Anne Bergerac: As Portas Da Contradição escrita por Ana Barbieri


Capítulo 2
Capítulo 2




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Capítulo 2

  Acho que se passaram duas semanas desde o último caso do meu amigo Sherlock. Penso isso pelo simples fato de que ele está mais cheio de ironias do que o normal e isso está começando a me aborrecer. Como se já não bastasse se denominar a mente mais brilhante de Londres, ele ainda tem que ficar fazendo seus joguinhos com Watson ou principalmente comigo. Se tem uma coisa da qual ele gosta mais do que seu violino é de me irritar. Insuportável e razoavelmente certo às vezes.

          Como por exemplo o que aconteceu hoje de madrugada. Eu estava absorvida em um dos meus sonos, acho que no quinto sono. De repente, às cinco da manhã, eu escuto um som. Melodioso, ainda que eu estivesse com sono, vindo da sala. Não acreditei. Só podia ser ele.

          _ Há essa hora? – foi à única coisa que consegui dizer ao descer as escadas e encontrar Sherlock Holmes sentado no sofá, com seu roupão de cor barroca, tocando violino.

          _ Bem, é a primeira vez desde que chegou a esta casa senhorita Bergerac, que me encontro em um momento inoportuno. Semanas sem receber um caso sequer.

          _ E isto é um insulto a sua inteligência eu suponho. – eu não contive o riso que veio a seguir. Ele não se zangou, mas não sorriu também.

          _ Apenas não gosto de ficar tanto tempo sem um caso. – ele disse voltando-se para o violino.

          _ Lamento por você. Contudo, existem pessoas nesta casa que apreciam uma boa noite de sono. Será que poderia deixar que elas dormissem?

          _ Pensei que entenderia minha cara. Seu pai não era tão diferente de mim nesse aspecto.

           _ Pode estar certo nisso. Mas, ele não acordava às cinco da manhã para tocar violino e acordar todo mundo. – disse após uma risada irônica. – Com sua licença senhor Holmes, gostaria de voltar para o meu quarto. Consciente de que agora conseguirei dormir.

           _ Tem toda. Prometo deixá-la dormir agora, vou acompanhá-la em sua subida. Acho que também vou voltar para cama. – e veio ao meu encontro. Após um breve revirar de olhos da minha parte, voltamos para nossos respectivos quartos.

           Depois disso, conseguimos dormir por longas horas... Se bem que depois disso eu só dormi mais uma hora. Tive de acordar para ajudar a Sra.Hudson. Ser escravizada não é bom, mas é melhor do que sair por aí trabalhando de costureira para pagar minha parte do aluguel. Lavei, passei um pouco, lavei mais e remendei muito. Já são seis da tarde. É incrível como o tempo passa rápido em Londres. Estou sendo obrigada a levar o chá de Holmes, realmente fantástico.

           Estou subindo as escadas batendo pé, para deixar clara minha desaprovação. Levar o chá de sua majestade... Eu sou a sub-governanta não a empregada. Entrei no quarto e ele estava lá. Olhando pela janela. Chega a ser engraçado o fato de que, toda vez que olho para ele, me parece que está pensando.

            _ Seu chá Sherlock.- chamem o Watson, ele precisa de um médico. É a primeira vez que entro no quarto dele e ele não me olha com reprovação. Os tempos estão mudando.

            _ Obrigado Anne. – eu já ia me virando para ir embora. – Não vai ficar para tomar chá comigo?

            _ Como é? – olhei para a bandeja. Haviam duas xícaras. O que a Sra.Hudson está aprontando? Nem quero pensar... – Ah, sim. Não percebi. Importa-se?

            _ Claro que não. Vai ser bom ter companhia. – só porque o Watson saiu não é? Tratante. Sentei-me de frente para ele na mesa.

            _ Quer que eu sirva?

            _ Eu sou perfeitamente capaz de me servir sozinha, obrigada. – céus! Agora eu fui grossa. Mas, ele fica querendo me tratar como criança.

            _ Não duvido disso minha querida amiga. Só acho que está um tanto cansada...

            _ Tenho força suficiente para isso. E se alguém irá servir nessa mesa serei eu, afinal, é o meu trabalho. – nem espero a resposta e já vou servindo a xícara dele. Metade cheia, com três cubos de açúcar.

            _ Já memorizou o jeito como eu gosto do meu chá. – não foi uma pergunta. Foi uma observação que soou como uma pergunta.

            _ A Sra.Hudson quem prepara a bandeja, mas, sou eu quem prepara o chá. – o sorriso que ele deu não me escapou. Após servir o meu, entreguei a xícara para ele. Ficamos em silêncio por poucos minutos, quando ele lançou uma pergunta.

            _ Tão séria. – eu ri.

            _ Minha mãe me ensinou que quando não temos nada para dizer, devemos ficar caladas. – agora ele riu.

            _ Logo você, que sempre parece ter algo para dizer. Conte-me o que se passa em sua cabeça agora.

            _ Me pergunto, por que chamamos de chá das cinco, se são seis horas?

            _ Não faço ideia, talvez uma preferência de alguém em uma posição maior que a nossa.

             _ Aposto que os franceses fazem piada sobre isso. Aqueles miseráveis.

             _ Por que desaprova tanto os franceses? – quase não falo sobre isso. Só em murmúrios... Por acaso ele presta atenção a cada passo que eu dou? Meu Deus, como o Watson aguenta?

             _ Só comentei isso agora, como sabe que os desaprovo tanto? – agora eu descubro.

             _ Certa vez ouvi você falando sobre isso com um velho amigo de seu pai. Por quê?

             _ Por que prestou atenção em uma conversa que tive com um amigo de meu pai?

             _ Para saber se descobriria como soube onde eu havia ido na tarde de cinco de Outubro, ou seja, no meu último caso, quando vi você no meio daquele tumulto.

             _ Não precisei falar com ninguém da Yard para saber, até porque Lestrade não toma partido nos seus casos. Apenas quando são avisados. – e porque ele se preocupava que eu soubesse?

             _ E porque se preocupa que eu estivesse lá? – perguntei antes que ele pudesse contradizer minha última resposta.

             _ Não quero você metida no meu trabalho Bergerac. Não é apropriado para uma dama e além do mais, prometi a seu pai que cuidaria de você. – até agora eu me mantive calma. Sinto que ele também está tentando não avançar contra mim, mas, agora é demais.

             _ Eu sei me cuidar muito bem sozinha Sherlock Holmes! Meus pais pagaram professores de defesa, de esgrima e eu sabia manusear uma pistola como ninguém da Scotland Yard! Não insinue que sou um alvo fácil!

             _ Não quis dizer isso Anne...

             _ Quis sim! – retruquei, me levantando agressivamente da mesa. – Saiba que pode tentar me separar do perigo. Porém, jamais conseguirá tirar o perigo de mim. Faz parte de quem eu sou. Se me deixasse, poderia mostrar a você. Watson sempre confiou em mim, só você... Seu machista! Acha que eu não seria capaz! – ele se levantou. Ficamos nos fitando por um longo tempo. Até que percebi, ficar aqui na frente dele olhando, não resolveria nada. Fui para a porta, contudo a voz dele me parou.

             _ Está certo. – me virei e o encarei. – Tem minha permissão, para nos acompanhar em nosso próximo caso Anne. Watson, você e eu. Eu dou minha palavra. Até porque, não gosto de vê-la tão triste ou que fique zangada comigo por muito tempo, como sei que ficaria caso saísse dessa sala assim. – eu me acalmei. Poderia finalmente acompanhá-los.

             _ Esta proposta é séria Holmes? – assim que ele me acenou que sim, não tive mais controle dos meus atos. Como uma criança que acabara de ganhar um brinquedo novo de seu pai, corri para os braços de meu amigo e o abracei. Murmurei um “Obrigado” no ouvido dele e o beijei no rosto. Corri para meu quarto, tão ansiosa quanto Holmes para o próximo caso. Estou certa de que será uma experiência que jamais esquecerei.




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