Passos. Os sons repercutiam pelas paredes, trazendo os ecos de uma marcha sem fim. Faltava pouco. Eu sentia. A cada passo que eu dava estava mais perto. Mais Perto do fim. O fim da guerra. E ele estava próximo. Meu lado finalmente agora tinha uma chance. Não o lado contra os humanos, mas sim o lado com estes e contra a crueldade e tirania que os anjos tão bem escondiam. Lilian estava perto. Eu estava certa de que havíamos nos deslocado apenas alguns 500 km e com 5 dias que ela tivesse chegado lá, nos encontraria, dando-nos uma margem de 8 a 10 dias.

Ele me lançava olhares desconfortáveis. Tanto para mim quanto para ele. Eu sentia seus olhos queimando sobre mim, me acusando.

Ninguém ali usava muitos agasalhos. Pode parecer estranho, em primeira vista, mas a erva nos proporcionava calor suficiente. Respirei fundo. Apesar dela, cada passo que eu dava parecia uma tortura, meus ossos pareciam não querer se movimentar, as pernas rígidas como duas pedras de gelo.

Deveria estar acostumada com lugares fechados e abafados. Mas não. Ainda os odeio e o frio apenas piorava a situação. Me fazia lembrar de que definitivamente não estava em casa e me fazia sentir o quanto queria estar lá. Fechei os olhos, lembrando de meus dias no balanço junto com meu irmão Gabriel.

“”Minha mãe cozinhava lá dentro e meu pai estava na cozinha conversando com ela. De repente ele sai e nos vê, eu e meu irmão, alegres. Ele sorri. Como sentia falta de seu sorriso. Ele entra e o vejo conversando com minha mãe, que passa a nos observar da janela. Felizes tempos aqueles. Felizes e distantes.”

Balancei levemente a cabeça em um não para mim mesma. Era melhor não lembrar. Me espreguicei com força, meus ossos ainda doíam. Tudo doía.

De repente um grito. É um dos homens. Velho e imundo, ralos cabelos pretos sob uma toca de lã com cores e padrões que sugeriam que ele era peruano. Apenas dois dentes restavam em sua boca e a barba grisalha estava por fazer. Mas isso não era o importante e sim para onde ele apontava.

Logo mais à frente, apenas um quilômetro em linha reta, podíamos distinguir uma luz. Todos sabíamos o que significava.

O grito do velho foi o bastante para desencadear uma reação já esperada. Todos simplesmente ajeitaram seus pertences e puseram-se a correr. Passos fortes e altos como os de  uma manada de búfalos, era o que parecíamos. Sim, eu estava junto deles. A cada passo me sentia mais perto de sair daquele lugar claustrofóbico. Mal podia esperar para ver. A Capital.

Esse um quilômetro foi percorrido em não mais do que 5 minutos. E então, mais uma vez, fui atingida por uma luz que minhas pupilas não haviam se acostumado para captar. Mas logo se ajustaram e eu pude ver.

Pude ver o quanto estive enganada. Pois nestes 5 dias de viagem, havíamos percorrido mais do que eu jamais esperara.

Estávamos em Path, a cidade subterrânea de Toronto. Coberta de gelo.

Era mais frio ali do que qualquer outro lugar no qual eu já estivesse estado em toda minha vida. Mais não era isso o mais importante. E sim o fato de que eu estava a milhares de quilômetros de onde deveria estar. E Lilian logo estaria também. Ela iria para o local errado.

Com a velha pena que me restava, ditei algo de poucas letras, poucas letras essas que poderiam determinar o fim da guerra. Apenas:

“Não. É Path. Estava errada.”

Fora o bastante. Mas foi na hora, na hora de transformar as palavras em cinzas que viajariam até onde ela estivesse, que os passos se aproximaram e os grandes olhos cinzentos arregalados pousaram em mim.

“Eu fora pega.”