As férias estavam prestes a acabar. Em breve todos voltariam para suas escolas ou iriam para a faculdade como Alice e Mattia. O convite para estudar na Universidade de Nova York estava guardado no bolso de Mattia. Aquela carta de poucos gramas pesava toneladas na consciência do pobre garoto. Dar a noticia para Alice seria difícil e doloroso. Desde que se tornaram amigos, Mattia nunca pensou que teria de dizer adeus a amiga. Ela era umas das poucas pessoas que Mattia deixava entrar em seu obscuro universo, onde o silencio era o principal dialogo.

Uma serie de coisas voavam de dentro do closet de Alice como se tivessem vida própria. Um urso capenga acertou o rosto de Mattia que estava deitado na cama. Enquanto ela revirava o seu quarto, Mattia olhava o seu trabalho para encontrar algo dentro do seu armário.

“Hey Ali. Você me acertou!” Mattia reclamou jogando o brinquedo de volta.

“Desculpa.” Alice pediu.

Mattia se levantou e foi para perto dela.

“Não consigo achar.” Alice murmurou.

“Achar o que?”

“A câmera que ganhei no natal do meu pai.”

Mais algumas coisas voaram pelos ares.

“Eu guardei ela, por que prometi que não usaria nenhum presente dele.”

Mattia riu.

“Sério? Poupe-me Ali.” O rapaz zombo. “ Então por que o interesse na tal câmera agora?”

“Decidi que vou fazer fotografia!” Alice sorria como criança.

“E o direito?”

“Meu pai quer que eu estude direito, mas eu não! Se ele quer tanto, ele que faça!” Alice disse ríspida.

Mattia levantou as mãos como se estivesse se rendendo.

 “Matti sorria!”

O garoto foi pego de surpresa.

“O que?”

Um flash de luz se acendeu um pouco depois de Mattia se virar para Alice. Ela havia tirado uma foto do amigo. Mattia tentou  pegar a câmera das mãos de Alice sem sucesso.

“Deixe-me ver.” Mattia pediu.

Alice lhe virou o visor da câmera sem soltá-la.

“Estou parecendo um idiota.” Ele reclamou.

Alice gargalhou como uma criança.

“Você está sempre parecendo um idiota.”

Mattia deu a língua para Alice.

A câmera de Alice era cara de um modelo profissional. Mattia pensava que Hector e Fernanda davam presentes caros para a filha para compensar a falta de carinho da parte deles. Não era de se estranhar que Alice tivesse se tornado amiga de Viola Bai. Os pais de Alice pareciam distantes para Mattia. Ao contrario dos pais dele que sempre recebiam Alice com sorrisos e simpatia, Fernanda estava sempre tão apática e silenciosa e Hector nunca estava em casa. Mattia o viu uma única vez. O advogado Balossino tinha uma presença imponente, parecia sempre muito irritado com algo. Alice dizia que o pai nunca bateu nela fisicamente, mas ele sempre conseguia abalar a garota psicologicamente. Para Mattia já era muito.

Alice pulou de surpresa sobre Mattia e o fez desabar no chão. Na queda a carta que Mattia guardava em seu bolso caiu. O coração de Mattia acelerou ao ver Alice pegando o envelope do chão.

“Universidade de Nova York?” Alice leu o endereço.

Mattia continuou em silencio enquanto Alice lia o conteúdo do envelope.

“Você vai mesmo?” Alice disse olhando nos olhos de Mattia. Seus olhos azuis inquietos inspecionavam as reações do garoto a sua frente.

“Vou. É uma ótima oportunidade, não posso deixá-la passar e...”

“Tudo bem, não precisa se explicar. Quando você vai?”

Alice tentava esconder a tristeza em sua voz.

"Em breve. Na verdade mês que vem." 

Mattia baixou seus olhos.

"Mas isso é daqui uma semana!" Alice choramingou.

Mattia se levantou do chão.

"Sinto muito." 

"Matti, por que não me contou antes?" Alice olhava para os seus pés como Mattia sempre fazia.

"Eu tentei! Juro que tentei. Por isso vim hoje aqui. Para te contar."

“ Achei que seria a primeira a saber de algo como ... Ir para o outro lado do Atlântico.”

“Você estava viajando. Não queria contar pelo telefone. Aposto que você ficaria ainda mais nervosa.”

Mattia mexeu no cabelo constrangido. Em outra ocasião Alice pensaria “que fofo”.

“Denis me aconselhou a contar somen...”

“Até o Denis já sabe? Mattia eu achei que fosse sua MELHOR amiga. Vejo que me enganei.”

“Alice. eu não posso deixar de ir, por que você está pedindo. Não faz sentido!”

“Não?”

Na verdade Mattia ficaria se Alice pedisse, mas pelo motivo certo, não por um capricho de garota mimada que não quer perder o brinquedinho.

“Por um bom motivo eu ficaria.”

Ela queria gritar “Fique, fique por mim!” Mas não teve coragem. Não queria quebrar o seu coração a toa. Não iria dizer a Mattia que o amava para que ele fosse embora na semana seguinte.

"Mattia acho melhor você ir embora." Alice se levantou e ficou ao lado da soleira da porta.

“Por quê?” Mattia perguntou.

O silencio se prolongou. Por um momento a esperança de Mattia viveu.

"Só vá embora. Ok." 

Não havia sido como Mattia imaginava. Ele não pretendia magoar Alice. Nunca faria isso. Porém algo lhe dizia que sua dependência daquela garota já ultrapassara o natural há muito tempo. Era preciso que ficasse um tempo longe para que ambos soubessem se o que sentiam era verdade ou apenas a carência. Mattia partiria levando seu segredo de infância assombrando o seu subconsciente e Alice ficaria com seus fantasmas bem vivos, seus pais. Um oceano os separaria. A única coisa que os dois não sabiam, era que o destino não brinca.