Feliz Aniversário, Dionísio! escrita por Mandy-Jam


Capítulo 7
Cartas


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE

 

Dionísio abriu a porta da Casa Grande, e uma onda de água molhou-o até a altura das canelas. A sensação das meias em seu pé sendo encharcadas aumentou ainda mais o ódio que o deus do vinho sentia por aquele lugar e por cada criança que ali ficava.

Andou até seu quarto pisando no piso molhado. Em algumas partes a madeira rangia violentamente, como se fosse quebrar sobre os pés gordinhos do olimpiano. As paredes, assim como Quíron falou, estavam pichadas com frases ridículas como “beije meu pégasos” ou “BUNDA” escritas em grego, mas ainda assim perfeitamente legíveis.

Se eu colocar a minha mão em vocês, pensou Dionísio indo para seu quarto. Vou dar uma surra tão grande que não vão conseguir mais sentar até a próxima encarnação.

Pegando suas coisas mais importantes e colocando-as dentro de uma caixa de papelão improvisada, Dionísio sentiu-se como se estivesse revivendo o dia em que fora expulso do Olimpo para viver seu castigo.

Lembrava-se muito bem de como chegara na sala de reuniões, e uma caixa muito parecida com aquela estava posta aos pés de seu pai no chão com seu nome escrito de maneira desleixada com marcado de texto.

— Está brincando. — Disse ele sem acreditar no que Zeus tinha acabado de falar. Riu em desespero e olhou em volta, buscando por Hefesto e Hermes, que provavelmente estariam fazendo parte daquela maldita pegadinha e filmando tudo para a TV dos deuses. Porém, nada — Que sacanagem é essa?

— Olhe a boca. — Alertou Zeus e então chutou a caixa na direção do deus, fazendo-a deslizar pelo chão listo e brilhante — Aí dentro está tudo que importa para você. Vai para o Acampamento agora mesmo, e se tornará o diretor. Quíron o aguarda, eu já conversei com ele.

Dionísio protestou, implorou, mas Zeus nem mesmo se comoveu. A raiva já tinha tomado conta de seu pai de uma forma irreversível, não havia porquê tentar discutir.

— Minha esposa. — Falou olhando para a caixa que pegara no chão. Zeus ergueu uma sobrancelha, e ele prosseguiu — Disse que minhas coisas mais importantes estavam dentro dessa caixa. Bem, eu não vejo Ariadne aqui.

— Se dá tanta importância para a sua esposa, talvez devesse ter pensado melhor antes de buscar amor nos braços de outra mulher. — Rebateu com um humor sádico ao vê-lo contorcer o rosto em fúria e mágoa.

Quem é você para falar isso para mim?, pensou com ódio. Eu sou seu filho bastardo, e igual a mim existem centenas.

Mesmo assim, ele foi, e lá estava de novo, revivendo a situação de ser expulso do único lugar que lhe dava conforto. Passou a mão pelo rosto, em negação, quando alguém bateu na porta já aberta. Dionísio não ia se virar para ver quem era, mas o fez quando ouviu a voz o chamar.

— Pai?

Seus olhos encontraram seu filho Pólux, em pé na soleira. Os cabelos pretos cacheados do garoto, assim como suas bochechas vermelhas eram um reflexo de Dionísio em tempos mais jovens.

— Sr. D. — Corrigiu o semideus, limpando a garganta. Dionísio não faria questão de formalidades com seus filhos, mas aparentemente era algo que acontecia apesar de sua vontade — Quíron falou que você precisava de ajuda para se instalar no Chalé 12, e que tinha coisas que precisavam ser levadas.

— Segura isso para mim. — Murmurou entregando a caixa de papelão para ele. O jovem se prontificou em pegar, e esperou por mais ordens — Acho que isso é tudo.

— Tem certeza? — Perguntou o garoto com o cenho franzido. Olhou para o interior da caixa e viu que só tinha duas camisas, uma bermuda e um pente. Dionísio colocou um chapéu na cabeça, o mesmo largo que usava quando ia caminhar pelos campos de morangos — Só isso?

— O que mais eu levaria? — Rebateu dando de ombros e olhando para o quarto — Não tem nada aqui que eu precise.

— Que tal um livro? Talvez seu baralho de cartas? — Sugeriu olhando em volta também — Uma cueca limpa também seria bom.

— Eu não uso cueca. — Desdenhou com a mão, fazendo as sobrancelhas do garoto erguerem. Aparentemente, era mais informação do que o garoto precisava, mas Dionísio não percebeu — Sabe jogar pôquer?

— Não. — Admitiu.

— Bridge?

— Também não.

— Black Jack?

— Sinto muito.

— Eu falhei como pai. — Suspirou pesadamente — Paciência?

— Sim. — Sorriu Pólux. Dionísio balançou a cabeça, considerando a ideia melhor do que nada. Pegou o baralho na gaveta e jogou dentro da caixa de papelão, ignorando o diário que estava embaixo dele.

Não mudaria nada se eu escrevesse até a última página dessa porcaria, pensou ele. Nada vai me fazer sentir melhor.

— Vamos, garoto. Não tenho o dia inteiro. — Falou andando para fora da Casa Grande.

Pólux o seguiu por todo o acampamento em completo silêncio. O garoto era o único filho de Dionísio que ficava ali, o que não era nada fácil. Constantemente tinha que lidar com reclamações dos outros campistas quanto a seu pai, ouvir piadas sobre a sua função de catar morangos, e vez ou outra fugir de uma surra de algum filho de Ares enfurecido por ter levado uma bronca do velho Sr. D.

Por sorte, Pólux era o que qualquer pai poderia chamar de “bom garoto”, e não se deixava levar pelas implicâncias de seus colegas. Ele não entendia o pai, mas sabia que no fundo ele o amava, e isso era o suficiente por enquanto.

— Hera esteve aqui no Acampamento, o senhor viu?

— É possível não ver uma girafa no meio de uma quadra de basquete? — Rebateu de mau humor. Pólux assentiu com a cabeça — Preferia não ter visto.

— O que ela queria? — Perguntou, sem saber ao certo se devia perguntar ou não.

— Destruir a minha casa. E veja só, ela conseguiu. — Riu de raiva — Ela sempre consegue o que quer, no final das contas.

O semideus resolveu não perguntar mais nada até chegarem ao Chalé 12. Assim que abriram a porta, Dionísio adentrou olhando a construção feita em sua honra e a de seus filhos. Havia quatro beliches, todos vazios com exceção de uma cama. As paredes eram roxas com desenhos de videiras.

Havia uma mesa redonda com três cadeiras perfeitamente organizadas, e uma escrivaninha no canto com alguns papéis em cima. A porta do banheiro ficava ao lado do armário de roupas.

— Tudo bem, bem-vindo ao chalé 12. — Falou Pólux quebrando o momento de silêncio e fechando a porta. Caminhou até o armário, abriu-o e colocou a caixa ali dentro com as coisas do pai — Vou deixar suas coisas no armário. O banheiro está aqui, a torneira da esquerda é a de água quente. Sugiro que você abra primeiro a de água fria e vá regulando com a outra, senão vai se queimar.

— Ótimo. — Resmungou ainda emburrado, apesar da gentileza do filho.

— Pode escolher qualquer beliche. Tem bastante espaço. — Falou abrindo os braços. Apontou para a cama superior no canto, com o lençol bagunçado — Eu durmo ali.

— Você dorme em cima? — Perguntou olhando para o lugar onde ele apontava.

— É, é que- — Ele se interrompeu por um instante. O cenho se franziu em um sinal de leve pesar — Castor dormia embaixo. Ele se mexia demais para a cama de cima, então…

A voz dele foi diminuindo aos poucos até se extinguir antes de completar a frase. Dionísio sentiu o aperto no peito, lembrando do filho que morrera durante uma das batalhas contra Cronos. Balançou a cabeça e deixou-se sentar na cama do outro lado do quarto.

— Você está bem? — Perguntou ao filho. Pólux assentiu com a cabeça.

— Sim, estou. — Concordou — Eu sinto falta dele, é só isso. Nada demais. De qualquer forma, pode se sentir a vontade aqui. Ninguém nunca vem para o chalé 12, então vai ter um pouco mais de paz do que quando estava na Casa Grande.

Dionísio tombou o corpo gordinho na cama e fechou os olhos, desejando estar terrivelmente bêbado para não ter que lidar com tantas emoções conflitantes. Raiva de Hera, saudades do filho, ódio de sua pai, amor por seu outro filho, e desejo de vingança com aquele ou aqueles responsáveis pela destruição da sua casa.

— Não quer conversar, pai? — Perguntou Pólux, depois de alguns instantes de silêncio — Podemos falar sobre alguma coisa.

— Eu não quero falar, Pólux. — Respondeu ainda de olhos fechados — Quero sofrer em silêncio o meu destino miserável.

— É tão ruim assim ficar aqui? — A voz do garoto entregava todo seu incomodo.

— Se você se refere ao Acampamento, sim, é ruim. — Respondeu olhando para ele — Mas não tem como você entender, você é feliz aqui. Tem os seus amigos barulhentos, a tem comida e bebida a vontade e pode brincar de herói em segurança. Não sabe como era a minha vida no Olimpo antes de vir para cá. Não sabe o que eu estou perdendo.

Pólux assentiu uma única vez com a cabeça.

— Tem razão, eu não entendo. — Respondeu sério e foi para a porta — Vou te dar espaço, Sr. D. Venho te chamar quando Quíron organizar o jantar.

 

 

OLIMPO

 

As belas musas de Apolo cantavam ao mesmo tempo em que Ártemis andava pelo cômodo olhando os quadros, e se perguntando sobre sua relação com Dionísio. Ela era uma das olimpianas que menos gostava do senhor do vinho, considerando tudo que ele fazia inadequado e hediondo.

Lembrava-se de como sempre esbarrava com ele em meio a uma caçada, sempre das piores formas. Uma vez, as caçadoras estavam se banhando quando Dionísio, bêbado, tropeçou nos próprios pés, e rolou colina abaixo, caindo exatamente no lago onde as virgens estavam.

Outra, ela quase atirou nele confundindo-o com um urso. O deus estava dançando de forma ridícula junto dos sátiros, que o acompanhavam em sua loucura.

Detestável, pensou ela torcendo o nariz.

— Maravilhoso. — Elogiou Zeus batendo palmas, assim que as vozes cessaram.

— Irmãzinha. — Chamou Apolo, fazendo Ártemis virar para vê-lo. O deus do sol estava em pé próximo a suas musas, como se fosse um maestro, e aguardava para o julgamento dela — O que achou?

— Maravilhoso, é claro. — Repetiu as palavras do pai. Ártemis tocou em um quadro na parede com a ponta dos dedos, vendo a sua imagem e a de Apolo, guiando o Sol e a Lua respectivamente — Mas não podemos contar com suas musas.

— Por que não? — Indagou Apolo. Para o deus, a melhor forma de garantir que a música seria adequada para a festa, seria se ele mesmo comandasse. Com as musas, isso era possível, bastando que ele gesticulasse e elas começassem a cantar o repertório que ele mesmo tinha escolhido.

Ártemis lançou um olhar sugestivo para Zeus, que estava distraído olhando para as nove mulheres de longas pernas na sua frente, vestidas em roupas brilhosas e atraentes. Apolo entendeu a mensagem, tendo a confirmação do que ele temia: seu pai tentaria seduzir uma de suas musas e a festa acabaria com Hera colocando fogo em alguém — literalmente.

— Porque Dionísio não compartilha o mesmo gosto de música que você. — Respondeu ela, inventando uma desculpa plausível.

— Nem todo mundo tem bom gosto. — Suspirou Apolo, e gesticulou para as musas — Muito bem, garotas, vocês foram esplêndidas. Nos vemos mais tarde, vou manter contato.

As garotas foram embora, e Zeus suspirou pesaroso.

— Se vai descartar as ideias de seu irmão com tanta facilidade, Ártemis, espero que você mesma tenha algumas para oferecer. — Falou em um tom sério, mas delicado, somente dedicado a uma de suas filhas favoritas.

— Achei que o ponto de sermos um grupo, pai, era que todos nós deveríamos contribuir para tomar uma decisão. — Replicou cautelosa, e se aproximou dos dois. Sentou-se na cadeira ao lado de Zeus, que estava voltada para o pequeno palco onde Apolo estava em pé — Você teria alguma, grande Zeus?

Suas palavras não possuíam ironia, o que massageou perfeitamente o ego do soberano.

É assim que você consegue tudo que quer, pensou Apolo incomodado. Você bajula o nosso pai com dengos e ele atende todos os seus desejos.

— Devo dizer que eu estava gostando bastante da ideia das musas. — Murmurou coçando a barba. Antes que ele ordenasse que as garotas voltassem, Apolo se adiantou.

— Ártemis tem razão nesse ponto, querido pai. Elas são cantoras excelentes, mas é preciso ter um gosto extremamente refinado para apreciar sua música. — Falou sorrindo nervoso — Já tentei fazê-las cantar músicas da Demi Lovato ou do Maroon Five, mas não obtive sucesso.

— Isso é o que as crianças gostam hoje em dia. — Traduziu Ártemis, ao ver que Zeus franzia o cenho sem entender.

— Ah, sim. — Balançou a cabeça, pensativo — Bem, eu creio que tenho algumas sugestões, e acredito que meu gosto também é excelente.

— Vamos ouvir. — Disse Apolo, sentando-se nos degraus e esperando as sugestões.

— Bee Gees. — Falou com um largo sorriso. Apolo sentiu-se apunhalado no estômago.

— Bee Gees? — Repetiu com um sorriso oscilante — Pai, os Bee Gees morreram.

Zeus ergueu as sobrancelhas.

— Morreram? — Repetiu chocado — Então deve ser por isso que nunca mais ouvi falar deles.

— Prossiga, papai. — Pediu Ártemis, com um sorriso doce.

— Michael Jackson. — Sugeriu e Apolo passou a mão pela cabeça, sentindo uma veia latejar.

— Morreu também. — Contou sem emoção na voz.

— Não é possível! — Protestou Zeus. O deus dos deuses respirou fundo e se esforçou um pouco mais para listar suas bandas favoritas — The Carpenters.

Isso não pode estar acontecendo.

— The Carpenters acabou em 1982, pai.

— Abba! — Exclamou apontando para o filho, mas ao vê-lo fechar os olhos e gemer, percebeu que também não funcionaria — Os Beatles? David Bowie?

— Quer saber? Isso não é ruim. — Falou sorrindo para Ártemis e para Zeus — Tenho certeza que a festa vai ser maravilhosa. Ainda temos tempo de falar com Hera e pedir para mudar o evento para o Mundo Inferior. Talvez Hades possa emprestar o salão do seu palácio, e nós chamamos até o Elvis Presley.

Zeus detectou o sarcasmo de Apolo e lançou-lhe um olhar duro.

— Não gostei do seu tom, rapaz.

Eu não gostei de estar preso em um grupo com dois completos alienados de cultura pop. — Bufou levantando-se de forma dramática — Como posso trabalhar assim? O que fiz a Hera para merecer tamanha punição?

— Menos, Hamlet. — Falou Ártemis — Você pode chamar algum DJ e deixar que ele lide com a música por nós. Ele pode tocar qualquer coisa que os jovens gostem, e nós não teremos que pensar muito sobre o assunto.

— Não é assim que as coisas funcionam, Ártemis. — Reclamou ele.

— Prefere gastar seu tempo planejando algo para Dionísio? — Perguntou ela — Acha mesmo que ele vale todo esse esforço?

— Não é Dionísio que me interessa, é a perfeição. — Respondeu.

Ártemis gemeu como se sentisse extrema dor, e afundou o rosto nas mãos, cansada de ouvir o mesmo discurso de sempre. Apolo ajeitou a postura e insistiu.

— Você não entenderia, sempre cercada pelo mundo selvagem, mas eu sou o deus da civilização, da perfeição. Como eu poderia vincular meu nome a algo que não é exemplar? — Discutiu, horrorizado com a ideia — Pode imaginar isso? Um DJ horroroso escolhendo músicas tediosas, e os convidados se perguntando “quem será que escolheu essa cara?”, e Hera respondendo o meu nome com um largo sorriso de satisfação por ver-me passar esse vexame. Jamais! Não posso permitir que isso aconteça!

Zeus respirou fundo, cansado dos dramas do filho.

— Quando eu te vi bebê, nunca imaginei que cresceria para se tornar tão exagerado. — Resmungou o senhor dos céus — Não estamos discutindo perfeição, Apolo. Estamos discutindo entretenimento.

— De qualidade. — Contrapôs o deus.

— Eu tive uma ideia. — Falou Ártemis erguendo a mão de repente — Por que você não toca na festa?

Ora, por essa eu não esperava, pensou o deus.

 


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