Changed escrita por Shiroyuki


Capítulo 1
Capítulo 1 - A primeira mudança à vista


Notas iniciais do capítulo

\" Você quer que eu finja que sou irmã disso?\"



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Pela janela, ela podia ver as árvores correndo como borrões, cortando o céu azul salpicado de branco. Olhou novamente para as nuvens, cansada de procurar formas nelas. Agora todas pareciam igualmente abstratas. Havia desistido de prestar atenção na paisagem da estrada quando notou que as casas e prédios davam lugar às plantações de arroz e campos descobertos. A mudança brusca a fazia sentir-se ainda pior.

Passou para a próxima música no Ipod, sentindo os ouvidos protestarem pelo incômodo que os fones causavam. Mesmo assim, ela não iria tirá-los, se isso significava ter que ouvir sua mãe falando melosamente com aquele homem, ou ter que iniciar alguma conversa com aquele garoto idiota sentado ao seu lado, que jogava no console de mão como se sua vida dependesse disso.

Colocou as pernas para cima do banco, apoiando o queixo na mão, com a testa colada no vidro gelado. Queria fechar os olhos, e esquecer toda essa piada que era sua vida.

Há poucos meses atrás, ela tinha algo que poderia ser considerado uma vida normal. Uma casa grande que causava inveja nas amigas, um cartão de crédito a sua disposição, um motorista sempre a postos, um irmão lindo e legal, um pai muito rico e uma mãe ex-modelo e famosa. Arrependia-se agora por não ter dado valor ao que possuía antes, mas já não havia mais solução.

Seu pai, Tsukiyomi Aruto, dono de uma das maiores empresas do Japão, descobriu que sua mãe, Souko, tinha um caso com o personal trainer, e a pôs para fora. O contrato de casamento especificava que ela não tinha direito a nada em caso de adultério, o que a fez pensar se seu pai já não previa esse tipo de situação desde o início. Souko foi expulsa, sem nada além da roupa do corpo, e agora está fugindo da imprensa com o amante, e o filho dele, para alguma cidade do interior para “recomeçar sua vida”.

— Não precisava ter me arrastado junto – Utau resmungou sem que ninguém a escutasse.

— Ei, Utau-chan! – sua mãe chamou, carinhosamente, virando-se para trás. Utau apenas levantou os olhos, indicando que estava prestando atenção – eu não disse para você antes, mas para onde vamos, não há nenhuma pessoa que nos conheça.

— Claro que não, não deve ter nem rádio à pilha nesse fim de mundo – Utau disse, sem olhar na direção de Souko - Qualquer lugar com sinal de TV te reconheceria, afinal, seu rosto apareceu em todos os canais, logo acima da legenda “ex-modelo adúltera foge de casa”.

— Não seja mal-humorada, minha querida – Souko pediu, com a voz transbordando compreensão – eu só fiz o que era melhor para você. Agora me escute. Nós vamos para uma cidade pequena, onde os valores são diferentes. E eu não quero que ninguém saiba o que ocorreu, certo? Para todos os efeitos, nós somos uma família feliz. E o Tohru-kun é seu pai de verdade – ela acrescentou, olhando docemente para o homem que dirigia – e também Kukkai-kun, é seu irmãozinho – ela acrescentou, indicando o garoto que jogava.

— Você quer que eu finja que sou irmã disso? - ela apontou para o garoto, que estava com a língua para fora e o console inclinado para o alto. Eles nem mesmo se pareciam fisicamente! Enquanto Utau tinha seus cabelos dourados e olhos cor da noite, Kukkai era castanho, com os olhos verdes vivos. Isso não importava realmente, já que ela também não era muito parecida com seu irmão de sangue, mas ao menos Ikuto tinha algum estilo…

A mãe acenou com a cabeça positivamente, sorrindo satisfeita. Não passava por sua mente a possibilidade de Utau estar odiando tudo o que acontecera nas últimas semanas, mesmo que esse ódio fosse tão evidente para qualquer um.

— Eu até já providenciei para mudarmos os seus documentos, logo que nos casarmos – a mãe falou, como se desse uma grande notícia.

— Eu vou me chamar Souma Utau? – ela indagou com aversão, arqueando a sobrancelha.

— Sim! Não é maravilhoso? – Souko comemorou, soltando um gritinho de animação que não condizia com sua idade.

— Maravilhoso. – Utau repetiu, imitando parcamente o tom animado da mãe.

— Estamos chegando – a voz grave de Tohru, o namorado de Souko e agora também era pai de Utau segundo as informações, anunciou, alheio à conversa entre mãe e filha.

Utau bufou, aumentando o volume da música, e afundou-se no banco do carro. Fitou mais uma vez com o canto dos olhos o garoto, que agora era seu irmão. Kukkai sorria extasiado para a tela do jogo, apertando os botões febrilmente. Ele não havia dito uma única palavra desde que se conheceram, naquela manhã, mas Utau já o odiava com todas as forças.

Não era possível nem mesmo notar a mudança de atmosfera ao adentrar na cidade, apenas algumas casas aqui e ali, e uma pessoa andando de bicicleta na encosta da estrada. Aos poucos, o número de casas e pessoas ia aumentando, mas não era nada comparado até mesmo ao bairro menos movimentado de Tokio. Depois de alguns minutos, o carro estacionou. Todos saíram, e Utau não via outra opção a não ser sair também. Sem tirar os fones do ouvido, ela pegou as malas que Tohru a estendia e entrou na casa junto com a mãe, que sorria e gesticulava coisas que ela não queria ouvir. Largou a bagagem na entrada, tirando os sapatos, e analisou o lugar cuidadosamente. Era uma casa comum, de classe média. Tinha dois andares, mas era bem pequena. Utau não se importava com o tamanho reduzido do espaço, o que a incomodava era ter que dividir esse espaço com aquelas pessoas. Por que sua mãe não poderia ter simplesmente consentido que ela morar no apartamento de Ikuto? Ou então tê-la deixado com o pai?

Tirou os fones e começou a abrir as janelas repentinamente. O pó, aliado ao escuro e à falta de espaço a faziam sentir uma sensação claustrofóbica e esmagadora. Olhou mais uma vez para a sala repleta de móveis obviamente usados, melancolicamente. Alguns ainda estavam cobertos por lençóis velhos e puídos, o chão coberto por jornais rasgados. As paredes eram verde-oliva, o piso de madeira desgastado não tinha cor específica, e uma escada se erguia no canto. Ela odiava tudo aquilo, tanto quanto era possível. Queria poder sair correndo para longe, e não ver nunca mais esse lugar. Porém, ao ver sua mãe conversando com Tohru, sentiu seu coração balançar. Ela sorria como nunca havia visto, com os olhos brilhando de expectativa e as mãos formando planos para o futuro no ar. Como poderia pensar em deixá-la?

— Vou ver meu quarto – ela anunciou, achando que ninguém a ouviria.

— É a segunda porta à direita – a mãe disse, apontando para as escadas alegremente. Utau assentiu, e pegou suas malas.

Subiu as escadas o mais rápido que pode, acelerando ainda mais ao constatar que sua mãe e Tohru logo começariam a se beijar. Os degraus faziam um barulho agourento, que lembravam um lamento, ou uma risada debochada. Fazia muito sentido.

Entrou pela porta indicada, jogando-se na cama como costumava fazer na sua antiga king-size. Aquela definitivamente não era uma king! O colchão era fino e duro, a cama era estreita e aquele quarto inteiro tinha o tamanho do banheiro da empregada da outra casa. Utau já estava se sentindo insuportável, pensando daquela maneira todo o tempo, assim como as garotas que estudavam no seu colégio e que ela costumava odiar. Espantou-se, ao notar que era exatamente como elas, tudo o que fazia era reclamar e criticar aquilo que não conhecia.

Abraçou o travesseiro, deixando algumas lágrimas molharem seu tecido. Sentiu-se patética ao soluçar como uma criancinha, mas ainda assim, tudo o que ela podia e queria fazer agora era chorar.

Ouviu a porta abrir com um rangido. Secou o rosto rapidamente e sentou na cama, pronta para dar alguma desculpa por estar daquele jeito.

— O que está fazendo aqui? – sua voz saiu muito mais ríspida do que pretendia, quando enxergou quem a observava da porta do quarto.

— Estou no meu quarto – Kukkai respondeu um pouco assustado, num tom de voz que sugeria o óbvio.

— Esse é o meu quarto, vá procurar um pra você.

— Eu bem que queria, mas essa casa só tem dois quartos, e eu definitivamente não quero violar a inocência dos meus olhos dormindo com aqueles dois.

O que? – indagou incrédula, subindo em cima da cama – Eu vou ter que dormir com você?

— Acho que sim… Onee-chan – arriscou, fazendo uma careta. Levou sua mala para dentro, sentando na outra cama que só então Utau percebeu que existia.

— Eu não sou mais velha que você, bestão – Utau replicou, sentando na cama também.

— Se você diz – ele revirou os olhos, e Utau bufou –… hmm... Utau, não é?

— É. – Ela respondeu, reparando na forma como ele arqueava a sobrancelha enquanto falava. Antes que percebesse, Utau analisava cuidadosamente o rosto do seu novo irmão. Apesar de tudo, ele era bonito. Mas ela jamais admitiria isso em voz alta. Podia ter perdido sua suíte e a piscina, mas o orgulho próprio nunca a abandonaria.

— Falando sério… – olhou para o teto, pensativo – o que você acha do… de… tudo isso? – esticou os braços para ilustrar o que dizia.

— Do casamento, você diz? Eu não sei… não queria que as coisas acabassem assim. Às vezes fico pensando quando foi que minha família começou a desmoronar dessa forma, e eu nem percebi. Para ser sincera, eu não queria estar aqui, mas quando vejo minha mãe tão feliz, não vejo como poderia dizer isso a ela… Acho que tudo o que tenho a fazer agora é me acostumar com a situação… - Utau surpreendeu-se dizendo.

Ela mal podia acreditar que havia desabafado daquela forma com um completo estranho, mas sentia-se bem depois de ter falado em voz alta. Olhou com o canto dos olhos para Kukkai, querendo avaliar sua reação. Ele a fitava diretamente, com um olhar fixo e surpreso que a irritava profundamente.

— Nossa! Eu nunca ia imaginar que você fosse tão… humana – ele exclamou, pasmo.

— Idiota, o que você pensa de mim?? – Utau bradou indignada, pondo-se de pé imediatamente.

— Eu só pensei que você fosse daquelas metidas e arrogantes, sabe? – ele sorriu como quem se desculpa, bagunçando os cabelos da nuca com a mão, num gesto constrangido.

— Eu… pareço mesmo assim? – ela murmurou para si mesma, encarando o vazio. A resposta era óbvia, até para ela.

— Parece sim. Mas agora eu sei que não é – Kukkai remendou, após perceber o olhar duro que Utau lançou inconscientemente – Talvez você possa usar a chance de estar em uma cidade nova para mudar.

—Mudar? – Isso parecia tão difícil… ela mordeu a língua, antes de sequer pensar em pedir ajuda para isso. Não iria demonstrar fraqueza, ao menos não mais do já havia feito.

— Se você quiser, eu ajudo – ele sorriu brilhantemente, piscando o olho esquerdo e levantando o polegar.

— Você só tá querendo parecer um daqueles personagens legais de shonen – Utau cruzou os braços, com o semblante entediado. Era a pura verdade.

— É isso o que os irmãos fazem, não é?


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Notas finais do capítulo

Já faz um tempão que eu quero escrever uma fic desse casal, que eu amo *-*
Espero que gostem!!! o/ E deixem reviews!!