Repousou a xícara da mesa e deixou-se inebriar pelo cheiro de canela mesclada com chocolate e abriu os olhos, a chuva havia ficado mais intensa lá fora, agradeceu aos céus por haver um café naquela livraria.

Ao lado da sua mesa um casal adolescente se refugiava da chuva,escondidos atrás de um copo de Milk-shake folheando algumas revistas.Os olhos  brincando de gato e rato, o sorriso hora tímido, hora debochado.Lá fora, através dos vidros enegrecidos podia ver que outras pessoas corriam da chuva parecendo ignorar a existência do pequeno prédio, de interior lotado de livros, com piso e paredes revestidos de madeiras e algumas dúzias de estantes.

Ele gostara do prédio.Era apenas aquele tipo de lugar escondido bem a vista,que não parecia de longe  aconchegante como realmente era, aquele lugar sob os olhos que aparentava não ser bom as vistas.

E talvez as pilhas de livros, a recepção fria e a fachada indiferente fossem, de fato, espinhos  bem arranjados para não permitir a entrada.

Porque aquele era desses lugares que sobrevivia da lealdade e afeição daqueles que adentravam os espinhos, os que o faziam apenas por fazer, outros por saber do conforto guardado entre tais paredes, e aqueles dos quais a verdadeira importância do lugar vinha:

Daqueles que o faziam por pura teimosia, por amor tão descomedido a desafios outrora insignificantes que podiam simplesmente ignorar os cortes e adentrar os espinhos até o local em si. Eram esses que achavam o conforto de verdade e não se contentavam, não até que mesmo o que havia de bom estivesse conforme as suas regras, só para então criar novas regras e continuar o desafio.

Analisou o lugar por mais uns segundos e suspirou, talvez devesse ser grato por tão poucos acharem lugares como aqueles, não era isso que os mantinha encantados afinal?

- Correndo da chuva?

Ele ergueu os olhos e a viu, os cabelos castanhos molhados, o rosto descontraído e um sorriso divertido.

- Parece. E você? Pensei que não tivesse necessidade de se molhar.

Ela riu e puxou a cadeira rente ao homem, voltando os olhos para o jovem casal e encarando-o em seguida.

-Não tinha. Tem muita cobertura por aqui.

- E ?

- Nunca tive medo de chuva.

Ele calou, ela fingiu não perceber e pediu a senhora que passava uma xícara de chocolate com canela. E permaneceram em silêncio por alguns minutos.

-Então, por quê?

Ele a encarou, ela sorriu.

- Apenas parecia bom o suficiente.

-Suas roupas dizem que parecia longe o suficiente.

- Já disse, não tenho medo de chuva.

-Sei que não tem, mas não era necessário que se molhasse,podia esperar.

Ela o encarou divertida.

- É apenas água, nada que possa me parar realmente, e depois valeu a pena.

Ele assentiu, fazia pouco mais de meia hora chegara ali em estado semelhante ao da mulher.Era um bom lugar,havia valido a pena.

-É, é um bom lugar.Valeu a pena.

Ela o encarou com o cenho franzido e solveu um pouco do chocolate, com um suspiro de aprovação, e então correu a mão até o rosto dele.

- Não,Griss.Não é exatamente este lugar que vale a pena.

Ele a encarou, as sobrancelhas arqueadas.

- Entendo...Este outro lugar,Sara,sabe que já te pertence?

- Sei.

-Valeu a pena?

- Tinha algumas coisas no caminho, mas, sim. Griss, vale a pena.