Tributo. escrita por lillyjelly


Capítulo 4
Remodelagem.


Notas iniciais do capítulo

Desculpe a demora para postar, estou ocupada com um grilhão de outros projetos =S Quem viu o trailer de JV? Perfeito, não? Me contem o que acharam nos reviews!



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            Um telefonema malcriado de minha tutora me informa que minha próxima parada é o Centro de Transformação. É onde estou agora, na companhia das atrações de circo que eu deveria chamar minha Equipe de Preparação.

            Contenho as gargalhadas durante todo meu processo de depilação, que não demora muito, pois a maioria dos meus pelos são loiros e a gente costuma se depilar no Distrito 1. Como já estou acostumada, não é uma tortura tão grande como deve ser para os outros tributos.

            Já estou acostumada com as bizarrices da Capital, mas o que encontrei por aqui desde minha chegada supera as expectativas. Seus sotaques afetados tagarelam rápido sobre pessoas, bens das pessoas, festas das pessoas e aparência das pessoas. Eles meio que são versões mais engraçadas e caricaturadas de Toend. Duas irmãs gêmeas, Calixto e Euphemia, e um homem chamado Palatino são os responsáveis pela minha preparação para as mãos do meu estilista, uma mulher que acredito chamar-se Meiryo.

            Calixto tem a pele negra chocolate e o cabelo dividido em um louro platinado, quase branco, e azul turquesa, que se alternam em listras por todo o caminho até sua cintura. Euphemia tem a mesma pele chocolate, com um detalhe de que seu rosto é coberto por estrelas douradas. Seu cabelo é volumoso e cor-de-rosa. Já Palatino é o oposto, com uma pele amarelada e    clara, e tatuagens tribais no lugar de cabelos.

            – Então, Shaey, animada para os Jogos? – Calixto tenta incluir-me na conversa, apesar de meus esforços em ficar totalmente alheia ao que aquelas caricaturas de seres humanos conversam.

            – Claro, por que não ficar animada com a perspectiva de ser jogada numa arena pelos meus vizinhos, ter que sofrer uma morte dolorosa e pública e virar motivo de piada no país inteiro? Estou tremendo de emoção – levanto minha mão trêmula, onde Euphemia estivera trabalhando com minhas unhas, que ainda continham o sangue das meninas que arranhei na praça, no dia da Colheita. Os três se entreolham, mas tentam ser amigáveis.

            – Você não parece pôr muita fé em si mesma – comenta Palatino, que está tratando do meu cabelo. Calixto retira outra camada de pelos de minha axila e eu cerro os dentes.

            Dou de ombros.

            – Não tenho nenhum motivo bom para voltar ao meu distrito. Não me importo demais.

            Eles assentem mudamente, surpresos com a indiferença de um tributo do Distrito 1, que geralmente é o mais entusiasmado em cortar gargantas.

            – Suas unhas são fabulosas – comenta Euphemia. – Você não acreditaria nas mãos que recebo por aqui. Todas as meninas do seu distrito dizem que unhas compridas atrapalham no manuseio de armas. Pelo que eu vi na Colheita, essas aqui são suas armas, certo?

            Não posso conter um sorriso para Euphemia.

            – Acho que sim. Nunca fui muito de pegar em armas.

            Eles parecem surpresos.

            – Não sabe mexer com nada?

            – Na verdade não – reflito. – Mas, como disse, não espero sair de lá com vida, então acho que, se for morta no banho de sangue na Cornucópia, ninguém se lembrará muito de mim. Então, quanto menos eu aparecer na tevê, mais facilmente serei esquecida.

            – Não gostaria de sair viva? – pergunta bruscamente Palatino.

            – Gostaria, claro. Mas acho que tem pessoas ali que merecem mais que eu. – penso na ruiva do Distrito 8, Chalvord fazendo piadas de sua baixa estatura. Eu desenvolvi uma estranha empatia com ela. Gostaria que ela ganhasse.

            Calixto e Palatino trocam olhares assustados, mas Euphemia parece compreender. Ela assente sem palavra e me lança uma piscadinha, enquanto lixa minhas unhas. Decido que gosto dela mais do que de Calixto ou Palatino.

            Duas horas depois, minha equipe de preparação se vai, me deixando completamente nua na sala de transformação. Recebo ordens de não tocar no meu roupão, mas se sinto muito vulnerável sem ele, então o pego mesmo assim enquanto espero por minha estilista.

            Meus cabelos estão hidratados, penteados, caindo em suaves ondas sobre minhas costas. O sangue de minhas unhas foi limpo e agora elas contam com aplicações de pedrinhas multicoloridas que faíscam pelas paredes quando estão em certa posição com relação à luz. Meus poucos pelos sumiram por completo, minhas sobrancelhas estão perfeitas. Estou pronta para cair nas mãos de minha estilista.

            Estou esperando uma versão muito mais bizarra da minha equipe de preparação, mas Meiryo é bastante bonita e normal, exceto por pequenos detalhes que não poderiam deixar de existir em uma habitante da Capital. Seus cabelos são negros e muito lisos, com alguns reflexos azuis sob a luz elétrica. Seus olhos são puxados, como as pessoas do Oriente no passado, como nos mostraram na escola. Suas bochechas são grandes e eu sinto um impulso em apertá-las quando ela chega. Ela parece uma criança que cresceu demais.

            O mais bizarro sobre Meiryo são as aplicações de asas prateadas às suas costas. Mas ela parece tanto com um anjo que não posso achar aquilo hediondo ou bizarro. Debaixo de uma suave sombra perolada nos olhos, percebo que suas íris são muito azuis.

            – Olá, Shaey – ela me dá um beijinho em cada bochecha. – Meu nome é Meiryo, sou sua estilista.

            Estou tão aturdida com sua aparência atraente que articulo mal as seguintes palavras.

            – O-olá, Meiryo. Belas asas.

            Ela sorri, como uma criança de seis anos.

            – Obrigada. Combinam comigo.

            Concordo de prontidão, assentindo com convicção.

            Ela me chama para uma sala à parte, não me condenando por ter posto o roupão mesmo com ordens expressas de permanecer nua. Uma refeição convidativa nos espera, e um aroma delicioso desperta meu estômago, que subitamente lembra-se de que estava completamente vazio.

            Numa coisa Meiryo não é diferente os habitantes da Capital: na tagarelice sem fim. Geralmente, a hora do almoço é usada para que o estilista e o tributo se conheçam mais um pouco, mas Meiryo não faz perguntas. Apenas comenta sobre sua vida, sua vida social, a moda, enquanto tento fazer daquilo um diálogo entre garfadas em meu pato ao molho de laranja.

            Quando chegamos à sobremesa, mousse de chocolate com sorvete de baunilha servido em tigelinhas de cristal, percebo sua estratégia. Durante seu falatório interminável, eu acabei expondo toda minha história no Distrito 1. Desde a tirania de Toend e Cetos até as provocações de Shadowe e dos outros carreiristas, cada detalhe de minha vida foi exposto durante uma hora de diálogo. Meiryo aprecia sua mousse com um sorriso de vitória, percebendo que eu sacara sua estratégia. Não consigo sentir raiva dela, apesar de querer. É sorrindo que bato nela com a corda do meu roupão.

            – Não acredito que você me ludibriou assim!

            – Sou uma pessoa muito persuasiva – ela diz, jogando a cabeça pra trás em uma risada. – Além do mais, cumpri minha missão. Percebi que você não ia falar espontaneamente, então tive que te tutibear.

            – Me sinto uma criancinha de novo – eu digo rindo. É a primeira vez em muito tempo que uma risada me sai facilmente, espontaneamente. Nunca fui uma pessoa de sorriso fácil, e estou me descobrindo mais coração mole do que imaginava.

            – Você ia ter que falar de qualquer jeito – Meiryo ri enquanto raspa o resto de sua mousse da tigela. – Agora já tenho uma boa ideia sobre o que vou fazer com você.

            A ideia não me assusta. Confio estranhamente em Meiryo.

            Quando voltamos para a sala de transformação, ela pede que eu tire meu roupão, o que faço sem hesitar. Não tenho vergonha de Meiryo, já que sinto uma estranha empatia com ela. Talvez algo mais que empatia. É como que senti com Merot, quando ela veio me visitar depois da Colheita. Amizade.

            Meiryo observa meu corpo nu com imparcialidade, depois sorri.

            – Gosto dos seus olhos. Quero deixá-los intactos. E, além do mais, preciso usar o destaque nesses lábios maravilhosos.

            Meus lábios maravilhosos se curvaram em um sorriso.

            – É bastante fácil mexer com o Distrito 1. Geralmente os tributos femininos se contentam em um bocado de jóias preciosas, brilho, tudo sempre muito luxuoso – conta Meiryo, enquanto ajusta uma malha preta simples em meu corpo nu. – Nunca há essa preocupação em parecer forte ou causar uma impressão, como nos outros distritos. O Distrito 1 por si só atrai uma atenção especial. Anos e anos de tributos truculentos, assassinos impiedosos, vencedores implacáveis. Anos e anos de falta de compreensão para com os outros tributos, anos e anos de infindo egoísmo, anos e anos de sede de um bom banho de sangue.

            Surpreendo-me com a brusca mudança de atitude de Meiryo. Não existem câmeras do Centro de Transformação, afinal, o traje dos tributos é sempre uma surpresa e, afinal, não queremos nenhuma cena indiscreta ou embaraçosa no ar. Aquela estilista com carinha de criança, asas de anjo e alto nível de persuasão se mostra uma pessoa amargurada, não uma mente vazia controlada pela Capital.

            – Não sabia que os estilistas se revoltavam contra seus tributos. – eu brinquei.

            – Não nos revoltamos, Shaey – ela me encara severamente. – É frustrante trabalhar com crianças, com o perdão da palavra, mas vocês são crianças para mim, tão novas e já crescidas com um alto nível de competitividade e impiedade. É revoltante como educam as crianças desde cedo para trabalharem na refinação de seus instintos assassinos, para que apreciem o massacre de seus semelhantes, e sejam ávidos por participar de uma coisa tão hedionda. Mas não nos revoltamos. Não abertamente. Somos rebeldes silenciosos. Não todos, é claro, mas alguns de nós, bem, não conseguimos suportar isso.

            Sorrio para ela.

            – Já revelou isso para algum tributo antes?

            Seus lábios contraem-se novamente em um sorriso doce.

            – Não. Reservei essa honra apenas para você.

            As próximas horas de passam mudas. Eu e Meiryo compartilhamos uma espécie de compreensão calada, uma discussão sem voz, em forma de olhares significativos. Seus olhos azuis orientais revelam uma amargura que é impossível de ser detectada em conflito com as feições infantis e as asas prateadas. Odeio estar gostando dela. Preciso me livrar de todos os motivos possíveis que possa ter para permanecer neste mundo. Tenho que morrer sem remorsos, sem lembranças boas nessa vida, morrer sem sentir saudades de ninguém. Mas isso está ficando cada vez mais difícil. Merot, Euphemia, Meiryo, de repente tenho pessoas importantes em minha vida.

            Não posso me apegar. Mas não posso evitar.

            Meu Deus, daqui a pouco só falta eu arranjar um namorado


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Comentem nos reviews (e também a opinião de vocês sobre o trailer!) Nhac =3



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