I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 2
Capítulo 2 - Tudo Errado


Notas iniciais do capítulo

Novamente uma música do Matanza como nome do capítulo. Recomendo que ouçam nas primeiras partes do mesmo. Acho que essa música da um climão.
Bom, é isso. Enjoy!



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Capítulo 2 – Tudo Errado

Caminhei até eles a passos firmes, a cabeça erguida e uma bela e recém adquirida cara de cachorro grande. Uma única pergunta: A quem eu estava querendo enganar?

Quando estava próximo o suficiente para minha presença ser notada, Todos os olhares se voltaram para mim. Minhas mãos – fechadas em punhos – suavam.

O garoto estava bastante ofegante, provavelmente tinha se debatido bastante antes de eu chegar. Os dois brutamontes que lhe seguravam os braços olhavam confusos de mim para o terceiro, um pouco mais a frente, sem saber exatamente o que fazer. Ele parecia ser o líder do bando.

- O que faz aqui? – rosnou, vindo até mim. Minha vontade de sair correndo dali como se não houvesse amanhã presente, mas bem menos atrativa do que antes. Já estava conformado com a surra que iria levar. – Veio apanhar também?

“Provavelmente...” pensei.

- Solta o garoto. – respondi no mesmo tom.

- E o que você vai fazer comigo se eu não soltar? – ele sorria maníaco, se aproximando mais.

E, em um surto de coragem, eu o empurrei, fazendo com que ele recuasse alguns passos. Observei, satisfeito, seus olhos se arregalarem em surpresa.

- Solte ele agora – foi a minha vez de me  aproximar. Ensaiei minha melhor cara de maluco (o que não era realmente tão difícil assim) e apontei o indicador próximo ao seu nariz. Eu, definitivamente, não tinha a menor idéia do que estava fazendo. – ou vai ficar difícil jogar a próxima temporada com a perna quebrada.

Tão jovem e tão estúpido!

Levei um soco direto no olho esquerdo. Eu já devia saber que ameaçar alguém com o dobro da minha largura (e metade da inteligência) não daria em boa coisa... Não para mim.

- Não ouse me ameaçar, Way! – ele apontou o dedo para mim. – Ou faço você engolir essa sua língua! – e, com um último gesto, chamou seus comparsas, que logo largaram o pirralho e saíram atrás de seu mestre, rindo como hienas no cio.

Assim que se afastaram, permiti-me cair sentado sobre a grama. Uma das mãos tampava o olho machucado.

“Parabéns, herói! Salvou o dia!”, pensei irônico e cansado, deixando escapar um suspiro. Sentia a adrenalina se dissipar aos poucos no meu sangue, a respiração se estabilizando, e a dor se fazendo presente em cada músculo meu, como se aquela explosão de raiva e coragem tivessem vindo de dentro para fora, rasgando a carne.

E assim eu fiquei. Ranzinza e dolorido, me lamuriando por uma atitude que eu nem sabia ao certo se me arrependia ou não de ter tomado.

E só depois de um tempo notei alguém sentado ao meu lado. Era uma figura baixa e magra, e com uma cara muito esquisita de satisfação. Espero não ter atrapalhado nenhum tipo de momento masoquista estranho entre eles.

Sem notar meu olhar, no mínimo, “intrigado” sobre si, ele disse:

- Valeu mesmo, cara. – notei que ele ainda estava um pouco ofegante. – Aqueles bastardos me pegaram desprevenido! – resmungou, a face séria.

E eu o olhei incrédulo. Ele realmente achava que tinha alguma chance? Sério mesmo?

Ele levantou o rosto e me encarou. Sorria empolgado E eu pude perceber um filete de sangue escorrendo de seu nariz. Ele me estendeu uma mão enquanto a outra segurava seu próprio tronco na altura das costelas.

- Frank Iero. – disse simplesmente.

- Gerard Way. – respondi, segurando sua mão e apertando-a.

Aquela apresentação foi a mais estranha de toda a minha vida, com toda a certeza.

Eu ainda o olhava de uma forma estranha e desconfiada, ainda mais depois que avistei – com o olho que me restara – as tatuagens em sua mão, que seguiam pelo pulso e de lá para além da manga comprida do uniforme, onde eu, obviamente, não conseguia mais enxergar.

Quando ele notou meu interesse, apressou-se em puxar a mão de volta, constrangido.

- Lamento o modo que nos conhecemos. – disse rapidamente. Ele parecia bem sem graça.

- Ahm... tudo bem. – e eu me peguei sem palavras também. Ótima hora para agir feito um idiota.

Mas eu não tinha muita culpa, era simplesmente o costume. Não estava acostumado a falar com outras pessoas na escola, além de Mikey e Ray.

Tentei me lembrar aonde havia deixado o meu almoço no meio de toda aquela confusão, e acabei por abaixar a mão que estava sobre o olho machucado. O silêncio estranho que havia se formado entre nós sem eu nem ao menos perceber foi logo quebrado por ele.

- Cara, isso vai ficar muito feio! – ele exclamou, e logo uma de suas mãos já estava em meu queixo, e ele analisava o hematoma, atento. – Tem enfermaria aqui?

“Como eu imaginava, um novato.” – foi a única coisa que se passou pela minha cabeça. Obviamente que ele não sabia como as coisas funcionavam por aqui, o que explicava a cena que eu presenciara minutos antes.

Tentei olhar para ele enquanto ainda girava meu rosto inquieto em suas mãos. Ele tinha um brilho diferente no olhar. Algo que eu via em mim mesmo anos atrás, e que foi se apagando aos poucos junto com a minha necessidade de mostrar minha verdadeira personalidade e tudo aquilo que eu era capaz de fazer.

Algo dentro de mim me dizia que ajudá-lo era ajudar a mim mesmo.

E eu já tinha ganhado um olho roxo de presente logo às oito e meia da manhã, o que eu tinha a perder?

- Tem sim. – respondi depois de alguns segundos.

Assisti ele se levantar, ainda com a mão nas costelas. A dificuldade era aparente e ele devia estar sentindo dor.

Notei que ele havia estendido a mão para me auxiliar a me levantar, e eu não recusei.

Tomei a dianteira, sentindo ele nos meus calcanhares enquanto rumávamos novamente para a parte externa do refeitório. Eu andava depressa, e sentia sua dificuldade em me acompanhar, mas não podia diminuir o passo, e quando passamos por aquelas mesas lotadas, imaginei que ele entenderia o porquê. Todos os presentes explodiram em gargalhadas, apontando sem o menor pudor nossos rostos inchados. Podia Imaginar nitidamente aqueles três patetas rindo de nós em algum canto da escola e se vangloriando pelos nossos hematomas. Aquilo fazia meu sangue ferver, mas eu tinha que me controlar.

Eu estava tão concentrado em me apressar que demorei a notar que as pessoas que passavam por nós logo começaram a se aquietar. Estranho. Olhei de relance para traz.

- O que está fazendo? – perguntei sem parar de andar. Ele exibia o dedo médio da mão livre para quem quisesse ver.

- Pedindo educadamente para que eles cuidem de suas vidas. – disse, me olhando e sorrindo.

Minha face dizia claramente: “Não se cansou de apanhar não, moleque?”

- Ei, é o melhor que eu sei fazer. – completou, dando de ombros.

E para a nossa sorte – ou nem tanto assim –, logo chegamos à enfermaria. O rapaz que atendia os alunos era tão novato em sua profissão quanto o garoto que me acompanhava era naquela escola. Mesmo quando acabava apanhando de algum imbecil, relutava em comparecer à enfermaria. Corria mais riscos de me machucar dentro do que fora dela.

Logo que colocamos nossos pés dentro da pequena saleta branca, assim como um raio, Jack veio ao nosso encontro, os braços abarrotados de produtos de primeiros socorros e medicamentos. Era alto, porém bem magro, e com olheiras profundas que o envelheciam, mas não tiravam a alegria de seu rosto. Alegria esta que consistia unicamente em adquirir pacientes. Ele era tão prestativo quanto um cientista atrás de uma cobaia. Te amaria eternamente... Enquanto você estivesse doente, é claro.

- Olá! – ele cumprimentou-nos animado com um enorme sorriso. Isso que era gostar de ver o sofrimento alheio. – Vejo que andaram brigando, certo? – entes que pudéssemos responder, ele continuou, colocando os materiais sobre sua própria mesa e abrindo as cortinas que ficavam no centro da sala, revelando uma maca. – Tudo bem, não importa. Quem vai ser o primeiro?

Ele torcia as próprias mãos em expectativa e eu torcia meu fígado para tentar reprimir a vontade de sair correndo.

- Na realidade nós estamos bem. – eu tentei me explicar. Olhei pelo canto dos olhos para o garoto ao meu lado, buscando algum tipo de apoio ou confirmação da parte dele. O maldito parecia se divertir. – Só... queríamos...

- Pedir dispensa. – ele completou depressa. Ok, melhor que nada.

- Vocês não precisam de dispensas se estão tão bem assim. – ele resmungou, visivelmente contrariado, empurrando alguns objetos sobre a mesa para que pudesse se sentar sobre ela e nos encarar melhor. Cruzou os braços na altura do peito.

- Nós estamos e não estamos bem. – ouvi o pirralho dizer. Aquele tipo de incoerência devia ter sido fruto de algum golpe na cabeça, mas eu ainda tinha a esperança de que ele tivesse um plano, porque eu só conseguia olhar para Jack e lembrar do estripador. – É que... Ah, olha cara, nós só queremos ir embora. Você parece ser um cara bacana... Não ficaria segurando a gente aqui a troco de nada, não é?

E ele dizia aquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo. Simplesmente disse a verdade e esperou a resposta. E eu não sabia como, mas ele havia descoberto o ponto fraco de Jack.

- Bom... eu não poderia estar fazendo isso, mas... – e logo o sorriso ofuscante ressurgiu no rosto de Jack. – Como você mesmo disse, eu sou um cara legal! – era extremamente engraçado como ele parecia muito mais orgulhoso de si.

Não tardou muito para estarmos em frente à escola com nossas mochilas. Jack rabiscara nossas dispensas tão rapidamente que notei que a secretária nem se deu ao trabalho de tentar decifrar os hieróglifos nas folhas que nós a entregamos. Enquanto atravessávamos os portões de ferro da escola, ainda me lembrava de forma divertida de Jack acenando para nós da porta da enfermaria. No fim ele era um cara bacana. Mas sem objetos cortantes ou seringas em mãos.

Quem sabe eu não passasse lá outro dia para lhe fazer uma visita?

E logo que esses pensamentos vieram e se foram da minha mente, logo notei que éramos apenas nós três novamente. Eu, o novato, e o silêncio. Queria mandá-lo embora – sim, o silêncio – mas simplesmente não sabia o que dizer. Então, na impossibilidade de me dar ao luxo de dizer qualquer besteira, comecei a observá-lo, agora de pé. Ele era realmente mais baixo que eu, mais ou menos uns quinze centímetros. Não me parecia tão magro olhando melhor, mas continuava sendo uma figurinha singular. Seu estilo “alternativo” era denunciado pelas unhas pintadas de preto, as tatuagens, o cabelo repicado de forma totalmente desigual e eu havia acabado de perceber duas pequenas argolas prateadas em seu rosto, uma no nariz e outra na boca.

Quem precisa de um imã para atrair idiotas espancadores de fedelhos? Ele não, com certeza!

- Bom, cara... Valeu de novo! – ele disse sem jeito, e eu permaneci em silêncio. O que eu poderia ter dito afinal? “Ah, tudo bem, te salvo de novo outro dia!”.

Ele ia dar as costas para ir embora, mas notei que ele parou por um instante olhando para mim, e logo voltou a falar.

- O que é isso na sua bolsa? – ele apontou para um desenho na alça da minha mochila, com um sorriso de orelha a orelha. – Curte Misfits?

 - Ta brincando? É a minha banda preferida. – foi a minha vez de sorrir. Quem diria que naquela escola alguém teria bom gosto musical, han?

- Caramba, hoje em dia é tão difícil encontrar quem curte esse tipo de som! – ele estava realmente empolgado. E mesmo sem querer admitir, eu também estava.

- É verdade. Estudo aqui desde o primário, e além do meu irmão e de um amigo meu, não conheço mais ninguém que tenha bom gosto por aqui. – permiti-me um gracejo, e o ouvi rir.

- Bom, melhor que nada, no outro colégio onde eu estudava, a cidade era tão pequeno que acho que o pessoal nunca ouviu falar em nada similar. – ele ria do próprio comentário. – Ei, eu preciso ir buscar alguém agora, vou aproveitar que as aulas tecnicamente acabaram mais cedo.

- Ah, ok. – sorri, mesmo com a cortada brusca no assunto. Apesar de meio... estranho diante de uma primeira análise, ele parecia ser um cara bem bacana. Afinal de contas, vai saber o que é normal?

- Nos vemos amanhã, cara! – ele gritou, já caminhando para longe. Não era uma pergunta e sim uma afirmativa.


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Notas finais do capítulo

Pois é, não resisti em postar. Agora capítulos novos só depois de quarta.
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