I'm Not Ok escrita por Bones


Capítulo 12
Capítulo 12 - Obstinada E Manipuladora


Notas iniciais do capítulo

Aviso rápido: este capítulo fala sobre religião abordando um pouco de ateísmo. Por favor, não tenho nada contra religião alguma, pelo contrário, respeito todas, então peço que não me interpretem mal.
Beijos, boa leitura e espero que gostem! ♥
Obs.: Esqueci de dizer! Se possível, ouçam a música "Amigo nenhum" do Matanza enquanto leem. A música e o capítulo fazem o encaixe perfeito!



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Capítulo 12 – Obstinada E Manipuladora



Quando chegamos à cidade – antigo lugar que eu, erroneamente, costumava chamar de lar. – senti meu estômago embrulhar. Eu podia me ver em cada canto daquelas ruas, exatamente como eu era: tolo. Um moleque esquisito, vestido de preto, que queria se rebelar contra uma opressão inexistente mostrando seu pior lado para quem quisesse ver. Hoje em dia as pessoas não me vêem de forma tão diferente assim, mas acho que saber o que eu realmente sou por dentro é o que realmente importa.


E eu estava naquele lugar maldito novamente porque eu queria saber quem eu era. Sem isso acho que jamais conseguirei organizar minha vida.


Apesar de passar de meio-dia, eu não estava com o mínimo de fome. Talvez devido a toda a raiva e a ansiedade, somados às lembranças péssimas que aquele lugar me trazia. Como Frank também não se manifestou, preferi seguir caminho para a casa de Lindsey. Bom, se é que o lugar onde ela morava podia ser chamado de casa. Lindsey não havia me passado endereços pela nossa rápida conversa por telefone, o que só me sugeria que ela se encontrava no mesmo cubículo apertado para onde se mudou quando seus pais a expulsaram de casa.


Pensar na situação que Lindsey se encontrava me apertava o coração. Ainda mais com uma criança. Admito que pensei que Lindsey acabaria... dando um fim no bebê. Adoção, aborto, qualquer uma dessas opções era válida na situação na qual ela se encontrava e ainda se encontra. Só posso dizer que a decisão que ela tomou por permanecer com seu filho, mesmo este sendo fruto de um estupro, só fez minha admiração por ela crescer. Mas se ela tivesse abortado, eu também não lhe tiraria a razão... seria como acordar toda a manhã, olhar para o rosto do seu filho, e lembrar do homem que te agrediu. Lindsey é uma das mulheres mais fortes que conheço.


Rodamos durante mais uns vinte minutos com o carro até chegar à parte pobre da cidade. Era um lugar sujo, com pessoas estranhas e suspeitas – provavelmente drogados, traficantes e prostitutas. – em todos os lados e todos os becos, independente de para onde você olhasse. Lembrei-me da última visita que fiz a ela... Ela estava pálida, abatida e com a barriga bem saliente. Insisti mais uma vez para que ela me deixasse assumir a paternidade, mesmo o filho não sendo meu... ela ficou brava e me expulsou de lá. Depois que me mudei escrevi para ela uma vez dizendo meu novo telefone, e pedindo para me mandar notícias. Ela nunca havia ligado até hoje.


Estacionei em frente a um prédio sujo e, aparentemente, abandonado. O lugar havia se deteriorado bastante desde a última vez em que eu o vira, mas ainda tinha o mesmo aspecto degradante e o mesmo cheiro de bolor. As paredes exibiam mais rachaduras do que antes, e a pintura original do pequeno edifício há muito já se fora também.


Quando ia descer do carro, notei Frank retirar o cinto, pronto para fazer o mesmo. Eu o impedi.


– Eu... Prefiro ir sozinho. – disse sério, retirando o cinto de segurança de suas mãos e voltando a prendê-lo. – Se eu demorar demais ou se algum maluco começar a rondar o carro, é só buzinar e eu desço.


E Frank aparentemente entendeu o que eu queria dizer. Se eu não fizesse aquilo sozinho não iria adiantar de nada toda aquela conversa que eu tive com ele. Apesar de agora eu admitir que precisava sim de ajuda, era como ele próprio havia me dito: não faria o menor sentido se eu não matasse meus fantasmas sozinho. E toda aquela jornada de nada serviria se fosse de outra forma.


Entrei, meio receoso, naquela construção podre da base ao teto, ainda temendo de que tudo aquilo desabasse sobre a minha cabeça. Não me lembrava de como o lugar era pequeno, as escadas estreitas e com o corrimão alaranjado pela ferrugem. Subi até o primeiro andar e parei em frente à porta tão conhecida por mim. O número quatro, outrora pintado em tinta branca, já bem descascado e deteriorado, como tudo naquele lugar.


Respirei fundo uma, duas, três vezes. Meu coração batia tão forte que eu jurava que o pulsar dele podia ser ouvido do térreo.


Por fim, ergui a mão e bati na porta.


E não demorou quase nada para que uma figura magra, um pouco mais baixa que eu, aparecesse à porta. Os cabelos bem escuros na altura dos ombros, a face pálida, abatida, porém ainda muito convidativa. Apesar de tudo, Lindsey continuava bonita, como há três anos. Quando me viu parado à porta, seus olhos bonitos se encheram de lágrimas, e logo seus braços estavam em volta do meu pescoço.


– Lindsey...


– Gerard! Que saudades! – ela me abraçava fortemente, aparentemente sem a intenção de me soltar. Suas lágrimas molhavam minha camiseta, mas eu não me importei. Por fim ela se afastou um pouco de mim, um sorriso choroso, apenas para comentar: - Você está tão diferente! Tão bonito!


Eu sorri sem graça com os elogios. Dei uma olhada na casa enquanto ela se agarrava ao meu pescoço novamente. Incrivelmente o lugar havia conseguido ficar pior do que estava antes. Ainda mais sujo. Ainda mais úmido. Dava para ver que ela havia tentado fazer algo a respeito, talvez pintar as paredes para esconder as rachaduras e as infiltrações que apareciam em vários pontos, mas, sinceramente, não adiantara tanto assim. O lugar tinha uma decoração simples e eu não vi quase nada que parecesse custar mais do que vinte dólares além de uma televisão pequena e antiga posicionada em frente a um sofá puído de dois lugares. Foi então que meu olhar caiu sobre um pequeno garotinho levemente encolhido no sofá, os olhinhos fixos nas imagens que passavam na tela à sua frente.


Desfiz o abraço de Lindsey com certa dificuldade e olhei melhor para o garotinho de olhos extremamente claros como se ele fosse um fantasma. Ele não tinha quase nada de Lindsey. Tudo no rosto dele me lembrava Max.


– Lindsey... como você conseguiu todo esse tempo? – ela sabia a que eu me referia.


Abaixou um pouco a cabeça, e logo a ergueu novamente com um grande sorriso no rosto, os olhos brilhando em direção ao pequeno.


– Foi como eu te disse, eu não seria capaz de me desfazer dele. Olha bem para ele, Gerard. Você seria? – e eu o olhei durante algum tempo, até que seus olhos encontraram os meus. Eram grandes e expressivos como os de Lindsey. Com certeza eu seria menos capaz de machucá-lo que ela.


– Vem, vamos para a cozinha. – ela fez um gesto com a mão e entramos no pequeno aposento, onde só havia uma mesa, duas cadeiras, um fogão, uma pia e alguns armários. Pois é, nada de geladeiras.


Sentei-me de frente para ela, meio desconfortável em ver como ela estava, e me lembrando da casa onde eu morava. Queria tanto que ela tivesse ido comigo... ou que, ao menos, eu pudesse morar nesse apartamento com ela.


Mas eu estava tão mal – fisicamente, emocionalmente e psicologicamente. – que provavelmente mais atrapalharia do que qualquer outra coisa. Ela se tornou mais forte sem mim, então talvez as coisas tenham acontecido dessa forma porque tinham realmente que serem assim.


E lá estávamos nós. Dois miseráveis com as vidas destruídas de formas distintas, mas iguais em seu sofrimento. Que culpa tínhamos por sermos tão tolos? Será que teríamos que pagar pelo resto da vida por um erro primário e infantil?


Era por isso que às vezes – na verdade, quase sempre. – eu me questionava sobre a existência de Deus. Ele ama a todos igualmente, ele vê tudo e sabe de tudo, ele faz milagres acontecerem! Então, se ele viu pelo que eu e Lindsey passamos, se ele sabia que nós éramos só duas crianças curiosas brincando com fogo, por que não impediu que tudo isso acontecesse? Ele não pode fazer milagres? Então por que não interveio!?


Hoje em dia eu não creio mais no sobrenatural ou no divino. Nada disso me ajudou, ninguém veio até mim quando eu rezei e pedi. Implorei. Eu estava no fundo do poço, afogado em depressão, e anjo nenhum veio me estender a mão. Então tudo isso simplesmente tirou de mim qualquer fé que eu pudesse ter.


Estar ali com Lindsey me trazia muitos sentimentos e pensamentos adversos à cabeça. Eu sentia raiva das lembranças que ainda me perseguiam, felicidade por estar com ela de novo, remorso por não ter podido ficar... E era tudo tão intenso!


– Gerard eu... Eu realmente queria pedir desculpas a você por ter ligado só agora. – Lindsey começou um tanto desconfortável. – Eu sei que você queria ter notícias do Arthur, mas eu sabia bem o jeito que você estava quando foi embora. Eu não queria piorar as coisas para você.


– Eu... – eu não sabia exatamente o que dizer, para variar. – Eu queria ter te ajudado mais.


– Gerard! Você queria assumir a paternidade de um filho que não é seu! – ela sorriu doce para mim e segurou minha mão direita entre as suas. – Isso eu não podia deixar você fazer. Mas as coisas que você me dizia, me dando força, dizendo que estava do meu lado... Era tudo o que eu precisava ouvir. Sem isso não imagino se teria conseguido chegar aqui.


E com as palavras dela eu finalmente percebi que nem tudo que eu havia feito no passado havia sido tão ruim assim. Eu consegui ajudar alguém em meio à merda toda que eu havia me metido, e isso, por um minuto, fez tudo valer a pena.


– Fico feliz por ter conseguido ajudar de alguma forma... – eu falei, tentando disfarçar o tom sem graça e o pequeno sorriso em meus lábios. Ela apertou um pouco mais minha mão entre as suas.


– Você é uma ótima pessoa, Gerard. Eu só lamento as circunstâncias em que nos conhecemos. – ela sorriu triste, e logo seu rosto tomou contornos pesados, seus olhos perderam um pouco do brilho, e ela continuou a falar. – Gerard... – ela parecia um pouco nervosa. – eu... Eu te chamei aqui porque eu preciso da sua ajuda com algo. – seu olhar encontrou o meu, suplicante. Eu estava começando a ficar realmente preocupado. – Você... se lembra do Max?


– Infelizmente, não tenho como não lembrar. – respondi em um tom áspero, talvez um pouco mais amargamente do que deveria.


– Bom... Ele... Descobriu que eu continuo criando o Arthur. – e foi como se uma pedra gigante de gelo se instalasse em meu estômago. – Ele está na faculdade agora. Ganhou uma bolsa para jogar futebol por lá. Ganhou um conversível do pai, um apartamento só para ele... E sempre me liga ou aparece por aqui para me fazer algumas “visitas”. – ela soltou minha mão para fazer o sinal de aspas. Seu rosto estava começando a transparecer a raiva que ela claramente sentia. – Ele tem tudo, Gerard. – ela me olhava fundo nos olhos, e por um instante eu consegui sentir tudo o que ela sentia. A vingança. – E eu sei que eu devia ter feito isso há muito tempo... Mas eu era boba, tinha vergonha. Ainda tenho, na realidade. Mas essa situação está ficando insustentável! – ela se levantou da cadeira onde estava acomodada e começou a andar de um lado para o outro na pequena cozinha. Aquela não era mais a garota ingênua que eu havia conhecido, definitivamente não.


– O que você quer, Lindsey? – eu perguntei, sério, encarando-a também. Eu já sabia o que ela responderia, e agora a ligação dela e o pedido de ajuda... tudo fazia sentido.


– Eu quero denunciá-lo. – ela disse com dureza na voz. – Eu não consigo mais sair para trabalhar sem ficar com medo de chegar e não encontrar mais o Arthur! Além do mais, ele é uma criança pequena, não pode ficar muito tempo sozinho. – ela passou a mão pela testa nervosamente, eu me levantei e me coloquei à frente dela, encarando-a e incentivando-a a continuar a falar. – Antes eu o deixava na casa de uma vizinha, mas ela teve a sorte de se mudar... E os meus pais não querem me ver nem pintada de ouro! Que dirá o neto bastardo, como eles costumavam dizer! E... – sua voz tremulou um pouco. – da última vez que Max apareceu... ele me ameaçou com uma arma.


E eu não consegui acreditar no que acabara de ouvir.


– Como assim uma arma!? – gritei indignado, sem me importar com o quanto de atenção eu poderia estar chamando. – Porra, Lindsey! Você devia ter ido à delegacia muito antes! Eu sei que é horrível ouvir isso, mas, caralho, eu te avisei! – e agora eu andava desesperado de um lado para o outro da cozinha, e Lindsey me acompanhava com os olhos, um tanto arrependida e apreensiva.


– Eu sei que errei, não precisa me dizer isso! – seu tom de voz também era elevado. – Mas foi por isso que eu te chamei. Gerard, você também sofreu por causa dele. Quanto mais provas conseguirmos contra ele, maiores as chances de ele apodrecer na cadeia! – ela segurou meus ombros, me obrigando a olhá-la diretamente. Parecíamos dois loucos, nos encarando com aquele fogo estranho e intenso no olhar, ambos com péssimas intenções escondidas sob as faces desesperadas. – Gerard, eu preciso provar para os meus pais que eu não sou uma vagabunda! Preciso me reerguer para conseguir dar uma vida melhor ao Arthur! Nós dois precisamos enfrentá-lo para seguirmos nossas vidas. Será que você pode me ajudar uma última vez?


E nessa hora ouvimos um barulho vindo da porta da cozinha. O pequeno Arthur estava lá, parado, a face um pouco tensa, e o indicador gordinho na boca. Provavelmente ele ouvira nossa discussão, se assustara e corajosamente viera aqui ver o que estava acontecendo.


– Ah, desculpa filho. A mamãe estava falando alto com o titio, é? – Lindsey me soltou e começou a falar com a voz ligeiramente infantil com o pequeno. Ele assentiu balançando a pequena cabecinha freneticamente, e ela, sorrindo, o pegou no colo.


Eu ainda não sei se foi na esperança de me amolecer para que eu pudesse topar sua proposta mais rapidamente ou se ela fez aquilo sem segundas intenções – o que é o menos provável vindo de Lindsey. Apesar de tudo, ela sempre foi um pouco manipuladora. – mas ela colocou o pequeno em meu colo e nos apresentou.


– Ta vendo esse moço grandão aí, filho? – ele assentiu novamente, parecia envergonhado demais para falar qualquer coisa. Eu, o pegando desajeitado, me sentia ainda mais envergonhado e acuado que ele. – Ele é um grande amigo da mamãe. – e o pequeno pareceu relaxar um pouco mais em meus braços depois disso. – Ele se chama Gerard Arthur.


– Igual eu! – o menino disse, contente, a voz infantil penetrando em meus ouvidos e ecoando em minha cabeça. Ele me encarava curioso com uma mãozinha apoiada em cada um de meus ombros.


– E ele veio aqui para ajudar a gente, meu amor. – ela se aproximou de mim e do garoto, passando a mão nos fios loiros dele, sob meu olhar atordoado, porém, reprovador. Ela sorria, sabia que a chantagem emocional estava dando mais que certo. – Não é, tio Gee?


Eu entreguei o menino à Lindsey, minha cabeça explodindo com tantos pensamentos, tantas coisas que eu ainda não havia conseguido digerir... Se existisse uma única palavra para que eu definisse Lindsey, seria obstinada. Antes, talvez, ela não fosse tanto assim, mas a vida a tornou dura, feita de pedra e más intenções. E agora eu vejo como a sede de vingança e o tempo podem mudar as pessoas.


E foi então que eu ouvi uma buzina soar ao longe. Era do carro do meu pai.


Saí daquele cubículo a passos largos, logo alcançando as escadas. Parei ao ouvir um grito de Lindsey vindo da porta de seu apartamento.


– Aonde vai?


– Vá à delegacia, faça uma queixa, abra um processo, como quiser. Você sabe meu telefone. Entre em contato quando tudo estiver acertado. – e desci as escadas rapidamente, ouvindo os degraus rangendo alto sob meus pés, que se chocavam contra a madeira deles com força, causando um barulho oco.


E, como se já não me bastassem todos os problemas, a preocupação tomou conta de mim por completo ao ouvir aquela buzina.


Eu me odiaria se algo acontecesse com Frank por minha culpa.



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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam da Lindsey? Achei que ela ficou um pouquinho diferente do que eu mesma imaginava, mas depois que terminei de escrever, achei tão legal dessa forma que deixei assim!
Espero que não tenham se sentido ofendidos quando tratei sobre a existência (ou não) de deus. Eu respeito todos, ok? Não quero ofender ninguém com a minha história. Foi só uma passagem do texto. Se quiserem ignorá-la, tudo bem. Mas, bem, este Gerard é ateu, e isso é um fato. :x
Só um aviso rápido antes de terminar: talvez só possa postar agora depois de quarta, que é quando acabam minha aulas e minhas provas e eu fico livre de vez do colégio para todo o sempre e fim! Mas se der para eu dar uma escapulida dos estudos, eu venho e posto, ok?
Espero que compreendam! ♥
Beijos e vejo vocês nos comentários!