Diário de um Semideus 3 - A Última Filha escrita por H Lounie


Capítulo 24
Sora, eu sou seu pai




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Sora


Além do domínio dos deuses a busca deve começar

Os irmãos e a mensageira a deusa perdida encontrar

Sete cumes lhe guardam o portal

O objeto perdido mostrará a sentença final

Sob o canto da sereia está oculto o presente

Busque em suas linhas a maldição e a verdade ausente

Dei uma última olhada na profecia escrita por Peter em um pedaço de papel. Era a hora de partir. Daphne, Neo e Peter haviam acabado de dormir, acabado de ir para sua missão e agora era nossa vez. Sabíamos apenas por onde começar: o norte, a terra além do domínio dos deuses. O Alasca, disse Quíron. Uma vez lá, nenhum deus irá nos ajudar, estaremos completamente fora de seu alcance.

- Não que os deuses fossem nos ajudar em qualquer outro lugar – Resmunguei quando Quíron falou.

- Oh, semideus! Sempre tão ingratos! – Retrucou Sr. D.

Alls e Nick estavam assustados, haviam acabado de chegar e agora estavam partindo em uma missão. Eu, com muito mais tempo de acampamento estava assustada, conseguia imaginar o desespero deles. Subimos a colina sem pressa, e fora das proteções do acampamento, foi como se uma boa dose de realidade nos atingisse. Primeiro, fora do acampamento estava frio, segundo, estávamos completamente sozinhos com um grande problema para resolver.

- O que pretendem fazer agora?

Um homem de porte atlético nos observava encostado em uma árvore. Mal ele acabou sua fala e um telefone tocou. Ele retirou o aparelho invejável do bolso e o atendeu entediado.

- Disse que não queria ser interrompido – Proferiu ríspido – Não importa que ela seja a rainha dos deuses, não posso encontrar seu pacote sem o número de protocolo. Ela tem a própria mensageira, por que Íris não faz isso, sim? Não me interrompa novamente.

- Do que falávamos? Ah, sim, o que pretendem fazer agora?

- Pai, o que faz aqui? – Perguntei meio perturbada, ainda era estranho vê-lo, ele não parecia exatamente um pai. E bem, pode-se dizer que ele não era a pessoa que eu mais admirava no mundo, tinha certo bloqueio em admitir ele como meu pai.

- Só estou querendo garantir que tragam Lyra de volta para mim, e se conseguissem os outros prisioneiros de volta também seria ótimo.

- Outros prisioneiros? – Alls perguntou confusa, Hermes apenas assentiu como se fosse obvio.

- Ah, e tem o livro, é claro. Não queremos mais confusão com o Destino, não é mesmo? – O deus sorriu, fazendo um gorro preto se materializar do nada – Estão indo para o Alasca, vão precisar mais do que isso – Findou ainda sorrindo, arrumando o gorro sobre meus cabelos – E vocês têm até a 4° quinta feira de novembro.

- O que? O dia de ação de graças! – Quase gritei, depois de pensar um pouco.

- Sim, o dia de ação de graças, o dia favorito de Moros, em que todos rendem graças ao seu bom destino – Hermes suspirou - 22 de novembro e nenhum dia a mais ou as coisas vão ficar meio... Bem, o despertar de Gaia vai parecer inofensivo perto da ira do Destino, acreditem em mim. Vocês não vão querer estar vivos para ver os jogos dele.

- Mas senhor, isso só nos dá quatro dias – Alls falou, sendo extremamente cuidadosa. Nós todos já tínhamos visto meu pai nervoso – Não tem como conseguirmos isso, precisamos de mais tempo.

- Bobagem, bobagem, vocês conseguem – Ele mesmo não pareceu muito seguro – Vou ajudá-los a chegar mais perto do seu destino, esse é o primeiro dos meus presentes. O segundo – Ele tirou de dentro de uma mochila dos correios uma garrafa térmica de lancheira à moda antiga, com tampa de plástico preto. Era decorada com cenas da Grécia Antiga em vermelho e amarelo. Um herói matando um leão; um herói levantando Cérbero, enfim, era Héracles ali reproduzido. Peguei a garrafa com extremo cuidado – Destampe-a e vai libertar os ventos dos quatro cantos da Terra para despachá-lo mais depressa em seu caminho. Agora não! E, por favor, quando chegar o momento, desenrosque a tampa só um pouquinho. Os ventos são um pouco como nós querida, sempre inquietos. Se todos os quatro escaparem de uma vez... Ah! Só não deixe escapar todos, está certo? Agora eu devo ir, mas antes, deixarei vocês nos domínios de Bóreas, o vento norte. Ele está tentando se redimir com os deuses desde que sua filha... Bem, isso é história para outro dia. Boa sorte semideuses.

Ele estalou os dedos, e fomos instantaneamente engolidos pelo tempo, só para depois aterrissar em gelo.

- Bienvenue au Quebec! Bem vindos ao reino de Bóreas, o terrível vento norte – Disse um cara feio. Feio talvez fosse, muito provavelmente, um grande eufemismo.

- Era para anjos serem tão feios assim? – Nicholas falou, colocando-se em pé desajeitado.

 Os dois garotos em nossa frente eram enormes e tinham cabelos brancos e assas enormes e roxas, como plumas e tudo. O mais alto e mais assustador sorriu, havia vários dentes faltando.

- Eu sou Calais, famoso semideus filho de Bóreas – Disse ele, como se eu tivesse perguntado – E esse é meu irmão Zetes. É um prazer conhecê-los – Ele tirou um papelzinho do bolso – Sora Windsor, Nicholas Foltz e Aldora Knight.

- Só Alls – Corrigiu a filha de Afrodite.

- Certo só Alls, você e seus amigos devem entrar. Papai quer vê-los.

Passamos por pesadas portas de madeira nobre, repletas de gravuras que se moviam, como que mexidas pelo vento. Seguimos por longos corredores e escadas, até estar em uma sala toda feita de gelo, onde um majestoso trono se erguia em meio a névoa fria. A névoa se partiu para revelar um homem num trono de gelo. Estava vestido num terno branco elegante que parecia elaborado da neve, com asas escuras que se estendiam de cada lado do seu corpo. Seu longo cabelo e barba peluda branca como a neve estavam repletos de pingentes. Suas sobrancelhas arqueadas o faziam parecer nervoso.

- Bienvenu, Je suis Boreas, le Roi. Et vous? – Disse o homem em um idioma que julguei ser francês.

- Votre Majesté – Alls se adiantou, fazendo uma reverência – Je suis Alls Knight, fille d’Aphrodite. Et cest Nicholas, mon frère – Apontou para Nicholas –Et c'estSorala fille d'HermèsConcluiu, acenando em minha direção.

- Vous parlez français? Très bien! Vocês filhos de Afrodite são naturalmente capazes de falar francês, que é a língua do amor, é claro.

- Por que um deus grego fala francês? – Nicholas sussurrou, curvando-se diante do rei.

Alls teve outra conversa em francês com o rei, me excluindo totalmente, já que, aparentemente, eu era a única ali que não falava francês.

- Ele fala a língua de seu país hospedeiro – Alls explicou – Estamos no Canadá, mas aqui em Quebec se fala francês.

  - Mas como vocês me honraram falando em meu idioma, eu falarei o de vocês. Tenho certeza que a filha de Hermes aqui ficará feliz em nos ver deixar o francês de lado, certo? – O deus alado sorriu.

- O que achar melhor, majestade – Falei depressa, sabendo com que facilidade os deuses ficam zangados e como as coisas tendem a explodir depois disso.

O deus levantou e estudou a cada um de nós de forma demorada, como que querendo ver nossos defeitos e qualidades, por fim, voltou a se sentar e balbuciou algo em francês que fez Calais e Zetes rirem.

- Pois bem, Hermes me disse que vocês precisam... Bem, precisam de nossa ajuda para chegar até o Alasca.

- Sim, precisamos Lorde Boreas – Alls foi rápida em falar, seu cabelo mudando de loiro para castanho claro, fazendo Boreas soltar uma gargalhada e pedir pra ela fazer outra vez.

- Que lugar do Alasca, especificamente?

- Bom, a profecia que recebemos fala sobre sete cumes guardando a entrada, então...

- Magnifique! O restrito grupo dos sete cumes do Alasca, é claro.

- Foi o que pensamos – Falei, ainda cautelosa.

- Zetes, Calais e Aura podem deixá-los lá, já que Quione... Ah, Quione, quanto desgosto – O deus escondeu o rosto das mãos, murmurando palavras em francês que fez Nicholas e Alls se entreolharem.

- Destruir os deuses pela raiz? – Sussurrou Nicholas para Alls, em tom de desespero – A Grécia?

Alls assentiu, nervosa.

- O que está acontecendo? – Alls me olhou como se dissesse “depois” e eu apenas assenti.

Uma brisa gelada chegou até nós, ao mesmo tempo que uma garota loira, de pouco mais de quinze anos, entrou na sala. Ela, assim como Bóreas, parecia vestida em neve. Tinha olhos do azul mais incrível que eu jamais vi e a pele branca, quase translúcida.

- Me chamou papai? – Perguntou ela em uma voz aveludada de dar inveja.

- Sim, Aura querida. Você, Zetes e Calais devem levar estes semideuses até o Monte McKinley, no Alasca.

- Mas pai... O Alasca não é...

- Nosso território? Sabemos disso querida, mas precisamos nos redimir por sua irmã Quione. Quanta vergonha ainda teremos que passar?

A jovem apenas assentiu, embora parecesse bastante irritada. Zetes sorriu e se aproximou de Alls, pedindo para que ela o acompanhasse, ao mesmo tempo em que eu sentia o toque fria de Calais na minha mão.

- Agradecemos a ajuda, lorde Bóreas – Acenei em sua direção.

- Certamente querida, não se esqueçam de dizer aos seus pais como os ajudamos – O deus acenou de volta, com um sorriso forçado no rosto.

Calais me tomou nos braços e partiu janela afora, para o cortante frio do novembro de Quebec. Logo atrás eu via um desconfortável Nicholas nos braços de Aura e uma irritada Alls tentando livrar-se do aperto de Zetes. Era engraçado, provavelmente a última coisa engraçada que eu verei em dias.

Depois do que julguei horas, a paisagem foi completamente tomada pelo branco do gelo. Eu queria abrir a mochila e tirar dela todos os casacos que trouxe, mas não havia como me mexer. Estava preocupada, sabia que no inverno as noites no Alasca eram mais longas e já estava anoitecendo.

- Iniciando a descida – Falou Calais em meu ouvido.

A minha frente se estendia um mar de montanhas cobertas de gelo. Aquilo me assustou mais do que qualquer outra coisa. Primeiro o frio, depois a dificuldade de locomoção, poucos alimentos e um prazo menor ainda. Estávamos com sérios problemas.

Os boreades nos deixaram aos pés do monte McKinley, assim como o pedido de seu pai. Depois de lançar diversas cantadas em Alls, todas do século passado, Zetes finalmente desistiu e os três alcançaram os céus mais que depressa, querendo, certamente, fugir dali o mais rápido possível.

- Bem, aqui estamos nós. E eu tempo recorde – Nicholas falou, vestindo mais blusas – Quantos graus devem estar fazendo?

- Não sei, mas a paisagem é bonita – Falei, tentando sorrir – Veja, tem até um lago. E...e pássaros?

Os pássaros pareciam estar saindo de dentro de uma caverna das margens do lago, e vindo em nossa direção com força total. Mas não pareciam pássaros comuns, esses eram maiores e os seus bicos pareciam ser feitos de bronze.

- Pessoal, acho que estamos diante da versão moderna do lago Estinfale – Falei, tentando parecer calma e recuando um pouco, vendo os milhares de pássaros se aproximarem.

- O lago o quê? – Perguntou Nicholas, acompanhando meu olhar.

- Pássaros de Estinfália! – gritou Alls, compreendendo a situação – Vão nos descarnar até os ossos se não os espantarmos!

Fizemos a única coisa que podíamos no momento: corremos em direção ao monte McKinley.   


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