Perhaps, Perhaps, Perhaps escrita por Clio


Capítulo 1
Oneshot


Notas iniciais do capítulo

Inspirada em duas músicas.



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O café já havia esfriado completamente enquanto Takashi tentava inutilmente continuar a bater as teclas da velha máquina, e embora não admitisse, sabia que sua mente estava esgotada. As teclas apenas martelavam palavras aleatórias, sentia-se como uma criança brincando de escrever algo importante.

Pegou a xícara e tomou um gole, estava gelado, amargo, e num segundo gole virou o restante. Seu rosto se contorceu em uma careta infantil, o tipo de careta da qual Shinji sempre ria. Aquele maldito café frio fora posto ali por Shinji, era claro que ele sabia que Takashi acabaria se esquecendo de tomar, acabaria esperando que ele o esfriasse totalmente para então lembrar-se do gesto gentil e ficar com remorso se não o tomasse.

Era típico de Shinji agir assim, com tanta consideração e carinho que Takashi acabava sentindo-se culpado e embaraçado, também talvez fosse provável que ele tivesse aquele café sabendo de tudo, e o café frio e forte era apenas uma vingança contra Takashi por ficar martelando aquela maldita máquina de escrever até a madrugada. Shinji odiava aquela máquina de escrever, não pelo fato do barulho que ela provocava, mas sim por ela roubar Takashi durante noites seguidas. Mas disso Takashi não sabia.

Tornou a olhar o papel novamente, a página em branco estava repleta de bobagens, por mais que tentasse nenhuma única ideia lhe vinha à mente, nem mesmo uma ideia ruim surgia em sua criatividade.

Apoiou-se no recosto da cadeira tentando-se obrigar a ter uma ideia decente, qualquer coisa que fosse, mas ao invés disso a única coisa que surgiu foi Shinji parado à soleira da porta.

-Eu não acredito que você ainda está aqui, já fazem dois dias que você não dorme. - Disse o intruso.

-Eu não preciso dormir, não quando você faz um café tão forte que... eu nem tenho comparação para fazer.

Shinji deu um sorriso de canto, na maioria das vezes Takashi o deixava sem resposta, até nas pequenas coisas, sem nem ao menos tentar.

-Você não vai conseguir escrever nada se não dormir um pouco.

-É claro que você saberia não é? Afinal, nunca vi você ter problemas para terminar seus livros.

-Isso porque eu durmo, e saio de casa as vezes. Isso é o que as pessoas normais fazem sabia?

-E dá longas caminhadas na praia, ouve jazz clássico, assiste filmes tristes, ajuda crianças carentes na África, lê 'O Pequeno Príncipe' e deseja a paz mundial.

-Tudo bem Takashi, já entendi, você sem dormir é ainda mais insuportável do que o normal, eu vou para casa. - A voz parecia exausta, Takashi estava começando e Shinji já estava se cansando daquilo, de novo.

Takashi rolou os olhos, as vezes não sabia dizer se aquilo era encenação ou se realmente havia sido rude demais com alguém sensível demais, mas de um jeito ou do outro detestava ter que interpretar aquele tipo de cena.
-Shinji... não precisa ir, você sabe que nunca deve levar à sério as coisas que eu digo.

-'Tá tudo bem, eu não estou indo embora por causa disso, acho que você precisa mesmo ficar sozinho, para ter um pouco de paz. Qualquer coisa você sabe onde me encontrar.

-É, eu sei. - Foi a única resposta de Takashi, nenhum boa noite ou beijo de despedida, talvez devesse mesmo ficar sozinho, saber que estava sozinho, e assim poderia deixar seus pensamentos lhe perseguirem, às poderia ser que alguma boa ideia o achasse.

*
Algumas batidas na porta e Shinji já estava de pé, sabia exatamente quem era e já sabia exatamente as palavras que sua visita iria usar.

-Bom dia Shinji.

-Bom dia? São seis e quinze da manhã, a minha vontade é de enfiar uma estaca na sua garganta.

-Não seria no meu coração?

-Pelo o que sei você nem sequer possui um.

-É, quem está sendo maldoso agora, hm?

-É difícil não ser maldoso com a pessoa que te tira da cama as seis da manhã.

-Não seja por isso, posso te colocar lá novamente. - Acariciou os cabelos de Shinji, dando pequenos beijos em seu pescoço, o ponto fraco.

-Sem ofensa Takashi, mas eu não estou muito afim agora.

-Ainda bem, porque do jeito que eu estou cansado não conseguiria nem desabotoar sua calça. Mas mesmo assim tem algum problema se eu ficar aqui? - Disse em sua típica expressão de deboche, era difícil saber quando Takashi era sincero ou quando era apenas cínico.

-Depois de uma atuação dessas, claro que sim.

Takashi largou-se no sofá, seus olhos pareciam vazios e genuinamente cansados, suas olheiras eram visíveis, Shinji reparou que suas roupas eram ainda as mesmas de alguns dias atrás.

-Parabéns Takashi, você completou todos os clichês, viciado em café, cigarros, não dorme, usa sempre a mesma roupa e não consegue mais escrever. Quando for estourar sua cabeça com uma bala não se esqueça de me avisar.

-Claro que eu vou te avisar querido, afinal a sua cabeça vai estourar junto com a minha, senão o clichê não estaria completo, e você sabe que o mundo não quer isso. - Pisou o olho com um sorriso no rosto.

-Tudo bem, o que exatamente você quer? Eu saí da sua casa justamente para te deixar sozinho com aquela máquina infernal, eu pensei que te ajudaria pensar melhor sem ter alguém te rondando.

-É, não deu certo. Você tinha razão, eu preciso dormir, e por mais estranho que pareça, eu preciso de você para dormir.
Shinji novamente sentiu-se sem palavras, um fato que parecia se tornar cada vez mais frequente, parecia que Takashi estava sempre lhe roubando a fala, tudo o que conseguia fazer era apenas respirar.

-Então Shinji, eu vou dormir com você mas sexo está fora de cogitação.

-Claro, porque você está tão completamente atraente, acho que deve fazer uns dois dias que você não toma banho né? Não sei como consegui me controlar até agora.

Takashi o respondeu com um sorriso sincero, como fazia poucas vezes, e deitou-se, sendo seguido por Shinji.

*
Já passava das duas da tarde quando Takashi se levantou, Shinji não estava ao seu lado, dessa vez era ele quem estava escrevendo em uma folha em branco.

Aproximou-se sem que o outro percebesse, as palavras estavam sendo escritas à mão, emergindo da tinta de uma caneta que falhava a todo momento, ou será que era Shinji que estava falhando?

-Você está escrevendo como Shinji ou como Tora? - Perguntou sem intenção de tentar parecer discreto.

-Estou... Estou escrevendo para você.

-Para mim? Para Takashi ou para Saga?

-Para os dois, para qualquer um, tanto faz, eu já não sei mais distinguir um do outro. Quem é o escritor e quem é a pessoa que eu amo...amei?

-Shinji, por favor, pare com isso. Eu já te pedi, já te implorei tantas vezes, não escreva essa carta, não escreva essas palavras.

-Por que? Tem algum motivo para que a gente continue nesse jogo?Você alguma vez já admitiu o que sente por mim? Aliás, alguma vez já admitiu para si mesmo?

-Talvez... eu não seja assim.

-Isso mesmo, você nunca admite nada, você nunca diz nada, como eu posso saber se tudo o que você sempre responde é talvez? Se você sente alguma coisa então pelo amor de deus, diga. Mas se não sente nada então assuma e liberte nós dois desse drama de banca de jornal. - A voz estava pausada em um tom de calma que chegava a ser irritante. Shinji nem tinha mais vontade para gritar sobre esse assunto.

Takashi rolou os olhos, novamente, tinha dias em que não sabia como lhe dar com Shinji, os dias em que ele ameaçava escrever a carta de despedida eram sempre os mais difíceis, sempre havia muito o que dizer, mas nunca dizia o que era suficiente.

-Por que você precisa ser tão literal Shinji? Por que você precisa de toda essa sinceridade, sabe quem me assusta as vezes é você.

-E por que eu deveria continuar Takashi? Você nunca admite nada, você nunca enfrenta nada.

-Isso tudo é por cause de ontem à noite? É por cause de hoje de manhã?

-É por causa de toda nossa vida juntos...

Shinji agora o encarava e dessa vez havia sido ele quem roubara as palavras, quem havia tirado a fala do outro.

Takashi virou os olhos para baixo, tentava encontrar dentro de si as palavras que deveria dizer, as palavras que evitava admitir mas que desesperadamente queria dizer.

-Shinji eu... Eu sei que sou bem difícil mas, eu posso te dar milhões de razões para você me aguentar e para você desistir de escrever essa carta de despedida e me enxotar daqui.

-Eu duvido. Mas sabe que estou disposto a ouvir. - Shinji disse no tom mais sarcástico que conseguiu dar a sua voz.

-É, eu também, talvez sejam no máximo três motivos mas eu gosto dos seus livros, gosto de quando você sempre uma xícara de café quando eu estou escrevendo, gosto quando você me manda dormir, gosto até quando você reclama do barulho infernal da minha máquina de escrever e fica resmungando pela casa as três da manhã falando porque eu não escrevo logo no computador, gosto também quando você diz que eu sou uma perfeita imagem clichê de um escritor paranoico. Então por que a gente não tenta por pelo menos mais umas duas semanas?

-Talvez... - Sussurrou.

-Tem outra coisa também Shinji, é que talvez... Talvez eu saiba mesmo que te amo, e que talvez não exista nenhum talvez quando eu digo que te amo.

Shinji soltou a caneta que ainda segurava e releu todas as palavras escritas no papel branco até rasgá-lo por completo, e tornou a olhar para Takashi. Sua aparência não poderia estar pior, e ainda assim ele lhe parecia tão bonito como sempre fora. Takashi havia ganhado mais uma vez, ele sempre ganhava.

-É, eu acho que você deveria voltar a se deitar, eu vou fazer um pouco de café e trazer para você.

Pela segunda vez Takashi deu um sorriso sincero, como raramente fazia, e como sempre fazia beijou Shinji com todo amor não admitido que sentia. Um terceiro sorriso sincero se fez em seu rosto enquanto Shinji saia do quarto, enquanto Takashi tornava a se deitar no único lugar no qual gostava de estar.


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Notas finais do capítulo

Finalmente,depois de muito tempo, consegui escrever alguma coisa com mais de 600 palavras YAY



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