Bad July escrita por SorahKetsu


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Fairytales all tell a lie
In real life the good guys die
Let's go somewhere safe, to outer space
Let's climb to the moon
— Fly to the moon



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Nina achou que, de alguma forma, quando o feitiço de Sabrina saiu de Michel, ele esquecera-se completamente do que tinha acontecido, pois na aula de quarta o professor deu aula normalmente para sua turma, sem troca de olhares ou qualquer demonstração de culpa. Mas isso não significa que a garota não tenha ficado tensa a aula toda, mal prestando atenção, ou se limitando a ficar surpresa ao receber o resultado da prova. Sabrina havia visto o teste que seria aplicado no dia seguinte, portanto mesmo não sendo Nina quem a fez, foi bastante bem.

Quando o sinal tocou, pensou se ver livre de seu martírio. Todos saíam em direção à cantina, incluindo Dean, Mike, Lua e July. Nina se esforçava pra sair na frente, mas nem mesmo se embrenhar no meio de todas aquelas pessoas impediu Michel de tocar-lhe o ombro.

- Posso falar com você, Nina?

Sentiu toda sua coragem escorrer gelada pelas suas costas e ir parar no chão, debaixo de seus pés. Algo se remexeu em seu estômago. Uma vergonha, um medo do que teria de falar com o professor que tanto gostava.

Eles esperaram todos saírem, e ela se sentou na primeira carteira, de frente pra ele. A mesma posição que estavam quando ele surgiu pra usar a internet. Isso parecia ter sido anos atrás, mas não passava de uma semana.

- Nina, isso não devia ter acontecido, e acho que você sabe.

Ele usou seu mais sério tom de voz. De repente, Nina teve a impressão de estar falando com o Homem de Ferro.

- Eu sei. Desculpe.

- Você não deve pedir desculpas. A culpa foi minha.

Nina quase riu. Não era culpa dele. Nem dela. Era de Sabrina. Mas como explicar isso?

- Professor, eu sabia bem o que estava fazendo.

Não, não sabia. Não tinha o menor controle sobre suas vontades. Mas Sabrina sabia exatamente o que fazia. E Nina não tinha como saber como aquela personalidade podia ser tão experiente.

- Agradeço que esteja me defendendo, Nina, mas não acho sadio que mantenha sentimentos por mim.

- Professor, se o senhor quer que eu o culpe, abra o senhor mesmo um processo. – Nina deu de ombros, tentando fugir daquele assunto.

- Nina, é importante. É importante que você tenha um relacionamento saudável com alguém que possa te amar, que vá cuidar de você.

Ela deu um risinho de deboche.

- Você ficou sozinho até hoje e parece muito bem.

Ele torceu os lábios, em desaprovação, e baixou a cabeça.

- Talvez isso tenha me levado a cometer um crime horrível.

Um crime horrível. Nem mesmo Sabrina havia sido capaz de fazer Michel gostar daquilo tudo. Devia saber. Ele não murmurou seu nome porque gostava dela. Não a abraçou, nem a beijou desesperadamente porque queria, porque tinha desejo.

Era meramente o poder de Sabrina, e como uma ampulheta a correr, quando o domínio acabou, tudo aquilo havia acabado junto, e dado lugar a um professor arrependido e amargurado. Até que ampulheta role novamente, e Sabrina entre em jogo.

- Eu não vou falar pra ninguém, se é o que te preocupa. – disse Nina. Seus olhos estavam marejados.

- Não me preocupa. Se quiser contar ou me processar, ainda está no seu direito. Preocupo-me pelo sentimento que nutre por mim.

Nina engoliu em seco. Naquele momento, ela conseguia amá-lo mais que nunca.

- Foi só uma noite, professor. Não vejo nenhum problema nisso, não quer dizer nada. Na verdade, eu esperava conseguir uma nota alta. – ela inventou.

- Uma noite que foi sua primeira vez. Uma aluna que sempre teve notas altíssimas. Isso não faz o menor sentido e você sabe.

Às vezes, a verdade é mais difícil de ser mascarada do que a mentira.

- Apenas… segue a sua vida, e eu sigo a minha. Isso não precisa acontecer de novo.

Michel a encarou com pena. Não estava satisfeito. Nina escolheu desviar os olhos.

“Eu poderia resolver isso agora”

Era Sabrina em sua mente. Mas ela sabia que não tinha como a outra personalidade invadir sem ser convidada. Nina teria que permitir, e não permitiria.

- E aquele seu amigo? O Mike?

Sabrina gostava do Mike. Nina não.

- Ele é meu amigo.

- Tornemo-nos amigos então.

Nina fez que não com a cabeça. Não entendia por que tudo aquilo tinha que ser tão difícil.

- Michel, relaxa. Não vai acontecer de novo, tudo vai voltar a ser como antes.

- Tenho idade pra ser seu pai, Nina.

- Mas não é.

- Não deixa de ser crime.

- É um crime que durma comigo. – ela se levantou da carteira e preparou-se pra sair – Não é crime nenhum que eu goste de você. – e saiu.

Lua ficou sozinha a maior parte do tempo livre. Ela se sentara em um dos bancos que havia ao redor de uma árvore grande, sem frutos, apesar de ser uma mangueira. Lá, ficou com o olhar perdido em qualquer ponto do tronco, pensando em mil coisas e completamente distraída.

Respirou fundo e se concentrou. Piscou algumas vezes e ficou pensando em como faria pra se livrar daquele corpo de átomos mais uma vez. Olhou pras mãos, e limpou as pequenas pedrinhas de cimento que se descolaram do banco e grudaram na pele.

Naquele dia o maior assunto da escola toda era o fantasma que surgiu no quarto de duas meninas do primeiro ano. E também a inspetora que estava estranha, cautelosa, proibindo as pessoas de ficarem sozinhas em andares superiores do prédio. Logo a lenda se espalhou pelo colégio, além da zombaria. Lua achava engraçado.

Olhou para o céu, fechando um pouco os olhos que doeram com o sol que driblava a copa da árvore. As folhas estavam muito verdes, redondas e gordas, e ela tinha a impressão de que aumentavam quando mais olhava pra elas.

Ou aumentavam mesmo?

Ouviu um baque seco e se virou rapidamente. Percebeu que seu corpo havia tombado pra trás, caindo de cabeça no chão, mantendo as pernas sobre o banco, numa posição absurdamente confusa e retorcida. E ela, seu espectro, ou o que quer que fosse, estava flutuando em direção à copa da árvore.

A sensação era ótima. Todas as dores e desconfortos de um corpo humano simplesmente sumiam.

Viu Johanna se aproximar ao longe com suas cesta de biscoitos e decidiu que não queria que a garota visse seu corpo retorcido no chão. Voltou rapidamente a ele e se levantou, limpando os cabelos que haviam se sujado de terra.

A menina ofereceu biscoitos mais uma vez, comentou o fato dos amigos de Lua não estarem lá e deu mais biscoitos pra que ela pudesse entregar a eles.

“Eu adoro fazer biscoitos!”

A escola tinha uma espécie de cozinha comunitária que Johanna usava pra fazer aqueles biscoitos. Era preciso pagar uma alta tarifa pra ter acesso a ela, pra limitar o número de pessoas. Então ninguém entendia por que Johanna distribuía biscoitos que custavam caro pra fazer. Mas não tinha do que reclamar, então aceitou a enorme quantidade que lhe fora entregue.

Naquela noite, Lua decidiu que era um bom momento pra praticar sair do corpo. Quando achou que July estava dormindo, concentrou-se no teto do lugar, e ficou sem saber que tipo de força ou movimento, ou seja lá o que fosse que ela precisava fazer. Ela simplesmente sabia que quando deixava de sentir os desconfortos do colchão estava fora de si.

Flutuou alguns poucos centímetros acima do corpo sólido. Depois se virou e tentou tateá-lo. Ela não emitia ruído nenhum quando se mexia, apenas sua voz faria barulho, então July jamais a veria.

Voou até a janela e ficou pairando do lado de fora do prédio, sem nem perceber que nem precisava passar pela janela, podia simplesmente atravessas a parede. Ainda não estava tão acostumada com isso.

Olhou a cidade. A sensação de liberdade foi imediata. Podia voar pra longe, podia atravessas a cidade toda, o país quem sabe. Podia dar a volta ao mundo se quisesse. Voava suficientemente rápido.

“Que divertido” ela pensou.

Então olhou pro céu e imaginou-se voando até lá. Distanciou-se do colégio e começou a subir, sem nem sentir o ar ao seu redor, como se estivesse no vácuo. Não havia atrito para ela, e talvez por isso pudesse ir tão rápido. Talvez sequer respirasse.

O colégio era só um ponto lá em baixo, irreconhecível, não fosse o formato de quadro ao redor do enorme pátio com quadra e piscina. A cidade em si era muito diferente dali.

Olhou pra cima e viu a lua. Então pensou que talvez não houvesse limites para até onde podia ir.

“Vou até a lua!”

Ela teve uma estranha sensação que reconheceu como sendo da leitura de mentes de Mike. De vez em quando, esporadicamente, tinha essa sensação. O amigo ainda não fazia ideia de como controlar as informações que chegavam e já vinha tendo dor de cabeça. Não o culpou. Talvez até estivesse dormindo.

Olhou para a lua mais uma vez e começou a subir em velocidade altíssima. Tudo ao redor não passava de um grande borrão. Era bizarro que suas roupas não se mexessem com o vento, e nem mesmo seu cabelo mudava de posição. Porque não havia vento algum que a atingisse.

Subiu, mais e mais rápido. Tentou testar sua velocidade máxima, e continuou acelerando até passar por nuvens. Estava extremamente rápida quando o mundo girou de ponta cabeça, alguma coisa silvou em seu ouvido, e ela se chocou com força contra uma terra molhada e fofa, no meio de toda confusão. Não soube bem dizer como deixara de estar no céu para estar na terra, mas esse pensamento se distanciou quando se deu conta que havia sentido o chão sob seu corpo, sendo que, até então, sequer sentia o ar.

Olhou ao redor e se viu num enorme campo aberto. Estava muito escuro. O céu estava cor de ameixa, sem estrelas. Ainda estava sentada e sentia a si mesmo. Não estava mais na forma de espectro e isso a assustou. Não fazia ideia de onde estava, mas sabia que não era seu quarto. Não tinha como ter voltado para o corpo sólido.

Então um rugido tão alto que achou que seu tímpano ia explodir. O som vinha de todos os lados. Esse barulho se misturou com um grito feminino e Lua ficou completamente tomada pelo medo. Olhou pra trás e viu uma criatura gigantesca babando um liquido viscoso e verde, com a cabeça levemente humana, porém muito mais semelhante a… a nada. Era asquerosa, nojenta, e de onde estava, Lua sentia seu cheiro acre e repulsivo. Aquilo estava perseguindo uma garota que logo reconheceu. Era July.


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