Bad July escrita por SorahKetsu


Capítulo 2
O ponto sem volta


Notas iniciais do capítulo

Stop, turn, take a look around
At all the lights and sounds
Let 'em bring you in
Slow, burn, let it all fade out
And pull the curtain down
Wonder where you've been
- Yellowcard Lights and sounds



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Acorde numa manhã de fevereiro, num quarto estranho, numa cama mais macia do que a sua.

Está chovendo.

Você já dormiu em algum lugar estranho?

Tem um cheiro diferente.

July acordou cedo demais. Ainda estava escuro, e sua companheira de quarto ainda dormia sem fazer um único barulho. Nem de respiração.

Seria engraçado se ela tivesse morrido.

Um pensamento bastante estranho, aliás. Principalmente vindo de alguém que tinha medo do escuro.

Por que ter medo do escuro? O que pode haver lá? O que não havia lá?

Grande coisa. July não sentia medo do escuro quando não estava sozinha. Sentia que as coisas, seja lá o que fossem, só iam pegá-la se estivesse sozinha. Que grande pensamento idiota. Por que as ‘coisas’ só pegariam a ela? O que a fazia tão especial que esses demônios poderiam querer com sua vida e não com a de Lua, sua companheira de quarto?

Aliás, Lua, era alguém, definitivamente, na lua.

“ Essa menina tem que ter DDA”              

Uma hora depois de ter acordado, o sinal de acordar do colégio tocou. Era seis da manhã. Ainda chovia e fazia calor.

Lua acordou devagar. Olhou para o lado e se deparou com July no notebook, digitando compulsivamente.

- Bom dia. – Lua se espreguiçou, e pareceu não se importar muito com o fato da companheira estar acordada.

- Bom dia.  – July fechou o notebook.  – Quer tomar banho primeiro?

Lua não demonstrou ter ouvido. A garota esfregou o olho, sentada em sua cama, e ficou parada olhando pra frente um tempo.

- Lua?

- Ah!  - ela olhou para July, gaguejou , assustada – Aham. Ah. O quê?

- Quer tomar banho primeiro?

- AAAHhh. – um som parecido com rejeição - Eu não tomo banho de manhã.

July riu e se levantou. Demorou cinco minutos no banho. Ao sair, Lua estava ainda de pijamas, arrumando o material. Pensou que talvez fossem se atrasar, mas Lua já estudava lá há muito tempo. Podia simplesmente se atrasar assim?

Podia.

As duas chegaram em cima da hora, entrando na sala junto com o professor.

Lua foi direto para o fundo, e July achou razoável segui-la.

- Fala, vadia. – disse uma das meninas, de cabelos loiros, olhos muito azuis e óculos. – Vai ano, entra ano, e sempre a mesma porcaria, heim?

- Ah, mas é uma vaca mesmo.  – disse Lua, botando as mãos na cintura de forma teatral.

July achou engraçado.  Não eram xingamentos, tampouco se desgostavam. Era, provavelmente, a forma de se tratarem no dia-dia. Muito mais honesto e verdadeiro que os bom dias que dava aos amigos da escola.

- Olha só, estão assustando a menina, gente.  – um garoto extremamente magro, de pele mais corada e cabelos negros, apontou July com a palma da mão virada para cima.

- O que pode ter assustado ela mais do que estar no quarto da Lua? – perguntou a garota de óculos. – Aliás, qual seu nome?

- July. – respondeu a menina dos cabelos extremamente ruivos.

- Peraí! – uma quarta pessoa, que July sequer tinha notado se pronunciou.  Era um garoto pálido, de óculos, mais encorpado do que o primeiro. – July?

- É. July.

- July tipo… Julho? – perguntou a garota de óculos.

- Algo assim.

- Ah tá. – o Segundo garoto deu de ombros. – Meu nome é Dean.

- Olá, meu nome é Dean e eu sou o garoto do intercâmbio. Aplausos. – encenou Lua, mexendo a cabeça de um lado pro outro.

- Olá, meu nome é Lua e eu sou uma vaca. – imitou Dean.

- Ah... – Lua baixou a cabeça fingindo desapontamento, mas quase não segurando a risada.

- Mike. – disse o garoto alto, apertando a mão de July, ainda num meio riso graças à cena anterior.

- Ai, meu nome é Nina e o delicinha ali quer começar a aula, então calemos nossas boquinhas.

Delicinha, evidentemente, era um apelido irônico para uma criatura que parecia o Patrick estrela e esbanjava indelicadeza.

O resultado dessa apresentação foi a perfeita aceitação de July.

Aquela turma a fazia rir como nunca havia rido. E os amigos que tinha antes daquele lugar simplesmente desapareceram. A timidez ainda estava presente, mas ela se permitia rir mais alto de vez em quanto.

E rapidamente, July aprendeu tudo que era necessário sobre os novos amigos e o básico daquela escola.

Por exemplo.

July aprendeu que odiava, ignorava e falava mal de quase todas as pessoas da sala, mesmo aquelas que não lhe davam motivo pra isso.

 E não importava o quanto fosse se ferrar por isso, Mike nunca ia mentir para os pais. Se fosse numa festa, e lá tivesse bebida, ia contar tudo em detalhes, mesmo que não bebesse, e mesmo sabendo que os pais iam proibi-lo de ver os amigos que estavam na festa, e provavelmente ligar para o colégio reclamando do ocorrido.

Não importavam as consequências, Mike era honesto e verdadeiro com os pais, o que o tornava um problema em certos momentos.

Isso porque o colégio tinha festas constantes, e July aprendeu a gostar delas. Aprendeu a beber também. E tão logo ficou bêbada pela primeira vez.

E assim, muito cedo virou alvo da desconfiança dos pais de Mike.

Mas isso não era lá grande coisa, já que Nina era o desenho perfeito da péssima influencia para Mike, segundo os pais dele, e eles continuavam sendo amigos  - e os pais sabiam, apesar de não gostarem.

Nina, por sinal, foi quem introduziu July ao mundo das festas e das bebidas. Ela era mais ‘liberal’ por assim dizer.

Com Nina, July também aprendeu a achar o professor de matemática o ser mais perfeito do universo. July o achava atraente, mas Nina era obcecada.

Com Dean July não aprendeu muita coisa, pois, apesar da alegria e das gargalhadas que dava ao lado do novo amigo, não sabia quase nada sobre o intercambista. Nem tampouco de onde tinha vindo. Só sabia que se davam bem.  Que gostava de conversar com ele. Era como se não precisasse ser tímida ao seu lado. Sentia-se conversando com si mesma, apesar de serem muito diferentes.

Ah, aprendeu que Dean odiava Mike e vice versa.

E com Lua, July aprendeu a se preocupar menos. Aprendeu a rir das aleatoriedades da companheira de quarto, que sempre aparecia com algum acontecimento novo, alguma música estranha que cantava nos momentos mais inapropriados.

July aprendeu um pouco sobre algumas outras pessoas, também.

Aprendeu que Max era o garoto mais desejado do colégio, mesmo que ela mesma não o desejasse tanto assim.

Aprendeu que Peter era o professor mais adorado, por ser todo engraçado e brincalhão, além de muito novo. Mas não era esse o professor de matemática.

O professor por quem Nina era ‘devota’ era muito mais velho. Já tinha seus quarenta anos e, apesar de não ser o mais adorado – afinal, matemática não ajudava muito – também era querido. Principalmente pela parte feminina da escola.

Aprendeu que a senhora Celina requeria cuidado ao conversar. Uma palavra estranha, e seus pais saberiam.

Aprendeu a ter uma raiva saudável e especial de Johanna, a garota puritana e poetiza que veio lhe oferecer deliciosos biscoitos recheados com chocolate, que ela mesma tinha feito. Ela era bonita, delicada, falava baixo, e causava raiva no grupo todo.

‘Santa do pau oco’. Dizia Nina.

‘Veste cinta liga debaixo dessa roupinha bonitinha’. Ria Dean.

Devidas apresentações feitas, é hora do fato que separa essa história de uma simples história sobre a vida de cinco adolescentes.

- Hey, bora dormir lá no meu quarto. A Julia vai pra festa daquelazina lá. – disse Nina, a respeito de sua companheira de quarto.

Mike deu de ombros.

- Por mim tudo bem.

- Seus pais deixam você dormir no quarto da Nina? – perguntou Lua, boquiaberta.

- Não é como se ela fosse me estuprar ou algo assim. – disse Mike.

- Ui, sou perigosa, vou estuprar o Mike.

- Ai, eu sou o próximo. – brincou Dean.

- Bem, eu com certeza posso. – disse July.

- Estuprar o Mike!?

- Não, Lua. – July quase riu. – Ir dormir no quarto da Nina.

- Ah. – ela baixou a cabeça, fingindo desapontamento, como sempre fazia. – O assunto era estuprar o Mike.

- O assunto deixou de ser meu estupro há muito t…AI!

Nina havia dado uma cotovelada no amigo no momento em que Michel, o professor de Matemática, passava.

- Isso, vai falando de estupro enquanto o Michel passa. – disse Nina.

- Ah, Nina. Vai que ele ganha umas ideias pra usar em você. – brincou July.

- Ai, super vou dar ideias pra ele. Michel, vem cá e me estupra.

Mike e Dean riram por alguns segundos, com seus rostos começando a ficar vermelhos de rir.

- Mas Niii… - era como Mike a chamava quando estava rindo demais – se você pedir, não vai ser estupro!

- Estupro consentido, meu bem. – disse Lua, botando as mãos na cintura e olhando-o com ar de superioridade – E viva aos fetiches sexuais.

- Falou a que entende do assunto. – disse Nina.

Os cinco riram, e logo se separaram para pegar seus colchões e, sorrateiramente, empurrar até o quarto de Nina. Isso porque os meninos, teoricamente, não deviam estar naquela ala.

Colchões a postos, eles estavam prontos pra fazer qualquer coisa, menos dormir.

- A gente pode brincar de verdade ou desafio. – Propôs Nina.

- Ah, não, a July nunca aceita os desafios.

July não gostava de se expor ao ridículo e pagar prendas esdruxulas, então sempre pedia verdade. E não havia muito o que esconder em sua vida.

Dean, por outro lado, não tinha vergonha de nada. E nunca pedia verdade. Ninguém sabia nada sobre ele, de que país tinha vindo e sequer quem eram seus pais, e não tinham a chance de perguntar.

O assunto, no caso, não precisou virar um jogo, na verdade. Eles emendavam uma conversa com muita facilidade. Em pouco tempo estavam rindo por qualquer motivo. E quando se deram conta, era três da manhã, e resolveram dormir.

Era quatro da manhã quanto todos acordaram.

Um feixe de luz extremamente forte invadiu o quarto. Não havia para onde olhar, tudo era um imenso branco brilhante que doía suas vistas. Eles fecharam os olhos e gritaram de dor, pois suas retinas pareciam queimar mesmo assim. Alguns se esconderam debaixo dos cobertores, outros botaram o travesseiro no rosto.

Quando o brilho diminuiu, cerca de dez ou quinze segundos depois, eles olharam para o quarto a tempo de ver um vulto saindo dali e fechando a porta.

Mike foi o único que se levantou correndo e abriu a porta de solavanco, procurando pelo ‘brincalhão’. Mas não havia ninguém no corredor.

Suas vidas mudariam muito dali em diante.


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Notas finais do capítulo

Prévia do próximo capítulo:
O grito não foi instantâneo. Todos no lugar engoliram as vozes em suas gargantas secas, sem pronunciarem um único som a tempo de perceberem que, ao fitar a luz do quarto, aquela coisa, com seus olhos amarelos, contorceu seu o corpo todo dolorosamente.