Aquele, com certeza, foi o momento mais torturante da minha vida. Meus olhos fechados lacrimejavam sem parar, minhas pernas pararam de funcionar e minhas mãos procuravam desesperadamente algo em que me agarrar.

            A dor contínua me deixava louca, senti a mão pequena de Cristal pegar a minha e coloquei toda a minha força ali para não gritar, e ouvi Cristal resmungar.

            _Aguente firme, Alice._ ouvi ela dizer, mas a voz era tão fraca e distante que parecia vir de outro mundo.

            Mordi o lábio para não gritar quando a dor foi mais forte.

            Tentei abrir os olhos, mas as lágrimas me impediram, então os fechei com mais força.

            Senti uma lágrima rolar pelo meu rosto e meu pescoço doer. Agora parecia que uma mão apertava meu cérebro.

            _Relaxe, Alice…_era Cristal.

            Tentei seguir o conselho dela, mas parecia meio impossível.

            _Pronto, acabou.

            Voltei a cabeça para a posição normal e enxuguei as lágrimas.

            _Vamos lá, Alice, confesse, não foi tão ruim assim._ disse Yasmin enquanto segurava a pinça com seus longos dedos.

            _Tá brincando? Nunca senti dor maior.

            _Ah, você é muito dramática. Eu só tirei a sua sobrancelha!_disse Yasmin.

            _Doeu!

            _Sei disso._ ela deu de ombros._ Vem, Cristal. Vamos fazer uma progressiva em você?

            _Eu posso dormir?

            _Claro.

            _Então tá bom.

            E as duas foram embora, me deixando sozinha com a minha dor.

            Olhei-me no espelho. Por minhas sobrancelhas serem claras, só se eu olhasse bem de perto percebia a diferença. A Yasmin fizera um ótimo trabalho, para ser sincera.

            Percebi que suava e, pegando um biquíni e o colocando, fui para o Lago de Canoagem para nadar.

            Não me esqueci, é claro, de levar uma toalha, apesar de saber que Art mantia um estoque de toalhas no meio de um arbusto lá perto.

            Enquanto andava para o lago, pensei nos acontecimentos do dia anterior.

            A mão fria, pertencia a Art.

            _Ai!_ exclamei. Tinha batido a cabeça.

            _Desculpe.

            _Art! O que você faz aqui?

            Ele passou a mão pelo cabelo loiro e irregular.

            _Estava só olhando…

            _Olhando o quê?

            _A paisagem…

            Ele mentia muito mal.

            _Tá bom, então. Quando quiser me contar, me conta._ e foi me levantando para sair quando ele me segurou pelo braço.

            _Ai. Como sua mão está gelada!

            _É de ficar no vento._ ele disse, como se não tivesse muito certeza disso.

            _O que você quer?

            Senti seus lábios roçarem minha bochecha.

            Olhei para ele.

            Ele passou o dedo indicador pelas minhas sobrancelhas.

            _Estavam bagunçadas._ Justificou ele.

            Incapaz de dizer uma palavra voltei para o quarto.

            ­Foi então que resolvi fazer as sobrancelhas e Yasmin aceitou fazer para mim.

            Quando percebi, tinha chegado.

            O lago, como eu já disse, era um lugar realmente bom. Suas águas eram cristalinas, e, como estávamos em nosso horário livre da tarde, vários meio-sangues estavam lá. Algumas dríades estavam na margem paquerando os garotos. Duas meninas apostavam uma corrida de canoa. E cerca de 10 pessoas nadavam.

            Tirei meu short e chinelo e entrei na água. Nadei até o meio e coloquei a cabeça para fora da água.

            A água estava gelada! Não era de se surpreender, já que não tinha sol fazia um tempo.

            Não demorou muito e vi Art. Ele estava correndo ao longe e estava… (Que rufem os tambores!)… sem camisa…

            Fiquei o olhando de longe, no lago, só olhando, hipnotizada…     

            Quando uma cabeça surgiu do meu lado de repente. Levei um susto e me afastei.

            _Ah! Você me assustou!!

            _Desculpe._ disse o garoto, que reconheci como sendo um filho de Poseidon, Lion.

            Ele olhou para onde eu estava olhando antes.

            _Para onde você estava olhando??

            _Não é do seu interesse._ disse, me afastando.

            _A propósito, lindo biquíni!

            Corei.

            Ele devia ter o que? 8? 9 anos?

            Mergulhei e nadei para longe.

            Quando subi para recuperar o fôlego, vi que Rachel se aproximara.

            Rachel é nosso oráculo ruivo. Isso mesmo. Ela previa o futuro. Era muito sinistro quando isso acontecia.

            Ela se sentou na margem e ficou olhando para nós.

            Parecia distante. E triste.

            De repente, ela se levantou e pareceu entrar em transe.

            Todos os meio-sangues começaram a correr e um deles pegou um banquinho de três pernas sei lá onde.

            Nadei até ela e sai do lago, observando-a.

            Como da primeira vez que vi. Sua boca se abriu e dela saiu uma névoa verde.

            _Eu sou o espírito de Delfos, porta-voz de Febo Apolo. O deus tem algo a dizer.

            Todos olharam para Rachel, cuja cabeça pendia no pescoço.

            _Quando o patinho de borracha fizer pão… A vaca faz mu! As constelações são como…_ o oráculo dizia, como se fosse um rádio e alguém ficasse mudando as estações.

            _Isso está funcio…?­_disse uma voz que não era a do oráculo com certeza._Eu consegui, Artemis! Olhe!!

            _Cala a boca!­_disse uma garota.

            _Mas é verdade. Tem alguém me ouvindo? Ah, não importa quem seja. Aqui quem fala é Apolo. Eu e minha irmã estamos em perigo! Precisamos de ajuda! Sei que você estava esperando uma profecia, então aí vai uma: Ajude-nos e o mundo não vai acabar! A propósito… é muito importante… então tenha… você vai precisar…_ era como se a mensagem estivesse com interferência. A voz do deus era cortada. E foi ficando mais baixa, até que sumiu.

            A névoa verde voltou para o corpo de Rachel e ela abriu os olhos.

            Alguns meio-sangues desmaiaram.

            Senti-me tonta e levei as mãos à cabeça. O que tinha acabado de acontecer? De repente, todos os presentes começaram a cochichar, ouvi algumas falas:

            _Eu nunca vi nada parecido!

            _Será que era Apolo mesmo?

            _Se isso for verdade, alguém vai ter que ir atrás dos deuses.

            _Esse alguém não vai ser eu!

            Rachel nos olhou, curiosa.

            _O que o espírito de Delfos disse?

            _Não foi ele quem falou._ eu disse, me aproximando dela. Vi a confusão em seu rosto._ Foi Apolo.

            De repente, começou a chover. Peguei minhas coisas e, cobrindo a cabeça com a toalha, corri para o meu quarto na Casa Grande.        

            Todos os outros também correram para se abrigar.

            Entrei no quarto e me tranquei.

            Estava ensopada.

            Peguei uma toalha seca e junto com as minhas coisas molhadas eu fui tomar um banho. Tinha um banheiro no final do correr, ou seja, do lado do meu quarto, o que era ótimo.

            Despi o biquíni e pendurei a toalha e as roupas molhadas.

            Comecei a tomar meu banho. Enquanto a água quente do chuveiro caia sobre o meu corpo, eu pensei uma coisa.

            Não chovia não acampamento.

            A menos, é claro que o Sr. D, o diretor do acampamento, permitisse.

            Mas, então, por que ele deixou de chovesse?

            Ainda pensado nisso, me enxuguei e enrolei-me na toalha seca. Sai do banheiro e voltei para o meu quarto. A cortina estava fechada.

            Caminhei em passos lentos até o armário, peguei uma blusa do acampamento e um short qualquer, os vesti sem pensar muito no que fazia e, pegando minha escova rosa, penteei os cabelos molhados.

            Pus meu chinelo branco e abri a cortina, para observar a chuva caindo.