Carnage Coffee escrita por Ana Bela


Capítulo 6
Indestrutível Frio


Notas iniciais do capítulo

Demorei, mas cheguei.
Boa leitura



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Hyde acordou extremamente cedo, cedo até demais do que era para acordar. A ansiedade de viajar era tanta que não aguentou dormir por muito tempo. Foi para o banho e demorou um pouco, em seguida colocando uma roupa comum ainda teria que fazer muitas coisas antes de ir para o aeroporto.

Naquele dia fez café bem forte, muito mais forte do que costumava fazer. Não sabia quanto tempo agüentaria sem café. E comeu pouca coisa, estava sem fome, mesmo que soubesse que mais tarde poderia sentir muita fome, mas aquilo não era importante, não ficaria dias sem comer e sim só por algumas horas.

Após tomar café, escovou os dentes e decidiu ir ao mercado próximo comprar algumas coisas. Preferia prevenir a depois de arrepender-se de não ter levado o necessário.

Andava normalmente pela calçada percebendo que no dia seguinte não estaria ali, não veria vizinhos chatos, a mesma paisagem se sempre, no trabalho não veria aquele pessoal chato. Tomou uma decisão na noite passada, se realmente a polícia não andasse com as investigações iria pressionar muito mais até que algo finalmente desse resultado.

Quando entrou no mercado deu graças por não ver nenhum conhecido por ali, pelo menos de vista. Pegou um carrinho e já iria direto aos setores correspondentes ao que precisava. Seguia tudo tranquilo, mas mesmo assim ainda por dentro estava preocupado com a hora, esqueceu o relógio em casa.

Hyde quando já pegava um dos últimos itens da sua lista mental, avistou mais a frente o dono do café. Mas este não percebeu sua presença, parecia compenetrado no que fazia, parecia comparar preços. Então resolveu se aproximar e tentar puxar assunto, coisa que era horrível, odiava fazer aquilo, por mais que por dentro seu cérebro mandasse passar reto, não poderia fazer aquilo.

- Olá...

- Ah, ohayou. – Ken ficou surpreso mais muito feliz que Hyde estava ali, acabou abrindo um enorme sorriso. - Como você está?

- Eu tô bem... – Sentiu um alívio por dentro, conseguiu se aproximar. – E você?

- Ah... Sim na medida do possível.

- Fazendo compras para si mesmo ou para o café?

- Ah, na verdade nenhum dos dois. – Acabou rindo. – Estou comprando algumas coisinhas para levar numa viagem que terei que fazer...

-Viagem? – Hyde espantou, ele não havia comentando nada.

Parou para refletir no próprio pensamento. Ken não lhe devia satisfação alguma, fazia pouco que conhecia a vida do outro, o que não significava que ele teria que falar todos os seus segredos para Hyde. Mas ficou realmente surpreso sobre a tal viagem, o outro mesmo que havia dito que não tinha dinheiro para voltar para o Japão e iria viajar.

Quando percebeu que sua face deveria estar realmente surpresa pelo modo que o outro lhe encarava, tratou de se recompor.

- Sim... Pré renegociar algumas dívidas que eu tenho faz muito tempo, então querem falar comigo pessoalmente, me ligaram hoje de manhã.

- Ah sim. – Então era por isso que ele não havia comentado. – Por quanto tempo?

- Três dias.

- Ah sim. – Soltou um longo suspiro, percebeu um pouco de desânimo do outro, sabia o quanto era ruim ser pego desprevenido. – É ruim quando isso acontece, né? Assuntos que temos que nos deslocar mesmo que não podemos.

- Né... E eu nem tava podendo gastar... – Nem sabia direito como iria se virar depois da viagem, iria gastar muito.

- E essas coisas acontecem quando se menos espera... – Comentou se lembrando de uma situação similar que aconteceu há certo tempo. – Foi como quando eu tive que viajar para reconhecer o corpo do meu irmão...

- Ah meu amigo. – Ken viu o quanto os olhos de Hyde ficaram tristes, não aguentou e o abraçou com força. -... Nem tem como comparar a minha viagem com isso que passou...

 - Ah, desculpe... Toquei nesse assunto novamente. – Sempre quando menos esperava estava pensando naquilo já a beira de lágrimas.

- Você nem tem que se desculpar... Deve tá sendo muito duro para você. – Começou a acariciar o cabelo macio de Hyde, sabendo o quanto era duro perder alguém especial muito mais que fazia pouco tempo, sabia o quanto doía.

- Obrigado... – Abraçou com força, tentando conter as lágrimas, Ken o compreendia tão bem, estava se sentindo bem ali daquela forma, nem ligava para o resto do mundo.

- Não agradeça. – Separou o abraço lentamente e o encarou. – Amigo é para essas coisas mesmo.

-...  Mas mesmo assim, obrigado... E bem meus pais me chamaram para uns dias com eles, eles andam sentindo muito minha falta. – Também encarava o outro e se lembrou da última conversa com o pai sobre ele depois da viagem ir os visitar.

- Se eu fosse você, eu iria afinal agora eles só tem você e aproveite enquanto os tem também meu amigo, é muito ruim não ter ninguém. – Comentou pensando em si próprio e o quanto ali em Londres estar sozinho estava o massacrando.

- Mas, bem, meu tio está com eles e não poderei ir agora por causa de minha viagem.

- Ah é, a que você vai hoje né?

- É não tem jeito terei que ir mesmo, agora não tem como voltar atrás. – Na verdade Hyde sabia que se ainda ligasse no jornal, conseguiria, mas queria viajar.

- Bem, quando puder então vá vê-los. – Sorriu para o outro tentando passar força para aguentar tudo aquilo.

- Na verdade eu pretendo fazer isso se quando eu voltar, se mais nada me tome o tempo.

- Muito bem então. – Alargou um pouco o sorriso. – Eu vou indo agora, ainda tenho que arrumar minhas malas.

- Tudo bem, e boa viagem. Quando eu voltar te devolverei o seu guarda-chuva.

- Não se preocupe com isso, e boa viagem para você também. – Fez um aceno com a mão se despedindo e depois pegando o que precisava saindo apressadamente.

Hyde observou Ken ir embora e depois for terminar suas compras. Tinha que ir para casa preparar os últimos detalhes se fizesse tudo do modo planejado, tudo daria certo como já esperava.

Saiu do mercado um pouco feliz a conversa que teve com Ken mesmo sendo rápida foi muito boa. Sempre ele acertava o que estava sentindo. Mesmo se passando dias e dias da morte de seu irmão ainda estava com o coração machucado e foi como se o dono do café olhasse dentro de seu coração e visto sua angústia, sua dor.

Chegou em casa colocando as compras sobre a mesa da cozinha e decidiu se arrumar de vez. Foi para o seu quarto se sentindo satisfeito com sua mala azul sobre a cama bem arrumada e a e roupa que usaria para viajar bem arrumada também em cima da cama.

Colocou sua roupa rapidamente e saiu de casa trancando tudo, antes de fechar a porta deu uma última olhada rápida sob seu apartamento e o trancou logo em seguida. Ainda estava na hora, até cedo, mas não queria se atrasar se houvesse qualquer tipo de imprevisto estaria no tempo de resolver.

Pegou um táxi até o aeroporto logo procurando fazer tudo o que deveria fazer. Mesmo ainda em Londres já sentia uma leve saudade de sua casa. Ainda bem que era apenas uma semana em outro país.

Já no avião Hyde pensava no Ken havia lhe dito mais cedo. Realmente deveria visitar os pais depois da viagem, não poderia fugir para sempre do fato em que mesmo com uma morte, ainda tinha uma família e uma família que o ama muito e se ficasse desprezando, no fim poderia acontecer como aconteceu com o irmão e seria tarde demais.

Adormeceu encostando a cabeça na parede do avião pensando em como seria sua uma semana longe de Londres, longe do normal, da sua vida cotidiana.

***

Ken se preparava para sair de casa, no fim só conseguiu passagem para o meio da madrugada, chegaria à outra cidade só no meio do outro dia e já correria para tratar dos assuntos. Arrumou sua mochila de guerra e saiu de casa para pegar o ônibus até o aeroporto.

No ônibus só tinha Ken de passageiro, torcia que o ônibus não fosse assaltado, geralmente aquele horário era o que mais era assaltado, sabia disso porque muitas vezes teve que sair de madrugada para casos de emergência e sempre fora assaltado.

Estava quase adormecendo quando viu que desceria. Sentia muito frio, não estava com muitas blusas se frio. A sua melhor tinha deixado em casa para não estragar na viagem. O dinheiro estaca contado exatamente como deveria gastar, nem um centavo a mais porque iria ficar depois mais apertado do que já estava.

Dentro do aeroporto estava mais quente, Ken se sentiu um pouco agoniado mesmo assim. Queria estar ali para voltar para o Japão, dar adeus a sua vida miserável ali em Londres. Mas ainda não era a hora.

Andando no meio das pessoas, vendo aquele local um pouco conhecido sem lembrou da primeira vez que tinha chegado ao aeroporto. Ele e o pai estavam eufóricos, uma nova vida ali, e aos poucos foram afundando e vendo que tinham sonhado muito alto.

Andou mai s rápido para tentar conter a tristeza dentro de si, não era momento para aquilo.

Dentro do avião se encolheu e tentou adormecer. Mas ainda aquela sensação. Ah, se pudesse teria ido para Tóquio e largado a vida velha, e viraria apenas uma lembrança ruim. Toda aquela euforia do começo se transformou no final em pura dor e desespero gerando até morte. Se pudesse ter adivinhado que o futuro seria tão macabro assim não teria saído de lá com o pai para se aventurar em outro país.

Adormeceu tentando não pensar naquele tipo de coisa, o que era impossível vivendo todas aquelas sensações novamente, sabia que teria que estava saindo de Londres, mas em três dias estaria de volta.

***

Hyde finalmente havia chegado à Suécia. Sentia-se cansado de pegar avião, queria dormir. Pegou um táxi até um hotel muito confortável em Estocolmo, capital da Suécia. Ainda estava cedo, o vôo demorou apenas duas horas.

Arrumou seus pertences naquele quarto extremamente grande de hotel. Uma luxuosa suíte com paredes brancas, com uma cama de casal grande com lençóis de mesma cor, e logo atrás uma janela coberta com cortinas vermelhas. Havia televisão, cômodas espalhadas pelo quarto e tudo sobre um carpete muito bonito e claro.

Não gostou do ambiente ali. Queria no momento estar descansando em seu apartamento em Londres e não num lugar como aquele. E estava até mais frio do lado de fora. A sua sorte que durante o fim de semana estaria apenas descansando, sem preocupações.

Resolveu tomar um bom banho e depois dormir. Mas quando se deu conta se lembrou de que havia esquecido as ervas de valeriana em seu apartamento. Não saberia como dormiria naquele lugar chato o resto da semana. Suspirou, não compraria em outro lugar se tinha aquele em especial em sua casa.

Quando saiu do banho percebeu que aquele lugar poderia ser muito mais chato do que aparentava. Estava já enjoado dali. Não iria mais dormir, iria sair para conhecer mais o lugar, porque se ficasse ali tentando dormir não agüentaria ficar uma semana lá.

Abriu sua mala procurando algo realmente quente para vestir. Tinha diversas opções, quase toda mala era composta por casacos e sobretudos, havia visto antes de fazer suas malas a previsão do tempo para lá. Mas dentro do quarto sentia até calor, aquele aquecedor deixando tudo extremamente quente, menos a si que por dentro se sentia congelado.

Vestiu-se colocando por último um cachecol branco combinando com o resto da roupa. Pegou as luvas já saindo do quarto silenciosamente. Pegou o elevador, se sentindo bem que não havia muitas pessoas e também não era um cubículo como estava acostumado, era extremamente grande e todo espelhado.

Quando saiu do hotel sentiu o frio em seu rosto e agradeceu por estar tão bem agasalhado ali. Começou a caminhar pelos arredores de onde estava hospedado vendo que era uma região muito rica com diversas pessoas de diversos estilos. Observava vitrines, nada o atraia naquilo tudo, mas com certeza era muito melhor que ficar no hotel se sentindo mal.

No meio daquele frio cortante, Hyde novamente lembrou-se de coisas ruins, era algo inevitável naquele frio que parecia devorar até a alma, num lugar diferente, com pessoas muito diferentes, e para si, a maioria das pessoas eram importunas e muito, mais muito, chatas. Perguntava-se onde seria o lugar perfeito para viver porque ali definitivamente não era e nunca seria ao menos em sua opinião.

Queria morar em algum lugar que as pessoas não fossem tão chatas assim, mas era algo impossível ainda mais na profissão que levava. Todos os dias vendo casos e casos de pessoas chatas até maníacas o fazia odiar a própria raça. Nunca viveria em paz. E com a morte do irmão seu ódio cresceu incontáveis vezes. E cresceu ainda mais pela indiferença da polícia sobre o caso.

Era injusto demais. Hyde preferia mesmo que houvesse morrido no lugar do irmão, ao menos seria melhor para o irmão e os pais. Mas como não estava a sete palmos do chão teria que aproveitar o tempo com os pais antes que estes até morressem por desgosto quando desconfiassem de como andam a procura do miserável.

Quando percebeu estava olhando fixamente algum lugar qualquer, e as lágrimas quentes escorriam pelo seu rosto frio. Odiava aquilo tudo, odiava o mundo. Não era de qualquer hora que sentia aquela sensação de desaparecer, era sempre.

Percebeu que estava ficando tarde e mais frio. Resolveu voltar para o hotel e ir dormir, o cansaço também já começava apontar em todo o seu corpo. Foi fácil voltar para lá não andou muito adiante e também poderia perguntar em qualquer lugar ali, o hotel era o mais famoso da região. O jornal o mandou pagando todos os tipos de despesas e oferecendo apenas do bom e do melhor.

Quando já estava novamente naquele maldito quarto jogou o sobretudo sobre uma poltrona perto da cama, colocou seu pijama e tentou dormir. Mas era difícil já que odiava dormir em lugares desconhecidos, nunca sabia quando alguém poderia o atacar sem mais nem menos. E também mesmo a cama sendo extremamente confortável e macia, não era a sua cama.

Depois de muito lutar contra si mesmo, adormeceu, porém não foi um sono tranquilo, era leve que poderia acordar até com o som de sua respiração.


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