Postumamente escrita por Tiuni-Chan


Capítulo 1
Postumamente




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... Eis que estou aqui, e mesmo que hesitando se deveria abrir essas memórias pelos fatos, vou cotar-lhe com a inusitada visão de quem já passou para o outro lado...


– Epa! – Ralhou uma formosa mulher. Olhos oblíquos de cigana dissimulada. Vinha a passos firmes, elegantes, mesmo com todos os turrões de enxofre lhe obstruindo o caminho. Quase uma miragem em meio a um horror infernal.


– Se você se esqueceu, vim lembra-lo que não é mais o único “autor póstumo” presente aqui.


Capitu olhou para o senhor miséria que parou resignado de digitar em sua máquina de escrever.


– Tenho que relatar também o que aconteceu com Bentinho e onde ele foi parar com toda aquela esquisitice.


– Já temos relatos , cara Capitu.


Sem considerar as palavras do falecido Brás Cubas, Capitu aproximou-se, pensou por um breve instante e desatinou a falar de sua vida, pousando seus olhos persuasivos e charme indutor no autor defunto.



– Está bem, minha cara. - Deixou-se vencer o ex-nobre. – Vamos contar suas memórias também.


– Minhas memórias póstumas não, as memórias que deixei agora que sou “póstuma”. – Ressaltou ela.


– Que seja. – E folheando algumas páginas já escritas, Capitu e Brás Cubas mergulharam em uma vida cotidiana muito mais realista do que inferno em que eles se encontravam.


***

Úmido, melecado, sujo, áspero... Qualquer outro adjetivo semelhante só contribuiria para deixar a lista de repugnância mentalmente feita por Bentinho ainda mais completa.


Andando, curvo, por entre aqueles varais, aquelas lavadeiras e aqueles animais, Bento delirava mergulhado em seus devaneios. Se lhe perguntassem o que estava fazendo ali, duvidavam que ele saberia responder. Pensava em Capitu, coitada, perdida naquele meio.


Coitada? Coitada nada! Aquela mulher... Estaria ali novamente com seu amigo tratando de encomendar um novo filho para logo depois dizer que era dele... Ah, ele a acharia!


Capitu... Capitu...


Ali estava ela, radiante como sempre. Bentinho aproximou-se da mulher que vinha. Alcançando-a, agarrou-lhe os braços, dirigindo seus olhos trêmulos para os dela e a sacudidas acusou:


– Sabia que você estava aqui, Capitu!


– Solte-me seu maluco. Será que neste lugar só tem louco?- Berrava a mulher. – Não sou Capitu!

***

– Ela não é Capitu, Bentinho! – Gritou a própria Capitu ao acabar de escrever as ultimas palavras. Eu estou morta.


– Todos aqui estão mortos, minha cara. – Ressaltou Brás Cubas ao seu lado. – Afinal, é graças a isso que podemos saber como estão as coisas lá em cima.


Capitu ajeitou os cachos e voltou a olhar para Brás concentrando-se em dizer-lhe algo que sabia não o agradar:


– Fiquei sabendo que em breve teremos mais um escritor para compor o time.


– Esse inferno está virando palhaçada? Esse posto era exclusivamente meu. – Objetivou Brás.


– Nos conformemos. Mas... Afinal, quem é aquela mulher mesmo? Se não me engano é de sua história de vida.


– Vigília, minha cara. – Disse Brás com certo tom de encantamento. – E licença, pois eis que agora é minha vez de contar-lhe o outro lado do natural mundo em que deixamos.


***


Vírgilia apressou-se em sair de perto daquele ressentido homem curvo. Como se já não bastasse ter caído em plena decadência, ainda ter que lhe dar com outros nobres frustrados e arruinados. Bastasse! Tinha que bastar... Mas não era o que parecia, já que uma trouxa de roupa a esperava.


– Maldito realismo! Custava mandar algum nobre romântico para me idealizar? – Pensou Vírgilia em voz alta.


Amargurada com sua situação, criou coragem e seguiu sua sina. Senão fosse um homem rude a lhe atrapalhar o caminho. Este a mirou de cima a baixo com o pior dos olhos famintos.


– Ei, formosa. – Cantou-lhe o indivíduo.


“ Não era este o cavalheiro romântico que pensei que me enviaria, céus... Não poderia ser algo menos natural ?”


Mesmo resignada, Virgília deixou-se ser conduzida. Quanto as trouxas de roupa a lavar... Sabe-se lá o capeta o que seria feito com elas.


***

– Em falar no capeta – Lamentou-se Capitu, olhando desanimada para as duas criaturas que invadiam o ambiente.


Uma criatura vermelha e estressada, carregando com si um homem jovem, negro, mas com traços europeus estampados em sua face.


– O que eu estou fazendo aqui?- Choramingou Raimundo. – Eu não pequei, não fiz nada. Muito pelo contrário, fui a vitima de minha história.


– Ninguém mandou mexer com padre. – Suspirou o capeta. - E pior, não deixou nada para a igreja. Deu no que deu: inferno.


– Isso não é real, não é real. – Desesperou-se Raimundo.


– Trate de se conformar e ajude esses mortos a terminarem logo esse livro. Quero ainda para hoje.


Brás Cubas suspirou; mais um para se intrometer na sua narração. Raimundo aproximou-se e junto aos dois mais, Raimundo olhou as folhas.


– Epa, esse é o José Dias. – Comentou Raimundo. – Aquele imundo que roubou Ana Rosa...


E com desgosto na cabeça, Raimundo tipografou algumas palavras.



***


A batida era envolvente. Dançante... E aquela que um dia roubou o primeiro beijo de Brás, mostrava a perna já bem treinada que conquistava os homens de todos os tipos.


Serviço terminado, Marcela pegou sua bolsa. Baton provocante e saia curtíssima, atraia atenções.


Dessa vez não foi diferente, alguém, vinha falar com ela. Uma mulher ? Não era essa a atenção que queria receber, ainda mais acompanhada com berros e provocações.


– Você seduziu meu José Dias. – Berrou Ana Rosa. – Você fez meu marido me trocar.


– Não tenho culpa se você não sabe segurar seu marido. – Urrou Marcela.


E as suas, em meio a enxurrada de ofensas se envolveram em agressões físicas, sendo interrompidas apenas pela opinião afiada de Bentinho que sorrateiramente havia chegado.


– São todos iguais, todos adúlteros... – Fez questão de frisar o Dom Casmurro, refletindo consigo. – O Adultério vai dominar o mundo.


E saiu em sua andança, sem rumo e sem emoção, deixando duas mulheres, outrora revoltadas, agora perplexas.


***


– Devo dizer, Sr. Brás Cubas. Que este quando morrer, roubará sem dificuldades seu cargo nobre de autor difundo. – Desdenhou Capitu. – Digno de fracassados.


– Como ousa? – Sobressaltou-se Brás.


A julgar a continuidade daquela briga sem sentido, Raimundo tomou o lugar de escritor e digitou mais algumas palavras. Considerou a obra por um instante e atrapalhando a discussão, perguntou:


– E então, temos mais alguma novidade do que sobrou de lá de cima a acrescentar?


– Além do fracasso total?- Perguntou Capitu, concertando-se.


– No fim, todos acabaram como eu. – Admitiu Brás. – Falidos, amargurados... Não importa se vivos ou mortos.


Todos assentiram e juntaram as páginas escritas. Já poderiam entregar os relatos para o coisa ruim. Se é que tinha algo pior que ser a decadência da elite brasileira.


Após a entrega do material, os três finados autores, olhando para o ambiente de fogo e enxofre, lamentaram em coro:


– Quem sabe com a modernidade, essa realidade não muda?


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Notas finais do capítulo

Bom, esta fanfic, como disse anteriormente, foi parte de um trabalho escolar, proposta pelo Professor Pedro Anselmo.
Prof., caso você a ache aqui, ela não foi copiada da internet,aqui é Paula. Foi eu mesmo que fiz. rs
Pode ter ficado confusa, ou legal, mas pelo menos ganhei meus pontos da parte escrita.
Gostaram?
Falem.
E para quem gosta de explorar um pouco mais o mundo do Sr. Cubas e suas memórias pótumas, indico um vídeo baseado na obra, também realizado devido a trabalho escolares ( Roteiro e Edição, também por mim). Essência x Aparência: http://www.youtube.com/watch?v=DTDPygdo4o0
Também, um conto baseado em um dos sonetos de Augusto dos Anjos; Idealismo. https://www.fanfiction.com.br/historia/193716/Idealismo