A Face Oculta Da Lua escrita por Lady Salieri, Nami Otohime


Capítulo 12
Capítulo 9: Sonatina para desencontros (I)


Notas iniciais do capítulo

Era noite. No palácio acontecia uma daquelas infinitas festas dada por Serenity. Serena se via, juntamente com sua mãe, recebendo os convidados e sentia-se inquieta enquanto tentava se controlar e manter a postura de anfitriã que lhe era exigida. Entretanto, não via a hora de ir embora dali, sentindo seu coração acelerar-se mal antecipando os pensamentos de um iminente encontro clandestino.



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Lyene caminhava com Takeo pelas ruas de Juubangai. Voltavam para casa depois de passar a tarde buscando possíveis lugares onde Mihara poderia estar, conforme as hipóteses levantadas por ambos. A busca resultou sem sucesso, mas eles sabiam que não seria tão fácil. Entretanto, aquele primeiro dia de busca foi particularmente divertido, Takeo fazia questão de entrar em todas as lojas pelo caminho, comprar as coisas mais inúteis e brincar com elas ao longo do trajeto, desconcertando Lyene que às vezes se pegava sem fôlego de tantas gargalhadas pelas estupidezes do amigo.

Caminhavam em um silêncio alegre quando avistaram Serena do outro lado da rua, carregando uma considerável quantidade de filmes. Serena parou na calçada, esperando o sinal fechar, mas ao deparar-se com os dois do outro lado, simplesmente virou-se, saiu correndo em direção contrária e sumiu em uma esquina qualquer.

Lyene e Takeo se olharam:

– Será que ela se lembrou de alguma coisa? – Perguntou Lyene de maneira grave.

– Não creio. Penso que ela correu de você pela última conversa que tiveram, no templo Hikawa. Aquilo foi bem pesado.

Lyene deu de ombros. Seguiram andando.


Serena parou encostada em um beco perto do Crown. Enquanto recuperava o fôlego, tentava colocar as idéias em ordem. Não sabia do que havia sido tomada quando avistou a figura de Lyene e Takeo. Uma angústia ácida subiu-lhe o esôfago e quase explodiu em lágrimas no seu rosto. A repulsa pela figura de Lyene e por todo aquele sentimento obrigou-a correr, como se o fizesse quase de si própria. Talvez o fizera... Não entendia porque passou a sofrer tanto com a presença dela, especialmente depois da conversa no templo da Rei. No entanto, aquele sentimento de vazio insistia em expandir-se em universo dentro do seu peito. E ficava mais difícil controlá-lo na presença daquela menina... Suspirou... Que raio de sentimentos eram esses que brotavam associados à figura de Lyene? O mais perto de raiva que já sentira foi a raiva do próprio Darien em tempos passados, mas que não passava, no final das contas, de uma máscara do amor que sentia por ele. E era uma raiva tão inofensiva... Com relação à Lyene, o sentimento era agressivo, machucava-lhe e não lhe dava paz... Sentiu as lágrimas molharem o rosto e vacilarem o chão sob seus pés até que, em um determinado momento, não conseguia ver mais nada do beco onde se escondera, senão que visualizava claramente o piso translúcido do Palácio de Cristal...


(FLASHBACK)


Era noite. No palácio acontecia uma daquelas infinitas festas dada por Serenity. Serena se via, juntamente com sua mãe, recebendo os convidados e sentia-se inquieta enquanto tentava se controlar e manter a postura de anfitriã que lhe era exigida. Entretanto, não via a hora de ir embora dali, sentindo seu coração acelerar-se mal antecipando os pensamentos de um iminente encontro clandestino.

Quando todos os convidados chegaram, finalmente, ela pediu licença e se retirou. Saiu do palácio caminhando cuidadosamente porque nenhum dos guardas podia vê-la. Tudo graças à maldita Lyene. Ela havia deixado uma ordem expressa de que era para acabar com qualquer pessoa estranha que chegasse ao Milênio e que era para ser avisada sobre qualquer passo duvidoso de Serena. A suspeita dela sobre um espião havia se tornado uma loucura, uma obsessão paranoica, nem sequer acompanhada pela rainha, que cuidava daquele reino mais que qualquer um.

Avistou a figura desejada perto do lago. Sua capa balançava ao vento, enquanto ele permanecia sentado à margem do rio. Tudo exatamente como haviam combinado. Seu coração correu à sua frente e ela não fazia mais que acompanhá-lo...

Tocou o ombro do sujeito. Sua capa caiu e a figura revelada era a de Lyene. Arregalou os olhos. Por um momento tudo explodiu à sua volta. Lyene sorriu triunfante, levantou o dedo indicador pedindo um minuto e desdobrou um papelote que tirava do bolso do uniforme:


A princesa está triste... Que terá a princesa?

Os suspiros lhe escapam em sua boca framboesa

que perdeu o sorriso, que perdeu a cor

A princesa está pálida na cadeira de ouro

está mudo o teclado do seu cravo sonoro

e em um vaso olvidada se desmaia uma flor


A face pálida de Serena era gradativamente colorida pelo sangue em fúria:

– O que você fez com ele???

Lyene voltou-lhe os olhos em tremenda arrogância, tornando a colocá-los sobre o papelote que trazia:


Pensa por acaso no príncipe de Golconda ou da China

ou naquele que deteve sua carroça argentina

para ver de seus olhos a doçura da luz?

(...)


– Eu não posso acreditar que isso está acontecendo comigo...

– Ai! A pobre princesa de boca de rosa

quer ser andorinha, quer ser mariposa

ter asas ligeiras, debaixo do céu a voar

(...)

As lágrimas rolavam pelo rosto de Serena em um desespero solitário e sufocante:

– Por favor, diga-me somente se ele está bem...

Desta vez, Lyene nem sequer desviou os olhos do que lia:

– Olha como esta última parte serve-lhe como os vestidos que almejas:


Já não quer o palácio nem a roca de prata

nem o falcão encantado nem o bufão escarlate

nem os cisnes unânimes no lago de azur.” *

(...)

Terminado de ler, ela tornou a dobrar o papelote e volta-lo para o bolso de seu uniforme. Levantou-se e aproximou-se em demasia de Serena, quase colando o rosto dela ao seu:

– Que triste, não, alteza? Ah, mas se não entendeste a mensagem do rapsodo terráqueo a quem pertence os versos lidos, devo dizer-lhe que diferentemente da senhorita, que só faz o que não deve, eu tenho obrigações. E cumpro com meu dever com muito prazer. Eu não me coloco acima das pessoas.

– Não me estou colocando acima de ninguém!

Os olhos de Lyene faiscaram em gelada fúria:

– Não? Você sabe as obrigações de uma futura rainha da Lua?

Não esperou que Serena respondesse, deu de ombros e saiu.


(FIM DO FLAHSBACK)


Serena permanecia de cabeça baixa, com a respiração ofegante, quando sentiu uma presença próxima a si. Suas pernas bambearam e ela desequilibrou-se, deixando todos os filmes que segurava caírem no chão. Ao olhar para o lado, viu Darien com o semblante torcido. Seus olhos se iluminaram:

– Darien! – Ela gritou jogando-se em cima dele, afogando-se na sua presença.



Pois eu não posso retirar nada do que eu disse... – Continuou Lyene em desdém – Mas e aquela quantidade absurda de filmes que ela levava?

Takeo virou as mãos, arqueando os braços numa expressão interrogativa:

– Sua irmã nunca bateu bem da cabeça, Lyene, e aqui na Terra, menos.

Lyene meneou a cabeça numa negativa:

– Por que você tem que ficar falando essas coisas? Ainda mais nesta vida, eu não tenho nada a ver com ela. Recorde que...

– ... a rainha da lua só pode ter uma criança, bla bla bla. Já sei, Lyene, então retiro o que eu disse, já que EU posso, certo? – Disse em tom debochado.

– Comandante Lyene pra você, palhaço. Você parece caído daquele circo ridículo, que Serenity proibiu de se apresentar no Milênio uma vez.

– O quê? O dead Moon Circus? Por amor à Rainha! Não seja tão cruel comigo, comandante – enfatizou bem esta palavra –, sou um mero soldado, não uma bizarrice insana, como as figuras daquele circo. E a senhorita bem se lembra que Serenity tinha toda razão em expulsá-los, porque o único motivo de sua apresentação era distrair os selenitas pra roubar o cristal de prata.

Lyene suspirou:

– Sim, a grande novidade das motivações dos inimigos... E não me chama de comandante!

Takeo riu, partindo para cima dela, de forma a tentar abraçá-la, mas ela fugiu dele, deslizando-se para trás, e ele terminou abraçado a um poste. Ela balançou a cabeça em negativa enquanto ele permanecia com o nariz encostado no concreto, mirando fixamente um cartaz pegado ali.

– Acabei de descobrir a motivação de Serena em levar todos aqueles filmes – disse ele ainda da mesma maneira.

Lyene aproximou-se, empurrou Takeo pelos ombros, que saiu deslizando com o nariz ainda pegado ao poste, e leu o que estava escrito. Tratava-se de um concurso cujo premio era a participação em um clipe do pianista Yusuke Amade**, que lançava seu novo disco. O concurso era promovido por uma locadora de Juuban, que acabara de inaugurar, e quem encontrasse o filme premiado, em que foi inserida uma música do pianista, seria o(a) selecionado(a) para encenar no clipe.

Lyene tinha o semblante contraído, enquanto tentava organizar as idéias.

– Não sinto nada de bom vindo daí – disse Takeo que já havia retomado a postura.

– Você tem razão. E isso não faz o menor sentido. Esse endereço não é aqui perto, mais adiante? Ali sempre teve um galpão horrível, abandonado. Isso não pode ter se tornado uma locadora de um dia para o outro.

– Então, só nos resta averiguar – ele disse sorridente.

Lyene assentiu e seguiram caminhando.


O que aconteceu, Serena? Por que você está aqui? – Perguntou Darien, enquanto acariciava seus cabelos, de maneira a alcamá-la.

Serena soluçava em seus braços:

– Eu só... Eu só estou triste, eu acho – disse apertando-o contra si, sentia-se sem forças para contar o que se desvendara em sua cabeça.

Darien retribuiu o abraço, segurando-a com força, porém bastante preocupado. Nunca vira o brilho da namorada tão débil. Pensava no que poderia ter ocorrido, quando viu Lyene e Takeo passando, distraídos, do outro lado da rua. Serena parecia mais calma em seus braços. Ele, então, separou-se dela, já com algumas suspeitas sobre o que acontecera:

– Lyene te ofendeu outra vez? Vocês se encontraram pelo caminho?

Ela balançou a cabeça de um lado a outro:

– Não, não... Eu não sei o que me deu... Mas que bom que você me encontrou.

Darien encostou-se na parede:

– Pude te escutar agonizando dentro da minha cabeça... – Disse com um sorriso triste.

Ela sorriu:

– Eu sei que você é mesmo meu príncipe.

Ela enlaçou-o pela cintura. Ele segurou seu rosto e beijaram-se.

– Vamos ao Crown pra conversarmos um pouco sobre essa tristeza e comer alguma coisa. O que você acha? – Perguntou ele.

Ela abaixou a cabeça:

– Se Lyene estiver por lá você me promete que não me deixa pra ir falar com ela?

Darien arqueou as sobrancelhas:

– Nos escondemos dela, como nos velhos tempos, o que te parece?

Serena não entendeu muito bem a parte tocante aos “velhos tempos”, ainda que lhe fizesse sentido, todavia a parte de ‘’esconder-se’’ parecia-lhe mais do que satisfatória. Abriu um largo sorriso em concordância com a proposta do namorado e, depois que ele apanhou tudo o que ela deixara cair no chão, seguiram em direção ao fliperama. Darien sorria satisfeito vendo Serena recuperar a cor original. Não se importava em ter que carregar aquelas coisas que nem sequer entendia.


Lyene e Takeo assustaram-se ao chegar ao local. Daquele armazém velho, uma multidão entrava e saía com uma quantidade incomum de filmes. O letreiro em um neon escandaloso piscava “Juuban New Blockbuster”. Lyene assentiu vagarosamente com a cabeça, tentando digerir aquilo tudo.

– Pressinto algo maligno.

Os dois viraram-se buscando de onde vinha o som daquela voz. Se tratava de Rei que chegava junto com Lita e Mina.

– Nós também – disse Takeo que parava junto à Lita para cumprimentá-la, beijando-lhe a mão.

Lyene olhou-o de forma aguda, por irritada.

– Ah, sério que é algo maligno? Vim aqui só para alugar um filme e tentar fazer parte do clipe... – Disse Mina derretendo-se para o lado de Lita.

– Ah, e eu queria tanto conhecer o Yusuke Amade... As mãos dele são iguais às de alguém que partiu meu coração...

As meninas ficaram com uma gota na cabeça. Takeo colocou a mão na cintura:

– Não era eu que parecia seu antigo amor?

Lyene escondeu o rosto com uma das mãos. Voltou a olhá-los:

– Certo, certo, focando de novo no assunto principal: Mina, precisamos saber quem está por trás disso. Eu tenho um plano e tentar esse sorteio é parte dele, então se houver alguma coisa de verdadeiro nisso vocês podem tentar.

– É verdade – disse Takeo –.Eu acharei o filme premiado para você, Mina – Deu-lhe uma piscadela, deixando-a corada e Lita com uma gota na cabeça.

– Ah, obrigada!

Lyene deu de ombros, mal conseguia esconder a irritação que sentia por Takeo estar agindo como um idiota:

– Então é bom chamarmos as demais meninas, se você desconfia de algo – disse Lita abrindo o comunicador.

– Sim, você pode chamá-las, Lita, mas também podemos ir adiantando alguma coisa enquanto elas não chegam.

– Me parece sensato – disse Rei, séria – Mas não se esqueça de uma coisa, Lyene, abrimos aqui uma pequena trégua, mas a senhorita nos deve explicações. E esperamos ter essa conversa em breve.

Lyene olhou-a por cima dos ombros:

– Pois eu não tenho nada a esconder, Sailor Mars.

– É bom mesmo que não tenha.

Lyene passou à frente de todos e caminhou em direção à entrada. Takeo correu para junto dela, e ela permaneceu em silêncio, como se não notasse a presença dele.

Entraram, seguidos pelas garotas poucos segundos depois.

Olharam em volta boquiabertos. A locadora era imensamente grande e estava perfeitamente organizada. Havia vários lançamentos de vários países em uma prateleira extensa ao lado do balcão, uma outra igualmente extensa com as recomendações de filmes pela locadora e os demais estavam divididos por gêneros, esparramados em estantes cujo design curvo parecia desenhado para o lugar.

Lyene colocou a mão no queixo e virou-se para Takeo, que havia se distanciado um pouco, mas que voltava para perto dela:

– Impossível que tenhamos semelhante estrutura sem a mais mínima atividade ''pré-inauguração''. Eu passo por aqui todo dia, Takeo.

– Passamos, princesa, passamos.

Lyene olhou-o com os olhos semicerrados:

– Vai haver um dia na minha existência na Terra em que você não me chamará de princesa? Imagina se alguma das meninas escuta?

– Desculpa... Mas eu te chamo de princesa não pelo seu antigo título, mas porque você me parece linda.

Nesse momento Mina aproximou-se, pedindo licença a Lyene, perguntando Takeo se ele achava que o filme em suas mãos podia ser o filme premiado, a que ele atendeu muito solícito.

Lyene olhou-o com os olhos entreabertos... Que raio de raiva inexplicável era essa... A figura dele chegava-lhe porosa às vistas e sua voz patinava desgovernadamente em sua cabeça. Queria sumir se pudesse, se o dever não lhe intimasse a estar ali. Descobrir o mandante da Negaforça, ou do que havia sobrado dela depois da batalha com Serena, era o mais importante de tudo. Depois talvez seguisse sua situação... Não, depois seria encontrar Mihara, e em seguida viria tantas coisas até chegar no que realmente estava acontecendo ali... Mas o que estava acontecendo ali?

Sacudiu a cabeça. Pensara tudo isso em meio segundo, talvez. Percebeu o olhar de Takeo acariciando-lhe a pele por sobre os ombros de Mina, mirou-o e ele devolveu-lhe a mesma piscadela ridícula que deu à menina loira, na entrada.Ergueu o queixo em um aspecto arrogante, virou-se nos calcanhares e tentou passar outra vista na locadora, a fim de encontrar qualquer pista, no entanto, não conseguia enxergar nada. Maldito...


(continua...)



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Notas finais do capítulo

* É um poema do Ruben Darío chamado 'Sonatina': Félix Rubén García Sarmiento, conhecido como Rubén Darío (Metapa, hoje Ciudad Darío, Matagalpa, 18 de janeiro de 1867 - León, 6 de fevereiro de 1916), foi um poeta nicaragüense, iniciador e máximo representanto do Modernismo literário em língua espanhola. É possivelmente o poeta que tem tido uma maior e mais duradoura influência na poesia do século XX no âmbito hispânico. É chamado de príncipe de las letras castellanas --> Na verdade eu coloquei porque achei que combina demais hehe. Esse poema, se não me engano data de 1890. Eu sei que é anacrônico, mas combinou tanto...
Deixo o link para quem quiser ler o poema inteiro: http://www.poemas-del-alma.com/sonatina.htm
** Yusuke Amade: Um pianista que participa do episódio 06 da série classic.