Aquele límpido céu... Que às aves sustenta plenamente fazendo-as voar. Que transmite calmaria ao coração de quem tanto observa. Um dia esse mundo o qual vivo verá que é possível... Um dia dominarei esses céus como se meus fossem. Como se sua grandiosidade se juntasse à minha, e que juntos seremos um só. Como um único ser esplendido. Nunca perfeito, pois essa palavra e conceito são inalcançáveis, mas que seja algo próximo.

      Posso até estar enganada, mas não quero crer nisso. Voar por essa imensidão azul não é um sonho, pois sonhos sim são inalcançáveis, impossíveis.

      Eu realmente sempre fui muito criativa e prática, talvez até um pouco bobinha por ser inocente. Chamo-me Mitsuki Sora e tenho 13 anos. Talvez seja mesmo bem nova, mas não me importo de ter objetivos difíceis, pois minha determinação vai alcançá-los.

     — Sora-chan! Vai se atrasar para o treino!

     — Já estou indo vovó!

     — Não se esqueça do seu material!

     — Tudo bem.

      Ah é, eu faço parte do Clube de Artes Marciais da escola e pretendo coordenar um dojo futuramente. Acho que as artes marciais sincronizam a minha alma ao que almejo. Gosto muito de treinar na cachoeira perto de casa, é perfeito mesmo!

     — Estou indo! – Falo afastando-me da porta principal da casa e correndo o mais rápido possível à escola, mais precisamente para o treino do Clube.

      Todos os dias são a mesma coisa. Saio de casa atrasada, pego uma trilha para cortar caminho até a escola, passo por um penhasco em que dá para ver a cidade inteira, mesmo que seja tão pequena, e volto para a trilha chegando à escola. Isso parece uma rotina chata e sem significado, mas não para mim. Na volta faço o mesmo, mas para próximo ao penhasco e fico a observar o pôr do sol. Não tenho muitos amigos, talvez por ser um pouco introvertida, mas os amigos que tenho já são o suficiente.

     — Sora-san, chegou cedo hoje! – Fala um colega do clube.

     — Estava querendo treinar mais um pouco hoje. Como vocês estão?

     — Estamos bem, não é pessoal?

     — Sim... Vamos começar o treino!

     — Tudo bem. Vamos lá.

      O grupo de pessoas que estava reunido ao centro do local, agora se organizava em duas fileiras, alinhados, segurando firmemente a espada de madeira, cheios de proteção. Com o gesto de um integrante fora do alinhamento se iniciou o treino.

      O treino durava normalmente uma hora, mas eu sempre ficava por mais tempo. Nesse ano eu sou a única menina no clube, quase uma veterana mesmo na minha idade. Nunca fui muito bem na escola, talvez por me sentar sempre ao lado da janela e não prestar atenção ao que os professores dizem, e somente no movimento das árvores, ou até mesmo das nuvens. Mas por não ser muito cobrada em relação a isso não me perturbo muito. Minha avó é uma pessoa de muita idade e a única pessoa da minha família, meus pais vivem em outro país e formaram outra família, e às vezes até me mandam cartas perguntando como estou. Não os julgo por me deixarem aqui, até porque não tenho do que reclamar, não gostaria de jeito nenhum de morar em uma cidade grande, onde a poluição esconde com todas as forças a beleza do céu. Já me disseram que de lá não é possível observar muito bem as estrelas, será que é verdade? Sendo ou não eu tenho bastante sorte de estar aqui.

     — Gente...! Já são oito e meia! Gostaria muito de continuar treinando mas minha aula começa em meia hora e ainda tenho que me arrumar.

     — Como se você ainda tivesse condições de continuar treinando... – Fala Hyosuke, debochando claramente de Sora.

     — Não venha me perturbar, seu chato! – Fala Sora pulando nas costas dele e socando animadamente a cabeça do garoto.

     — Sai logo daí baixinha! – Grita ele ao perceber que a garota não saíra de cima de si.

     — Seu safado! Como ousa me chamar de baixinha?! – Furiosamente continua a lhe socar a cabeça.

     — Ei! Vocês dois. Sora-san não disse que estava na hora de ir? Não vai se atrasar?

     — Agora você escapa, mas depois não vai ter como! – Fala ao pular das costas dele.

      Hyosuke se encontrava com um exagerado galo na cabeça e com os olhos rodando.

     — Você que não escapa baixinha! – Ao ver que a garota parara de andar em direção ao vestiário, começa a suar frio, mas não consegue se mover nem um centímetro.

     — Não vou perder meu tempo com você, pivete. Aguarde-me. – Falava ao se retirar do recinto respirando fundo para se controlar.

      Ah... Aquele garoto consegue me irritar! Da próxima vez vou bater tanto nele que nunca mais vai querer pronunciar a palavra “baixinha” na vida. Mas mesmo me irritando tanto até que os treinos ficam bem animados quando ele está.

      Nossa! Não posso demorar tanto tomando banho! A aula já vai começar! Não acredito que vou chegar atrasada de novo...

      O vestiário feminino da escola era comunitário entre os diversos clubes, mas esta manhã não havia muita gente, só três garotas do clube de atletismo e duas do de vôlei. Mas eram suficientes para fazerem bastante barulho.

      Os chuveiros eram separados por delicadas placas de granito, delicadas, porém resistentes. Havia doze chuveiros em um corredor que era basicamente o vestiário, a se completar com uma área extra interligada apenas por uma porta onde ficavam pias de mármore e sanitários, tudo incrivelmente limpo.

     — Como tem coragem de aparecer atrasada novamente mocinha? – Disse a professora que mais uma vez mandou um sermão.

     — É que eu tava treinando no clube e acabei me empolgando e me perdi no horário...

     — Cada vez é uma desculpa diferente... Da outra vez foi o gatinho com a pata machucada que encontrou no caminho pra escola, ou uma pipa que estava caindo e você foi atrás, ou os chuveiros estavam todos ocupados, daqui a pouco vai dizer que uma nave extraterrestre pousou à sua frente e te seqüestrou por meia hora.

     — Será que um dia ainda encontro uma? – Ao pronunciar as palavras a garota olhou para cima e se perdeu na história, ficou a imaginar extraterrestres vindo a Terra e pousando com uma imensa nave espacial...

     — Ei! Você está dormindo com os olhos abertos agora?  Vai logo para o seu lugar! – Diz a professora quebrando o transe de Sora, que foi automaticamente para sua carteira e sentou-se sem dizer ao menos uma palavra.

      A aula começou e se estendeu por quatro horas sendo interrompida na metade para o intervalo de trinta minutos. Após as aulas Sora se dirigia ao refeitório e almoçava lentamente, comia bastante, mas o que mais saboreava eram doces, que ficavam por último.

      Após o almoço voltava para o clube para encontrar com os amigos e treinar mais um pouco. Desta vez estava mais ansiosa que o comum pelo que Hyosuke lhe aprontara. Na verdade sempre o culpava por tudo, mesmo que a culpa não tenha sido toda dele.

     — Por sua causa levei mais um sermão da professora, safado!

     — Minha culpa nada, fica pensando em indecências durante o banho e esquece da vida. Depois eu que sou safado.

     — Repete o que disse se for homem!

     — Quer mesmo que eu repita?

     — Cala a boca, maldito.

     — Tente terminar o treino um pouco mais cedo para poder chegar na hora certa. – Ao falar coloca a mão em cima da cabeça da garota como quem dava o melhor dos conselhos. – Mas tem que parar de pensar safadezas durante o banho senão não adianta nadinha.

     — Aah... Agora eu te pego! – Em torno dos alunos que treinavam corria Sora atrás de Hyosuke, desta vez ele a irritara de verdade.

      Tinha que ser... E eu por um instante achei que aquele moleque fosse falar algo construtivo pela primeira vez. Agora não perde por esperar.

     — Tchau pessoal! Bom descanso!

     — Até logo Sora-san!

     — Vê se aprende que se arrumar briga comigo você sai com inúmeros galos na cabeça, tem que ser muito burro pra apanhar sempre.

     — E você vê se não enche! – Diz o garoto sentado em um colchão com as mãos na cabeça.

     — Um beijo pra você também querido. – Diz com sarcasmo beijando a ponta dos dedos e em seguida assoprando.

     — Já falei pra não encher! – Ao falar provocara uma crise de risos na garota que contaminou a todos que presenciaram a cena.

     — Você dois... – Ouviu-se o início de um comentário que fora abafado pelo som da porta ao fechar.