoso ou não que ele tenha, e me passe assim que puder.

_ Assim que eu chegar em Nova Iorque eu te passo tudo!

O entusiasmo dele causava-lhe enjôo. Como alguém podia ficar tão contente em apenas ser usado? Matt era uma criança muito ingênua.

_ See ya soon! - ouviu o rapaz se despedir.

Encerrou a ligação e voltou a examinar toda a papelada.

Deu uma breve pausa assim que a comida chegou. Observou tudo o que se encontrava em seu campo de visão e notou que as coisas estavam normais.

Porém havia algo que lhe tomou a atenção...

Teve a sensação de que alguém o vigiava. Olhou para todo seu campo de visão novamente, todavia não via nada suspeito. Estava ficando paranóico? Talvez... Mas... Não. Definitivamente tinha algo estranho que seus sentidos o alarmavam para tomar cuidado.

Procurando seguir seus instintos, pagou e saiu dali. Não era bom ir contra seus impulsos, mesmo sabendo que estes poderiam estar errados.

Procurou se misturar na multidão até que conseguisse chegar no hotel em que estava hospedado.

::{ Coração Desgastado}::

Ele sempre procurava ser um desconhecido; dificilmente aparecer no meio das pessoas, mas hoje fôra diferente. Tornou-se um deles.

Tivera de sair da toca para conhecer melhor sua principal vítima, pois ela representava uma grande ameaça.

Ele sorriu brevemente, notando a sua inquietação. Aquela parte era a mais excitante, a que ele mais gostava, e por isso degustou do momento e das sensações que ele lhe provocava aos poucos. Era bom, terrivelmente bom.

Era engraçado observar a presa olhar para os lados assustada, seus sentidos já lhe alertando para fugir do predador que se aproximava. O cervo e o lobo prontos para o duelo de sua vida, porém ambos sabendo quem seria o vencedor ao final de tudo...

Mas havia um problema na espera que, a muito custo, conseguiria "superar": aguardar o tempo certo para matá-la. Podia sentir cada nervo e veia de seu próprio corpo implorando para que se aproximasse daquele loiro e o exterminasse como fazia há um bom tempo. Era difícil não seguir seus impulsos.

Apertou o braço fitando-o se mover no meio da multidão de pessoas. Aumentou a pressão.

Precisava se segurar.

_ Hey, moço, poderia me ajudar?

Voltou-se para a garota que aparentava ter cerca de vinte e dois anos. Ela era capaz de amenizar aquela sensação. Abriu um sorriso.

_ Mas é claro!

::{ Coração Desgastado}::

Conseguira chegar no hotel sem problemas, apenas com aquela sensação ruim que fôra se dissipando aos poucos no percurso. Havia mesmo alguém o seguindo ou era só um alarme falso? Aquelas eram as perguntas que mais fizera a si mesmo, embora não tivesse resposta para nenhuma delas.

Se preocupar naquele momento não serviria para nada. No entanto, decidiu não sair do hotel até que seu amigo chegasse.

::{ Coração Desgastado}::

Por volta das 18:00 horas bateram na porta do quarto em que se encontrava hospedado. Atendeu já tendo ideia quem era o responsável pelo batuque.

_ Mello - o ruivo meneou levemente a cabeça, enquanto adentrava o recinto.

Eles não eram do tipo de amigos que vivem se abraçando ou que buscam saber sobre cada coisinha que acontece na vida do outro. Não. Eles eram um caso especial. Cada um tinha sua privacidade intacta, apenas a revelando caso fosse sua vontade. Aquela relação podia ser comparada a um sistema de cooperação apenas para interesses pessoais, o que podia ser um pouco ou muito frio dependendo do ponto de vista da pessoa.

Não sabia se o outro pensava assim como ele, entretanto tinha quase certeza que sim.

Contudo, Matt era uma companhia agradável. Não havia exigências ou coisas do tipo. Gostava disso.

_ O que conseguiu achar, Matt? - questionou sentando-se na cama.

_ Só que Nate River nasceu no ano 1988 em Londres e exerce a carreira de investigador policial há uns cinco anos.

_ Só isso? Nada mais?

_ Busquei mais informações mas tudo está guardado com extrema cautela. Preciso de mais tempo até conseguir quebrar a defesa da rede policial.

_ Quanto?

_ Uns dois dias, talvez.

O loiro suspirou sentindo-se um pouco desanimado.

_ Relaxa, Mell's. Eu vou conseguir tudo o que você quer.

Estava absorto em pensamentos de como usaria aqueles dados à seu favor. Já não prestava mais atenção ao seu amigo e o discurso que o mesmo citava naquele período. Mas conseguiu distinguir uma frase vinda dele, mesmo estando perdido num turbilhão de apotegmas.

"Não há uma única coisa que eu deixaria de fazer por você..."

Foi aí que ele obteve uma resposta sobre como Matt via aquela relação de amizade entre os dois.