Cheguei em casa me sentindo leve até. Fora um dia comum e calmo, tirando todas as provocações de Pablo, que tirando todo o constrangimento tinha até me deixado animada, esquecendo por alguns instantes Daniela, aliás os olhares hostis dela ao invés de me incomodar, haviam me deixado até confiante. Acabei voltando mais cedo depois de ter adiantado o trabalho no meu horário de almoço e passara o restante das horas fugindo de Pablo. Tudo que eu queria era um bom banho. Fui tirando minha bolsa a largando no sofá e vi Edith procurando algo na geladeira. Havia uns 3 saquinhos de suco vazios no balcão e ela bebia água desesperadamente.

Está tudo bem? perguntei, confusa.

Claro, claro. Seu tom irônico me confundiu ainda mais. Está tudo ótimo!

Porque está bebendo tanta água, criatura?

Acabou o suco, então... Ela tomou um gole dágua, estava meio pálida.

Ok... Mudei o foco da pergunta, tentando entender porque ela estava tão esquisita. Porque está bebendo tanta água?

Preciso de líquidos pra fazer xixi. Ela explicou como se fosse óbvio, a olhei confusa.

Como é?

É que... Ela suspirou, o queixo tremendo, a voz ameaçando falhar. Estou muito ferrada, Malu. Muito ferrada. Vi o copo em sua mão começar a tremer. Me aproximei preocupada.

Como assim?

Eu, eu... Olha... Vou te mostrar minha teoria que fiz hoje de manhã. Ela me levou até o banheiro, sua mão gelada na minha. Havia uns pequenos palitos brancos na pia do banheiro. Uns 9.

Meu deus! arregalei os olhos. O que é isso?

Isso é a roleta russa da minha vida. Está vendo esse risco vermelho? Eles tem que dar saldo negativo. Porque se der positivo eu estou mais que ferrada. Olha... Já tentei nove vezes. E eu perdi essa vez. Foi tudo positivo! Ela falava chorosa, as palavras se atropelando. Mas com o décimo vai ser diferente. Ele vai dar negativo e o mundo voltará a ser como era antes.

Isso são... testes de gravidez? A olhei de olhos arregalados.

Não posso ir comprar o décimo. Ela me ignorou, voltando a andar errante pelo o apartamento. A segui em choque. Tenho que beber mais suco e... Malu, compra um pra mim!

Você fez nove vezes! explodi, ainda em choque. Ainda tem dúvidas?

Você tem que comprar mais um! Ela começou a chorar, melindrada, e eu a abracei. Por favor, Malu.

Não acredito que vou fazer isso, mas se isso te deixa mais tranquila...

Obrigada! ela correu pra cozinha e voltou com uma garrafinha de água. Ela me olhou, esperando. Suspirei, pegando minha bolsa. Caminhei para a farmácia entre o riso, o choque e a surpresa muda. Foi constrangedor pedir um teste, mas comprei-o mesmo assim. Era meio difícil não saber quem era o pai do bebê. E mesmo que Edith fosse desmiolada muitas vezes ela saberia cuidar de um bebê. Não conseguia pensar em alguém que poderia lidar tão bem com isso, com uma responsabilidade assim. Edith sempre fora competente, sempre fizera tudo sozinha, talvez um bebê fosse algo bom para a situar, algo para que ela amasse e sempre tivesse com ela, já que Edith infelizmente tinha um grande histórico de abandonos e inconstâncias da parte de outras pessoas. Mesmo que ela nunca confesse, só o que ela queira era alguém pra amar e que não fosse embora. Algo concreto. Ter essa criança talvez a ajudasse a se encontrar. E quanto a mim em relação a tudo isto... Eu só conseguia pensar que em breve seria titia, mas que até Edith aceitar o fato que seria mãe ela iria pirar loucamente.

Quando estava subindo as escadas, o pior aconteceu. Encontrei um Pablo animado e eufórico. Tentei não deixar minha expressão culposa, sabendo que em breve ele teria uma grande surpresa, mas estava difícil.

Está chegando da farmácia, hã? Achei que depois de ter terminado com Victor você não precisaria mais... Mas né. Depois de ontem você e Igor... você sabe. Ele riu. Tem que estar sempre precavida.

Como é que é? Me fiz de desentendida. Era mais fácil negar e isso o exasperava. Se eu desse algo concreto, uma confissão, para Pablo ele iria me infernizar mais ainda.

Ah pelo amor de Deus, Malu. Vai continuar se fazendo de besta? Os dois ainda por cima. Fiquei surpresa, então Igor também estava fugindo das perguntas? Por mim? Achei isso quase, quase fofo, afinal ele contava tudo pro Pablo. Mas ainda estava semi-irritada por causa de Daniela. Não sou idiota. Vocês tão com cara de quem viram passarinhos verdes, ou se viram... se tocaram... Estão com cara de alegria pós-luau do amor.

Que droga é essa que você ta falando? Cala a boca!

É sério. Você nem ta me batendo, ta feliz demais pra isso... A noite passada foi especial, hã?

Para, Pablo! Nada a ver. voltei a andar, mantendo a sacola próxima a mim. E a propósito... Não são camisinhas!

Duvido. Me deixa olhar. Ele tentou puxar a sacola, eu a escondi.

Sai!!

Porque está escondendo, hein, Malu? Ele olhou para a sacola, curioso. Tem que ter algo bem interessante aí dentro.

Porque não volta pro seu apartamento?

Tenho que falar com Igor. Ele explicou, dando de ombros. Anda, passa essa sacola pra cá.

Sai daqui, meliante! empurrei-o, correndo escadas acima.

Volta aqui com a sacola, Malu! Ele gritou entre risadas. Não consegui chegar a porta do meu apartamento a tempo. Ele me segurou e tirou a sacola da minha mão.

Não, não, não! Me devolve! reclamei em desespero. Ele a sacudiu a minha frente, mas a manteve longe do meu alcance. Tirou a caixinha de dentro da sacola e então seus olhos se arregalaram.

Isso é um teste de gravidez? Pra que você vai precisar disso, garota... Haha. Então ele parou pra pensar. Epa, epa, epa... NÃO ACREDITO QUE VOCÊ TA GRÁVIDA, MALU!

Pablo começou a gritar que eu estava grávida, rindo e surpreso. O empurrei pra dentro do apartamento e ouvi Edith engasgar com a água quando o viu e ainda mais ele gritando.

Cala a boca, Pablo!

NÃO DÁ PRA ACREDITAR.

CALA A BOCA! Eu e Edith gritamos descontroladas. Igor entrou esbaforido, absolutamente perfeito essa aparição inusitada. Ótimo, meu apartamento definitivamente virou casa da mãe Joana.

O que está acontecendo? Ouvi gritos.

Malu ta grávida! Pablo soltou, sem poder se segurar, os olhos pareciam que iam explodir de sua cara.

COMO?! Igor tossiu.

NÃO! gritei em choque, olhei para Edith procurando apoio, mas ela estava pálida e se limitou a dizer.

Malu, malvada! Ela começou a gaguejar e eu a olhei embasbacada. Q-q-quem mandou faltar a aula de educação sexual?

Como é?

Está grávida de Victor? Igor gaguejou, ficando pálido.

Céus, ele vai ter um treco! Pablo disse, as mãos na cabeça. Eu já estava tonta por causa de toda essa agitação e bagunça. Olhei para Edith desesperada:

Edith, diz alguma coisa.

Ta, ta. Igor! Não é a Malu que está grávida, falou? Ela suspirou. Relaxa essa bunda!

Então quem está? Pablo perguntou. Igor pegou uma revista e começou a se abanar. Já prevendo a catástrofe. Espera... VOCÊ ESTÁ GRÁVIDA? Já está saindo com outro cara? Como assim? Já ta me traindo, caramba!

Nós nunca namoramos!

Ah, por favor! Pablo praticamente rugiu. Arregalei os olhos, olhando para Igor, esperando uma explicação para todos aqueles ciúmes. Este se limitou a dar de ombros, prendendo o riso.

Eu não sei se você sabe... Mas eu não sou como você que sai pegando qualquer uma por aí.

Ah ta e você ta grávida de quem então? Pablo estava sendo burro de propósito, não é possível!

Olha, eu tentei 9 vezes salvar a nossa vida, Pablo. NOVE! E você está estragando o momento da décima dar certo e essa droga dar negativo. Então me dá essa caixinha. Devo ter gastado uns 100 reais com essa porra de testes. E você podia ter resolvido tudo se tivesse usado a porra de uma camisinha.

Para de falar porra que ta ficando sugestivo. Igor avisou, rindo e se sentando largado no sofá. Como se estivesse assistido um filme superinteressante.

Espera... O vinco entre as sobrancelhas de Pablo se aprofundou, não de fúria, mas de confusão. Estragar a nossa vida?

Deixa de ser tapado! Edith externou meus pensamentos.

Então você quer dizer que...

O último cara que fiz sexo foi você. E sim, tem NOVE testes como este aqui na pia do meu banheiro e todos deram a droga de positivo! Você pode me deixar enlouquecer agora?

Pablo foi ficando vermelho, vermelho, vermelho... Então assumiu um tom de pálido preocupante. Então, do nada ele caiu desmaiado no meu carpete.

Oh meu deus! Edith e eu gritamos. Igor foi tentar reanimar Pablo e eu fui ajudá-lo. Olhei para Edith para ver como ela estava. Ela estava super concentrada. Os nós dos dedos amarelos por causa da força que ela apertava a caixinha. Ajuda aqui, Edith! Você matou ele, agora ressuscita.

Não dá. Preciso fazer xixi. Então ela correu pro banheiro, Igor começou a rir baixinho. O olhei interrogativa.

Isso é cômico! Tenho material pra usar contra Pablo pelo resto da vida dele. Ele disse rindo, a ponto de gargalhar, enquanto levantava o amigo e o fazia sentar no sofá. Nem precisou de minha ajuda. Pegou a garrafinha de Edith na mesinha de centro e jogou na cara de Pablo sem dó. Que engasgou, recuperando os sentidos. Estendi um pano para ele, tentando ser mais ou menos solidária. Igor ainda sorria bem humorado:

Ainda bem que acordou.

Acordei? Ele passou a mão pelo rosto, a cor voltando lentamente ao seu rosto. Ao ver nossas caras a realidade pareceu bater de volta a sua porta. Ah, não... merda, merda, merda. Aquilo realmente aconteceu? Cadê a Edith?

Está jogando roleta russa. expliquei, ele pareceu ainda mais confuso.

Que?

Está fazendo xixi. esclareci, cansada. Me sentei ao lado de Igor no sofá, respirando fundo. Viu? É isso que você ganha por roubar minha sacola da farmácia.

Igor, segurando o riso, começou a abanar Pablo que voltava a empalidecer. Edith logo apareceu, a expressão impassível. Ela se sentou ao lado de Pablo e lhe mostrou o décimo palitinho branco. Pelo seu rosto, cada vez mais vermelho... Entendi que havia dado positivo outra vez. Então contrariando todas as expectativas Pablo a puxou para um abraço. Arregalei os olhos surpresa, ao vê-la se debulhando em lágrimas no colo de Pablo e ele a aninhando carinhosa e protetoramente.

Igor me fez um sinal para sairmos e os deixarmos sozinhos. O acompanhei, fechando a porta sem fazer barulho. Igor encostou a parede do corredor.

E agora, o que vai acontecer? Estava tentando pensar e imaginar Pablo e Edith, com um bebê. Em como ela parecia realmente desesperada.

Vamos acabar nos divertindo bastante. Igor disse, bem humorado. Olha só o começo!

É sério...

Bem... Pablo vai pirar loucamente mais um pouco, comigo obviamente. Acho que Edith já está meio sobrecarregada demais por ora. concordei. Mas depois de um tempo vai virar um pai babão.

Como foi com você?

Não necessariamente... Vai ser diferente. Ele e Edith tem grandes chances de ficarem juntos, o bebê foi só um pontapé. Ele sorriu, não parecendo constrangido.

Tomara. Afinal, Pablo e Edith eram tão... perfeitos juntos. Tão... Companheiros. Dois loucos. Igor interrompeu minha linha de raciocínio.

E você?

Eu o que?

Vai fazer o que de agora em diante? Ele molhou os lábios, cruzando os braços.

Dar um passo de cada vez...? Não sabia muito bem o que fazer, não queria necessariamente uma decisão. Estava bom demais assim, por enquanto.

Em que sentido mais ou menos? Porque se for pra botar pra frente sua vida amorosa... Talvez, bem... Ele coçou a cabeça, desajeitado. O encarei, confusa. Você queira, entende... Sair comigo um dia desses? Te pago um Mac lanche feliz, juro.

Está me chamando pra sair? sorri. Era esquisito pensar nisso. Sair com Igor... Mas agora existia essa possibilidade.

Obviamente sou péssimo nisso. Talvez você devesse me chamar.

E como eu faria isso? perguntei, entrando na brincadeira. Eu estava bem humorada demais nas últimas horas. Ei, Igor... Quer sair comigo amanhã a noite? A gente podia dançar, jantar e fingir que nunca nos conhecemos?

Parece ótimo! Ele sorriu, verdadeiramente contente. Bato na sua porta as sete.

Ei! O segurei quando ele fez menção de voltar ao seu apartamento. Eu estava brincando!

Viu? Já começamos a história bem humorados. Acabei rindo e Igor me acompanhou, chegando mais perto de mim. Mesmo que não tenhamos oficializado ainda nosso encontro. É possível eu dar um primeiro beijo... Antes do encontro? Tecnicamente falando, é claro. Seria muito contra as regras?

Tecnicamente? É claro que não pode e sem dúvidas seria contra as regras. falei, séria, mas sentindo uma espécie de comichão em minhas mãos.

Sorte sua que eu sempre faço as coisas erradas, hein? Ele se inclinou, me beijando calmamente. Seus dedos prendendo meu rosto com delicadeza ao seu. Eu poderia ter me afastado, mas não quis. Me permiti desfrutar do beijo sem arrependimentos ou reflexões, só sentir. Na verdade, eu me sentia diferente, alegre, quase outra pessoa. Tão mais leve que parecia que eu poderia flutuar ante aquele beijo. Igor se afastou sorrindo, erguendo o pulso e me mostrando o relógio. Já são sete horas! Hora do nosso encontro, amorzinho.

Só pode estar brincando.

Brincadeiras só depois da meia noite, Malu. Ele piscou, me puxando pelas escadas.

Se você já está assim agora IMAGINA meia noite. comentei, ele me olhou meio incrédulo.

Isso é uma coisa que eu diria. Estou adorando essa coisa de você conviver mais comigo, que orgulho! Ri enquanto ele me puxava pela mão, despreocupado. As semanas passadas parecendo tão, tão distantes. Não procurei deixá-las se avivar novamente na minha mente. Eu queria simplesmente me sentir bem e feliz, exatamente como eu estava agora.