A Coletora escrita por GillyM


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Um acontecimento no passado.
Boa Leitura!



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Arizona, 1985.

Roxy

Faltavam poucos segundos para o cair da noite, e as pessoas daquela pequena cidade nem imaginavam o que acontecia ao seu redor, enquanto levavam suas vidinhas inúteis. Mas eu sabia, e para a infelicidade delas, havia outros que sabiam também. Não sei muito sobre mim, mas também pouco me interessa, o que me interessa é que dentro de mim mora o vazio, foi assim desde sempre. Neste exato momento, isto também não importa, o que importa é que o sol finalmente se pôs. Chegou a hora de sobreviver.

Ele estava lá, quieto, a minha espera, perdido em meio à mesma escuridão de sempre, esperando que me entrega-se, certo de que conhecia a minha essência. Como se a redenção fizesse parte da minha natureza, como se eu não pudesse vê-lo ali, estático, cedente por algo que ele nunca terá. Ele estava em todos os lugares por onde andei, há meses ele me segue, sempre esperando a melhor hora para se aproximar.

Levantei-me e dei alguns passos, as vozes em minha cabeça me deixavam confusa, e isto não é bom quando se tem alguém esperando para se aproveitar de alguma fraqueza. Havia passado o dia todo naquele ponto de ônibus, mergulhada em mim mesmo, mesmo sabendo que não se deve ficar em silencio, pois em silencio eu podia ouvi-los, e eles faziam questão de dividir seus sentimentos comigo. Confusa eu continuei andando e ele estava lá me espreitando, me acompanhando quadra a quadra, do outro lado da calçada, até que chegamos aquele parque e finalmente estávamos a sós.

Desconhecido

Seus passos eram desencontrados, seu olhar estava perdido e sua mente parecia vazia, ela andava sem rumo e por alguns instantes, parecia sentir minha presença. A principio seria uma presa fácil, senão fosse por todo este mistério, por toda essa força que me confunde e me desafia, a meses que eu a espreito, mas toda vez que tento me aproximar, algo parece não estar certo.

Finalmente o meu momento chegou, aquele parque não era o lugar ideal, sempre imaginei um local diferente para isso, mas entre todas as tentativas falhas que tive, aquela parecia ser a única. Estávamos à sós, então me aproximei, mas diferente de todas as outras presas, eu não a queria como um animal, ela não atentava meus instintos, tão pouco me deixava cedente, por isso precisava seguir em frente e desvendar todo esse mistério que desafiava toda a lógica de minha existência, pois em determinados momentos, poderia jurar que ela tinha conhecimento de minha natureza.

- Há meses que espero por você, parece até que se esconde de mim – Sussurrei em seu ouvido - Não fique com medo, sou um cavalheiro.

Ela não era como todas as outras, nem na carne, quanto menos na essência.

- Você acha que será tão fácil assim? Não vou me entregar a você – Ela respondeu ao me encarar, mas as palavras suavam docemente – O que você quer você não terá.

- Talvez eu não tenha, não agora – Disse ao sentir alguém se aproximando.

- Algum problema? – Gritou uma mulher, que surgiu sob a luz do poste de iluminação com um tijolo em uma das mãos.

Roxy

- Acho que estou com sorte – Sussurrei para que a mulher não me ouvisse.

- Sim, você está com muita sorte, mas quanto maior a espera, maior o prazer – Seu tom era ameaçador, mas meu corpo não reagiu ao ouvir aquelas palavras.

Num piscar de olhos, ele desapareceu. Foi como se aquilo nunca tivesse ocorrido.

- Você esta bem? Você o conhecia? Acho melhor irmos embora daqui, ele pode voltar. Você quer uma carona?- Disse a mulher.

Então aquela sensação tomou conta do meu corpo. Desespero, atração, desejo, eu não podia ver, sentir, ouvir mais nada. Eu era guiada pela aquela sensação, se é que isso é uma sensação, nunca soube defini-la perfeitamente. Aquilo tomava conta de mim e como uma fera faminta que só pensa na carne, eu só conseguia desejar aquilo. Estranhamente eu sabia exatamente para onde ir, o que fazer e como agir.

- Sim, preciso de uma carona. Eu moro na saída da cidade, próximo ao lago do sol, pode me levar até lá?

- Claro que sim, meu carro está parado logo ali – Disse ela, apontando para o norte - O que faz aqui sozinha? – Ela me perguntou enquanto caminhávamos.

- Minha mãe trabalha próximo ao parque, ela é enfermeira, mas de ultima hora teve que dobrar o turno e eu fiquei sem carona para voltar para casa.

- Parei para jogar o lixo no cesto do parque e lhe avistei, mesmo sabendo que era muito perigoso, resolvi te ajudar - Ela disse sorrindo.

-Obrigada – Disse e retribui o sorriso.

- Chegamos, este é meu carro... É minha casa também, é tudo que tenho – disse ela abrindo a porta de um carro bem velho.

Andei em torno do carro até chegar à porta do passageiro e quando me adentrei ao veiculo, eu a vi no banco de trás.

- Sou Lisa e esta é minha filha Clara, ela só tem oito anos – Dizia a mulher.

Clara sorria para mim segurando um pequeno gatinho de pelúcia. Então aquela sensação me possuiu por completo. Naquele instante as trevas tomaram conta de meu corpo. Sinceramente, não me lembro o que ocorreu no caminho que nos levava até aquela cabana abandonada à beira do lago, um lugar isolado e perfeito, mas me lembrar não faria diferença alguma, esta não é a parte que importa.

Lá estava a garotinha, sentada na velha cadeira, chorando, implorando por sua mãe, mas outra coisa que devem saber sobre mim é que também não faz parte da minha natureza poupar. Sua mãe estava lá, eu não a mantive presa, assim como as coisas fúteis da vida eu não precisava dela, pelo menos ainda não era sua vez, sinceramente espero que nunca seja. Ela ficou ali, na janela, observando e gritando cada vez mais alto, em vão, é claro. Eu sabia exatamente o que estava fazendo, aquilo era o fardo que eu carreguei por toda vida.

Aproximei-me, e fiquei ali parada, a sua frente, como o de costume. Demorou poucas horas e ela finalmente parou de chorar, aquele era o momento exato. Quando tudo acabou, ela estava imóvel, sua mãe já não estava a espreitar na janela, então abandonei a velha cabana levando comigo o gatinho de pelúcia, sabia que seria útil no futuro. Ao sair me deparei com aquela mulher, desmaiada em frente a janela, a ignorei, segui em frente, e voltei ao ponto de ônibus. Deitei-me no banco de espera e fechei meus olhos, me preparei para a pior parte da noite, mas o lado bom da próxima parte é que quando estou nessa condição ninguém ousa se aproximar. Talvez eu seja protegida por algo, isso ainda é um mistério para mim.

- Oi! Por que não vai procurar um abrigo para pessoas de rua? – Disse uma senhora me batendo com o seu jornal, e com cara de poucos amigos.

Foi assim que acordei naquela manha, o sol já brilhava no céu, a cidade estava alvoroçada, talvez tivessem descoberto o que fiz. Quando vi o carro da policia a vasculhar cada canto da cidade e olhar para o rosto de cada pessoa, soube que era hora de retomar meu caminho, e ir para bem longe.

Onde nasci, qual é o meu verdadeiro nome, por que faço as coisas que faço, sempre foram perguntas que nunca soube responder. Sobre meu futuro sei menos ainda, tudo que sei sobre ele é que não irei para o paraíso, certamente. 


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Notas finais do capítulo

Gostaram???
Merece Reviews???
Devo continuar????
Bjus