O Vento E A Chama escrita por Jewel


Capítulo 8
FEIRA DAS NAÇÕES




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/163068/chapter/8

Era o dia de Festa das Nações. Chegamos bem cedo à escola e nos dirigimos à área dos stands que formavam um corredor largo, muitas bandeiras e fitas no meio. O nosso ficava depois da metade da fila, mais para o final, ao lado do stand da China e do Japão.

Começamos a montar as coisas, colocando os quadros de fotografias, pendurando as lanternas de hangi, posicionando o datashow no meio da bancada, de modo a projetar o vídeo que tínhamos feito no fundo branco do stand. MinSuk distribuiu cuidadosamente os demais objetos na bancada e pendurou a bandeira da Coréia do Sul e o mapa nas extremidades. Pegou seu banquinho, colocando as folhas rústicas que havíamos comprado, o pincel e a tinta. Coloquei o pote com os provérbios de boa sorte e as flores mais à esquerda, uma linda visão para quem chegasse. Paramos em frente ao stand, admirando nosso trabalho.

– Ficou bom! – disse ele, sorrindo.

– Está lindo! As cores, as flores. Tudo! – sorri mais ainda.

– Agora falta a gente.

Nós tínhamos alugado roupas típicas coreanas para usar durante a feira.

Me vesti no banheiro feminino, cuidadosamente, como a mulher da loja me ensinara. Alisei a saia, arrumei as pregas e me olhei no espelho. Era um lindo hanbok, a parte superior azul petróleo com fitas cor de ameixa, a parte inferior cinza claro. Meu cabelo estava bem preso em uma trança, a franja bem moldada, num trabalho muito caprichado de Mayreen.

Voltei ao stand e MinSuk já estava lá, lindo em seu típico dop’o azul, testando o vídeo. Ele levantou a cabeça em minha direção sem me ver, abaixou para o vídeo e, no mesmo instante voltou a olhar para mim. Ele se levantou para me receber curvando-se ao estilo oriental. Me curvei também, rindo e tampando a boca com a mão, como os vi fazer. Então MinSuk riu, mas ele já se acostumara a rir abertamente.

– Você ficou muito bem! – elogiou-me.

– Obrigada! Você também. – então olhei no relógio. – Daqui a pouco vai começar. Tudo pronto?

– Sim. Eu testei o vídeo e dá para ver perfeitamente bem projetado aqui.

– Ótimo! – sorri, ansiosa.

Aos poucos as pessoas começaram a chegar, inicialmente nossos próprios colegas de escola. Nosso roteiro era o seguinte: eu recepcionava as pessoas, explicando rapidamente sobre a localização do país, data de fundação, influências, algumas coisas sobre atualidades. Depois explicava alguns símbolos que estavam espalhados sobre a mesa. Nesta parte MinSuk assumia, falando um pouco sobre a cultura popular coreana, algumas crenças, e oferecia à pessoa ter escrito seu nome ou alguma mensagem em hangul, ou ainda, participar de um jogo da memória que nós bolamos, com direito à brinde (bolinhos de arroz doce ou manjoos recheados com creme).

Todos nossos amigos elogiavam nossas roupas e nosso stand, mas não faziam muitas perguntas, preferindo sempre o jogo do que a mensagem escrita em hangul.

Quando foi por volta das onze da manhã que a coisa ficou complicada. A escola fora aberta à comunidade e, pelo jeito, a publicidade tinha sido boa. As pessoas vinham para nosso stand, atraída pelas lanternas e as cores. Nós mantínhamos o roteiro, na medida do possível. Quando um grupo se encaminhava indo para MinSuk primeiro, ele sorria e pedia-lhes que falassem comigo antes. Ninguém se chateava. As pessoas sorriam-lhe de volta e ficavam atrás do outro grupo, esperando a vez de ouvir o que eu tinha para dizer.

Nós dois desenvolvemos rapidamente uma comunicação com o olhar, quando, por exemplo, uma pessoa fazia uma pergunta muito específica que eu desconhecia, ou quando ele precisava de mais papel e mais doces.

Reparei que nosso stand era o mais lotado. Não que os outros stands fossem piores ou melhores. Mas nós tínhamos preparado coisas que faziam as pessoas permanecerem por mais tempo, pois ouviam, jogavam e muitas ficavam vendo o vídeo, interessadas. Isso atraía outras pessoas que vinham ver porque aquele stand estava mais cheio e acabavam por ficar também. Nós não parávamos um minuto sequer.

Às vezes eu ficava observando MinSuk tratar as pessoas. Ele era simpático e cordial, passando muita sinceridade e atenção. Ajudava as pessoas que tinham dificuldade no jogo, dando dicas que faziam as pessoas rirem e entregava o doce como se fosse realmente um prêmio muito valioso. Adorava vê-lo receber as crianças, abaixando-se e conversando com elas. “Não, Ju. Por favor, não deixa esse sentimento fazer morada no seu coração não...”, uma espécie de grilo falante do bom senso repetia em minha mente.

Pouco antes das duas da tarde as coisas começaram a acalmar um pouco. Ainda haviam muitas pessoas, mas nós voltamos a dar conta de atender a todos. Mayreen e uma amiga vieram nos trazer algo para comer – a turma dela estava cuidando das comidas que eram vendidas aos visitantes. Nós apresentamos para elas em agradecimento. A amiga de Mayreen se chamava Kelly, também oriental, mas eu não perguntei de onde. Enquanto Mayreen se mostrava interessada, elogiando e perguntando, Kelly não tirava os olhos de MinSuk. Aquilo me incomodou um pouco. Mayreen aceitou jogar e ganhou um doce. A amiga dela não quis saber nada, não quis fazer nada. Só ficou lá, admirando-o.

Além de me irritar com a amiga de Mayreen, fiquei observando como MinSuk reagia àquela situação. A resposta me aliviou: de jeito nenhum. Ele a tratou exatamente como tratava as outras pessoas. Aquilo me deixou feliz por algum motivo, fazendo-me admirá-lo ainda mais.

Elas se foram e nós começamos a comer. Conversamos um pouco sobre nossas impressões sobre a feira e resolvemos que às 15h nós sairíamos para ver o resto da festa e tentar pegar um pedaço do show de talentos que ocorreria no refeitório.

A feira parecia ser sempre o primeiro lugar em que as pessoas iam, uma vez que era a única coisa realmente exposta. Nós olhamos os outros stands, alguns também tinham jogos, até mais legais que o nosso, mas o brinde era invariavelmente uma comida típica ou um pequeno símbolo de sorte. Logo no começo estava a tenda de Rodrigo e Michele, repleta de verde e amarelo e fotos – eles tinham montado uma pequena praia, com direito à areia, coqueiro e barulho do mar. Adorei as tendas de Portugal e da Turquia também.

Quando chegamos ao refeitório Mayreen estava lá, para minha sorte, sem a amiga inconveniente.

– Vocês chegaram bem na hora! – disse ela ao nos ver. – A Jane vai se apresentar.

Alguns minutos depois, Jane entra no palco, vestida tipicamente alemã, com tranças e fitas no cabelo louro. Ela tinha uma meia lua na mão e começou a cantar, acompanhada por um outro aluno, alto e ruivo, ao piano. Ela declamava, cantava e dançava nos intervalos entre uma estrofe e outra. Assim como as crianças próximas ao palco, nós batíamos palma, acompanhando a música. A canção deve ter durado uns 4 minutos. Ao final, Jane ensinou algumas palavras em alemão e se despediu.

Quando ela veio até nós, estava super animada.

– E aí? O que acharam? – perguntou-nos.

– Linda! Você está linda! – disse-lhe.

– A música é bem animadinha, né? – comentou Mayreen.

– Sim. É uma canção infantil. – informou-nos ela.

Ficamos vendo mais alguns shows, mas eu e MinSuk tínhamos que voltar para a feira.

– Você ainda não foi no nosso stand, Jane! – reclamei.

– Eu estava ajudando os outros aqui. Vou ver se já estou liberada e depois passo lá.

Despedimo-nos e voltamos. Algumas pessoas estavam na frente do stand vazio, olhando curiosas. Cumprimentamo-las e começamos a apresentar. Pouco tempo depois Jane veio também, com sua máquina fotográfica. Essa parte foi muito divertida!

Perto do fim da feira a tal de Kelly voltou ao nosso stand, dessa vez sem Mayreen. Tentei evitar mas não conseguia trata-la normalmente. Também, ela sequer pareceu reparar minha presença, indo direto à MinSuk, sorridente, pedindo-lhe que escrevesse uma mensagem em hangul. Fiquei observando de longe, uma vez que só haviam três pessoas vendo o vídeo, sem que eu precisasse dizer nada a elas. Vi MinSuk pegar o papel e olhar para ela, esperando que ela dissesse a mensagem a ser escrita. Ela disse algo e riu. E ele corou levemente e olhou ao redor sem graça, encontrando meu olhar. Eu fechei a cara e olhei em outra direção. Pelo canto do olho reparei que ele estava escrevendo lentamente, entregando-a em seguida. Ela riu, insinuando-se e se foi. MinSuk olhava para baixo e depois me olhou. Sem perceber, eu voltara a olhar descaradamente a cena. Desviei os olhos, com raiva, principalmente de mim mesma. Ciúme era algo que não estava acostumada a sentir, aliás, que dificilmente sentia, mesmo de meus namorados. E aquilo era totalmente inadequado para sentir por ele. Senti vergonha de mim mesma e mandei o pensamento para longe.

As pessoas se foram e MinSuk veio falar comigo.

– Tudo bem? – perguntou-me.

– Tudo. – eu sorri, e era verdade, uma vez que já me acalmara.

– Agora a pouco você pareceu brava... algo aconteceu? – ele estava realmente preocupado.

– Não. Acho que só cansei da brincadeira. – ri.

– Já são quase cinco. – disse ele olhando no relógio. – Acho que daqui a pouco eles vão encerrar.

Alguns minutos depois, Robert e o diretor geral da escola vieram de stand em stand, vendo, elogiando, agradecendo e dando a feira por encerrada.

Guardávamos as coisas em silêncio, como num ritual. Eu estava feliz por termos sido um sucesso, mas a noite pouco dormida e o mau humor passageiro tinham me deixado cansada.

– Foi alguma coisa que eu fiz? – disse ele, de repente.

– MinSuk, MinSuk... – eu ri sem força. – Os homens só perguntam se foi algo que eles fizeram quando eles fizeram algo.

Ele refletiu por um momento o que eu disse e se calou.

– Quase acabamos com os papéis. Só sobraram três. – disse-lhe após alguns minutos.

– Sim. No final todo mundo queria escrever algo. Foi uma boa ideia, Ju! – ele sorriu.

– Ah... posso te perguntar uma coisa? – tentei falar de uma maneira casual e desinteressada.

– Claro.

– O que a amiga da Mayreen pediu para você escrever? – eu fingia guardar os objetos distraidamente, mas meus olhos estavam atentos à MinSuk.

Ele pareceu ficar tenso por um instante, mas antes que eu pudesse me certificar, já estava normal de novo.

– Ela queria que eu escrevesse uma declaração de amor.

– Ah é? – aquilo me intrigou. – Ela namora um coreano?

– Não. – ele pegou outra sacola, ficando de costas para mim.

– Então... para quem?

– Para mim. – ele se resignou em admitir.

Franzi o cenho, sem compreender. Ela pediu que ele escrevesse uma declaração de amor para ele mesmo?

– Não entendi.

– É. – ele estava impaciente. – Disse para eu escrever: “Te amo Cho MinSuk. De Kelly.”

Eu ri. “Eu estava com ciúme dessa garota? Que patética!”, pensei.

– E você escreveu?

Ele concordou com a cabeça, ainda impaciente.

– O que foi MinSuk? – perguntei pegando em seu braço.

Ele me olhou e sorriu, pude ver como estava chateado.

– É que... eu detesto esse tipo de coisa, sabe. Uma coisa é quando eu estou no palco, ou indo para ele. Eu aceito e até provoco esse tipo de coisa. Mas desse jeito...

– Eu entendo MinSuk. Artistas fazem isso. No PALCO. Aqui você não está como artista, mas como pessoa. Não precisa do assédio de nenhuma menina irritante! – a ponta de raiva voltou.

– Ju, tudo bem. Eu escrevi e ela foi embora. – ele me abraçou apertado. – Adorei trabalhar com você!

Aquele abraço fez qualquer sentimento ruim que pudesse pairar sobre mim, desaparecer. Eu me senti completa e instantaneamente feliz.

– Eu também! Você é demais! – disse-lhe.

– Nosso stand foi um dos mais visitados, com certeza! Nós precisamos comemorar!

– Boa ideia! Vamos comemorar o sucesso!

Eu levei um pouco das coisas para casa, MinSuk ficando com o resto. Ele passaria na minha casa mais tarde para sairmos.

Tomei banho e coloquei um vestido leve. Sentei no sofá da sala e comecei a pentear meus cabelos para esperar.

Algum tempo depois começou a escurecer, e eu já estava estirada no sofá. “MinSuk está demorando.”, pensei.

Bem nesse momento a campainha tocou. Dei um pulo e fui atender. Era Robert. Meu desapontamento não teve muito tempo para ser demonstrado, a curiosidade tomando lugar. Robert sorria e carregava uma grande caixa preta.

– Oi Ju!

– Oi Robert! Entra!

– Eu estou com um pouco de pressa Ju. Só vim te deixar isso.

Avaliei a caixa novamente.

– O que é? – perguntei, curiosa.

– Bom, eu sei que você ia tentar usar o estúdio da escola, mas achei que te emprestando meu bebê, ficaria mais fácil para você ensaiar para o encontro das escolas.

– Seu bebê?

Ele entrou na sala rapidamente e abriu a caixa. Eu deixei meu queixo cair.

– Ele é lindo! – disse, passando a mão levemente no piano.

– Você já viu um desses? – disse ele sorrindo de minha reação.

– Só nas lojas. – então compreendi o que ele queria saber. – Mas sei como funciona sim.

– Ótimo. – disse ele saindo.

Eu o acompanhei até a rua.

– Ele é meu xodó, mas eu confio em você Ju. – disse ele.

– Eu nem sei como agradecer a confiança! – eu estava quase emocionada, então o abracei.

Ele me abraçou apertado e me levantou um pouco, me rodando.

– Cuida bem dele e ensaia. – disse ele por fim.

– Pode deixar! – prometi.

– Agora eu tenho que ir. Boa noite Ju!

– Boa noite Robert!

Eu o vi se afastar então dei uns pulinhos e subi a escada correndo de felicidade.

Entrei e montei o suporte do piano. Peguei um banco na cozinha que deu a altura certinha. E comecei a tocar. Inicialmente toquei apenas algumas notas esparsas, apenas para ouvir o som. Então comecei a tocar alguns clássicos, passando para músicas atuais.

Quando Jane saiu do banho olhei no relógio. Já era tarde.

– Um piano? – disse ela animada.

– Sim. Robert trouxe para que eu ensaie algumas músicas para o encontro das escolas.

– Que legal da parte dele!

Concordei e continuei tocando mais algum tempo, depois fui dormir. MinSuk não viera. “Vai ver apareceu algum compromisso.”, suspirei.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Vento E A Chama" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.