Changed escrita por Shiroyuki


Capítulo 3
Capítulo 3 - Confie em mim


Notas iniciais do capítulo

Eu sou seu irmãozinho. Onee-chan, você deveria confiar mais em mim.



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— Ei, Utau! Anda logo! Você vai mofar aí dentro! – o garoto gritava, enquanto batia sem forças na porta de madeira. Fazer isso havia se tornado parte da rotina, que ele continuava a repetir apenas pela força do hábito. Não houve resposta do outro lado, apenas o barulho de água corrente e um palavrão resmungado bem baixo.

Kukkai já estava prestes a aceitar a derrota por desistência, quando ouviu o barulho da porta da entrada se abrindo. Por esse lado, era bom ter uma casa antiga repleta de personalidade e sinais únicos. É claro que as baratas do porão seriam dispensáveis.

— Eles chegaram! – Kukkai gritou, recomeçando o ciclo de batidas e socos na porta – Venha rápido Utau – ele levantou ainda mais a voz, ao notar as figuras que subiam as escadas – Tem algo que eu quero mostrar...

A porta abriu-se com um estrondo — Escuta aqui, garoto – ela começou a berrar ensandecida, vestindo apenas uma toalha molhada ao redor do corpo, com seus cabelos presos em um coque alto e as pontas úmidas. Segurava em uma das mãos uma pequena pinça, e era evidente a diferença de tamanho entre as duas sobrancelhas – Será que dá pra parar de fazer escândalo na porta do meu banheiro ou eu vou ter que te denunciar por perturbação da ordem pública- Sua frase foi interrompida na metade, quando ela finalmente notou os cinco pares de olhos que a fitavam num misto de surpresa, confusão e… uma terceira coisa que ela preferia não identificar. O par de olhos verdes mais próximos ela conhecia, mas quanto aos outros…

— O-o-o-o q-q-q-que… q-quem são esses? – gaguejou com a voz trêmula, tentando esconder o máximo possível do corpo com os braços.

—Esses são os meus irmãos, que vieram para uma visita – Kukkai comentou alegremente – Vou apresentar a você. Este é o Kadou, o mais velho – ele apontou para o maior deles, que tinha um olhar um pouco amedrontador, que se ampliava com a barba por fazer, os cabelos desarrumados e um cigarro na boca. Era quem mais se parecia com Tohru-san - Este é o segundo, Shuushi – indicou o homem de cabelos negros alinhados e óculos espessos, com ar de intelectualidade, que acenou brevemente quando foi citado – O terceiro, Unkai – era o homem de cabelos mais claros, na altura dos ombros, e presos parcialmente no topo da cabeça. Seu ar de divertida curiosidade lembrava muito Kukkai – E o quarto, Rento – o homem que parecia ter apenas mais alguns anos do que Kukkai piscou um olho de forma sedutora, balançando os sedosos cabelos que cobriam parte dos olhos.

— É… um prazer – Utau murmurou, olhando para o chão. Aquela não era a forma mais corriqueira de conhecer pessoas novas, e ela queria poder sair correndo e nunca mais voltar, mas agora não havia outra maneira. Seu corpo todo pingava, deixando no piso uma pequena poça que aumentava cada vez mais.

— É muito bom finalmente conhecer a nossa nova irmãzinha – Rento aproximou-se, sorrindo galantemente.

— Sim, seja bem vinda a nossa família – Unkai bradou, abrindo os braços.

Shuushi acenou com a cabeça, ajeitando os óculos com o indicador, e Kadou colocou a mão sobre a cabeça de Utau, bagunçando seu cabelo.

— Você não quer vir com a gente? Vamos tomar sorvete! – Kukkai convidou.

— E você quer que eu vá assim? – Utau indagou ríspida e ironicamente, entrando no quarto e fechando a porta com força desnecessária – Eu vou! Espera aí!

— Ela é bem engraçada, não é? – Kukkai riu, logo após que o barulho do secador de cabelo soou do lado de dentro da porta.

Os quatro se entreolharam, com certa convicção, como se tivessem entendido algo que permanecia implícito até agora.

— É, ela é sim. – Shuushi comentou, fitando Kukkai com um sorriso enigmático.

-

Utau caminhava atrás de todos, sentindo-se um pouco desconfortável. Sentia os olhares das pessoas queimando suas costas. Aqueles Souma eram tão barulhentos e escandalosos!

Kadou segurava Kukkai pelo pescoço, esfregando o cabelo dele com tanta força que quase era possível ver fumaça saindo. Shuushi discursava algo sobre a história da cidade, e obrigava Unkai a ouvi-lo, sendo que esse apenas chutava latinhas enquanto praguejava baixinho. Rento conversava com cada garota que passasse, alheio a todo o resto.

Por sorte, ela havia colocado uma boina na cabeça e óculos escuros. Se fosse para ser vista com essa gente, era melhor não ser reconhecida mais tarde.

— Agora nós vamos até lá – Kadou apontou para um bar do outro lado da rua – Vocês, crianças, vão brincar ali no parquinho e deixem os adultos se divertirem – ordenou, afagando a cabeça de Utau por cima da boina xadrez.

— Ah, mas eu quero ir junto – Kukkai reclamou, impelindo-se a ir em frente. Unkai segurou-o pela cabeça, sorrindo triunfante.

— Você não tem idade pra beber, irmãozinho!

—Sim, e mesmo que tivesse, é melhor você ficar cuidando da garota, certo? – Rento falou, abraçando Kukkai pelo pescoço. Sussurrou mais alguma coisa no ouvido do garoto, que o fez corar furiosamente, com os olhos arregalados, e empurrar o irmão para longe.

— Vão passear, OK? – Kadou anunciou, entrando no estabelecimento.

— Hunf… tanto faz… - Ele resmungou, cruzando os braços. Atravessou a rua, até o parque que Kadou havia indicado anteriormente com Utau no seu encalço, e os outros entraram no bar.

O garoto sentou embaixo de uma árvore, enquanto Utau se acomodava no banco de madeira ao lado.

— Esses seus irmãos… eles são sempre assim? – Utau tentou iniciar um assunto.

— Na maior parte do tempo. – Kukkai disse, apoiando a cabeça em cima dos dois braços – Eu tinha me esquecido o quanto eles podiam ser irritantes. Acho que foi por causa disso que eu vim morar com meu pai e não fiquei com eles.

— Eu achei eles legais… Eu sempre imaginei que seria interessante ter uma família tão grande! Quando era criança, eu queria ter muitos irmãos, mas Ikuto vivia repetindo que só ele bastava.

— Ikuto? – Kukkai indagou curioso, erguendo um pouco a cabeça para fitar Utau.

— Bem, ele é meu irmão mais velho… você não o conhece ainda, não é? Mamãe disse que ele virá quando tiver tempo, para nos visitar.

— Você gosta muito dele, não é? – ele comentou casualmente, levantando os olhos para a copa da árvore.

— Por que diz isso? – Utau indagou, surpresa.

— Sei lá… a maneira que você fala dele, acho. – disse contrariado, cerrando os olhos.

— Não tem importância – Utau sibilou, assustada com o fato de Kukkai conseguir decifrá-la tão bem – eu vou procurar algo pra fazer – bradou, levantando do banco em um salto e começando a andar para longe. Kukkai fez menção de tentar impedi-la, mas o fato é que ele não via argumentos coerentes que não parecessem patéticos naquele instante.

Ela já estava alguns metros à frente, mas antes que se afastasse mais, uma lufada de vento forçou-a a parar. O vento assobiou, e sem pedir licença, levou para longe o chapéu que Utau usava.

A boina girou no ar, e foi levada para trás, fora do alcance dos braços que a garota balançava freneticamente no alto, tentando em vão pegá-la de volta.  Seguiu o caminho acima da cabeça de Utau, e acabou na copa da árvore onde Kukkai estava. Inacreditável…

Sentindo seu orgulho ferido, Utau se aproximou. Pigarreou, chamando a atenção do garoto, que mal podia conter o sorriso irônico.

— Com licença. – ela pediu, com os olhos fixos no espaço entre a cabeça de Kukkai e o céu ao fundo – eu preciso subir nessa árvore.

— Eu posso subir para você se quiser. – ele se ofereceu, esperando pela reação da garota.

— Não. Eu posso fazer sozinha. – ela disse com altivez, cruzando os braços.

— Eu não posso acreditar que a grande Tsukiyomi Utau sabe subir em árvores.

— Bom, acho que agora é Souma Utau. E de qualquer forma, eu subo em árvores antes mesmo de aprender a andar. Agora, apresse-se e saia já do chão, eu preciso subir.

— Ninguém está te impedindo, é só escalar – Kukkai indicou os galhos com as mãos, como a garota do comercial de sabão em pó.

— Eu estou de saia, e quem sabe o que você é capaz de fazer aí embaixo. Eu quero você bem longe daqui! – Utau argumentou, segurando com força a barra do vestido branco que usava.

— Eu sou seu irmãozinho, Onee-chan, você deveria confiar mais em mim. – Kukkai sorriu travesso, parecendo por um momento mais velho do que realmente era. Lembrou ligeiramente Ikuto.

Utau mostrou a língua, na falta de um comentário ácido o bastante para a ocasião, e avançou contra Kukkai. Colocou o pé no ombro dele, e usando-o como escada, deu um impulso, indo parar em cima do galho. Ignorou a interjeição de dor que ele deixou escapar. Depois de puxar a saia para cobrir a perna, encarou a boina com furor. Era tudo culpa dela!

Arrastou-se em cima do galho, como uma lagarta, com o braço esticado para frente. Lentamente, se aproximava do alvo. Seus dedos já tocavam no tecido do chapéu, quando o galho em que ele estava foi subitamente puxado para baixo. Kukkai segurava a outra ponta, com um sorriso aberto no rosto e a boina em mãos.

— Idiota! Eu tava quase…!

— Quase caindo você quer dizer, certo? Mais um pouco e o galho não aguentaria esse seu peso.

— O que você está insinuando? – Utau fitou o garoto com os olhos perigosamente entreabertos.

— Nada, eu juro! Agora desce logo daí!

— Eu… - a terrível verdade colidiu estrondosamente no fundo da mente de Utau – Eu não consigo… – murmurou em voz soprada, segurando o galho com tanta força que os nós dos seus dedos ficavam brancos.

Kukkai a encarou atônito. Se ele risse agora iria apanhar muito?

— Certo – ele tentou enfrentar a situação com o máximo de maturidade possível – Você parece um gato! Eu tenho que chamar os bombeiros?!

— Imbecil!!!

— Não era você que subia em árvores desde pequena?

— Eu posso ter exagerado um pouquinho... E de qualquer forma, isso é tudo culpa sua, sua ameba!! ME TIRA DAQUI!!! – Utau berrava, com o sangue fervendo de raiva.

— Como pode ser culpa minha? Fui eu assoprei o seu chapéu até aqui? Fui eu que subi numa árvore e não consegui descer? Sou eu quem está mostrando a calcinha pro mundo nesse momento? Eu acho que não…

— OK, o que você quer para me tirar daqui? – Utau arriscou, no tom mais persuasivo possível.

— O seu travesseiro. E a carne do almoço de amanhã.

— Fechado! – concordou contrariada – Agora, o que eu faço?

— Pula.

— Eu não vou te dar a minha carne pra você me dizer o óbvio – ela rosnou.

— Pula que eu vou te segurar – Kukkai abriu os braços, bem embaixo do local onde Utau se retorcia.

— P-promete que não vai me deixar cair? – ela indagou, olhando pela primeira vez para o chão. Kukkai estava há metros de distância, e a grama verde parecia ameaçadora e dolorosa.

— Confia em mim – ele disse confiantemente, fazendo Utau sentir-se estranhamente segura – Agora vem!

Utau soltou as mãos aos poucos, sentindo suas pernas bambas petrificadas. Devagar, ela levantou do galho, apoiando o peso nos braços e nos joelhos. Seu corpo tremia por inteiro, mas ela podia ouvir a voz de Kukkai ecoando em sua mente. “Confia em mim”. Ela confiou.

De olhos fechados, ela soltou o galho. Sentiu o ar movimentando-se ao seu redor, e por um momento, seu corpo não estava ligado a lugar algum. Em seguida, seu corpo chocou-se a algo firme e quente, que vacilou, mas permaneceu de pé. Os braços de Kukkai seguraram a sua cintura, e ela circundou os seus no pescoço dele, escondendo o rosto na curva do ombro.

Percebendo as circunstâncias atuais, ela soltou Kukkai, empurrando-o para longe. Contemplando a paisagem ao longe, sem coragem para encará-lo, ela colocou os fios que estavam no rosto para trás da orelha.

— Obrigada – ela soprou, sem som algum.

— O que? – Kukkai perguntou, com a voz mais alta do que o necessário – Eu acho que não ouvi!!

— Eu não vou repetir! – gritou, irritando-se imediatamente com aquele garotinho prepotente. Ele não havia feito nada demais no fim das contas, não havia motivo para ela sentir-se abalada. Não! Tsukiyomi Utau não se abala com nada. Souma Utau também não.

— Espera! – Kukkai a impediu de continuar, segurando a mão dela entre as suas - Você se cortou – disse, alarmado.

Antes que Utau pudesse sequer protestar, ele levou o dedo cortado, que tinha um filete de sangue escorrendo, para perto do rosto. Utau arfou, quando percebeu o que ele pretendia fazer. Colocou o dedo ferido na boca, numa espécie de beijo. Utau sentiu um calor úmido tocar a ponta do seu dedo, e a respiração pesada e quente dele batendo no restante da mão. O sangue que não estava se esvaindo pelo dedo subiu para a sua face, deixando-a tão vermelha quanto o casaco que usava por cima do vestido.

Utau arrancou a mão do domínio de Kukkai, rispidamente. Seu rosto estava tão quente que ela sentia o couro cabeludo queimar.

— N-nunca mais me toque dessa maneira! – ela berrou, dando-lhe as costas.

— O que foi que eu fiz? – Kukkai indagou, sem entender – Ei, espera! Eu ainda posso ficar com o travesseiro, nee?


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Notas finais do capítulo

Aaah! Kukkai, onde estava você quando eu subia em árvores? '-'
Bem, os irmãos do Kukkai aparecem no capítulo 31 do mangá, e no xx do anime (eu não sei qual é -.-) então, eles não são invenção minha, ok?!
Espero que gostem desse capítulo, por que ele deu bastante trabalho pra ficar pronto n_n'
Reviews cairiam bem ;D