O Vento E A Chama escrita por Jewel


Capítulo 6
THINGS TURNED DEEPER...




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Era por volta de dez da manhã quando acordei. A cabeça pesada de cansaço. Desci as escadas na ponta dos pés, achando que MinSuk ainda podia estar dormindo, uma vez que as meninas estavam. Olhei o sofá de longe e estava vazio. Me aproximei e vi que havia um bilhete.

Meninas, muito obrigado pela noite!

Como sempre, muito divertido! Ah, e obrigado pelo sofá!

MinSuk.

PS: Ju, não esquece que temos trabalho a fazer. Te espero as 11h,ok?

– Tão fofo! – pensei em voz alta.


Chegando à casa de MinSuk, ele veio receber-me como sempre. Minha pantufa já estava ao lado da porta.

– Eu preparei almoço para você. – disse ele sorrindo.

– Puxa, não precisava se incomodar.

– Tudo bem, eu não sei se você vai gostar mesmo... – ele riu, sem jeito.

– É um prato típico coreano? – adivinhei.

Ele confirmou com a cabeça. Fomos até a cozinha e eu senti um cheiro diferente. Haviam duas cumbucas com algo que me pareceu sopa.

– É Bugeo-guk.

– “Bungio-gok” – tentei repetir, fazendo-o rir. Senti o cheiro e pareceu bom. – Do que é feito?

– Melhor você provar antes. – disse ele.

Arregalei os olhos e peguei a colher, avaliando bem o que estava a minha frente, perguntando-me se haveria algo que eu não gostasse lá e por isso o mistério. Querendo rir da ansiedade dele, tomei uma colherada. O sabor era temperado, com um leve toque de ervas.

– Forte... bom!

– Experimente assim. – e dizendo isso, MinSuk pegou outra colher e coletou um pouco do caldo, legume e um pedaço de algo que eu não consegui identificar. Achei que ele ia toma-lo, porém ele veio em minha direção. Eu fiquei sem jeito, mas aceitei. A consistência me lembrou cogumelo, ainda que o sabor era diferente.

– Peixe ou cogumelo?

– Ambos.

Peguei mais um pouco enquanto MinSuk explicou toda a variedade de ingredientes que aquela ‘simples sopa’ continha.

– Muito bom! Você não vai comer?

– Sim. – ele riu. – Estava esperando você chegar.

Comemos, conversando sobre o que poderíamos colocar em nosso stand. Peguei meu bloco e fui anotando em tópicos cada uma das ideias.

Depois de comer, fomos para sala e eu abri o notebook na mesinha do centro. Sentamos no chão e aquilo me pareceu mais típico ainda. MinSuk concordou e riu.

Eu estava tomando notas distraidamente enquanto ele começou a olhar algumas de minhas fotos no computador.

– Há algo confidencial aqui? – brincou ele.

– Não. Só não se assuste nem tire sarro.

Ele estava no álbum de fotos da faculdade. Perguntou sobre algumas pessoas. Depois eu lhe mostrei algumas fotos da minha família que estavam na sequencia.

Fui à cozinha pegar um copo d’água e estanquei ao voltar e vê-lo admirando uma das fotos.

– Quem é este abraçando você? – ele perguntou ao me aproximar.

Era uma foto com vários amigos, da época da faculdade.

– Ah... este era, é o meu ex-namorado.

– Ah... – ele pareceu sem graça de repente. Depois, da maneira educada como sempre, me perguntou. – O que aconteceu? Entre vocês...?

– Ele se mudou para outra cidade.

– Quanto tempo vocês namoraram?

– Três anos.

– E só porque ele se mudou vocês terminaram? – havia uma descrença obstinada no tom de MinSuk.

Eu fiquei avaliando as palavras por um tempo, tentando escolher as que contassem a história de um coração partido sem parecer muito.

– Já te disseram que a distância age no amor assim como o vento age numa chama? Às chamas fortes, o vento inflama e, às chamas fracas, apaga... – minha voz foi morrendo, embaraçada.

– Então... a chama do amor de vocês era fraca?

– É complicado, MinSuk. – ponderei mais um pouco antes de continuar, fitando o chão. – Quando ele se mudou, nós éramos próximos, nos amávamos muito. Mas aí nós nos distanciamos... não estou falando só fisicamente. Nossas vidas se distanciaram. Mesmo quando estávamos juntos, era difícil juntá-las. Isso foi enfraquecendo o amor. Até que um dia ele chegou e me disse que não dava mais.

– E você?

– Eu aceitei. – aquela lembrança estava me deixando triste.

– Você não o amava mais? – a voz de dele soou séria.

– Amava. Eu ainda o amava. – disse-lhe, sem levantar os olhos do chão.

– E por que não lutou? – sua voz ainda mais séria.

– Eu... eu não sei correr atrás de alguém que não me queira. Sei lá, eu sou assim. Mas acho que eu lutaria se pudesse enxergar o amor. Porque eu vi, nos olhos dele, que ele não me amava mais. Então me ocorreu que, talvez... o homem que eu ainda amava simplesmente não existia mais. Era um estranho na minha frente, me dizendo que estava acabado. Acho que eu lutaria se o homem que eu amava ainda existisse.

– Então aceitou?

– É... guardei o meu amor dentro de mim, e aceitei. Até que um dia o amor sumiu. – suspirei, avaliando como dizer parecia tão simples, enquanto fazer tinha doído tanto...

– Eu não queria te deixar triste.

Eu ainda olhava para o chão quando vi a mão de MinSuk, meio sem jeito, vir em direção a meu rosto, começando a acariciá-lo. Era a primeira vez que nos tocávamos daquele modo. Seus olhos eram tão doces, incisivos... penetravam nos meus de forma tão profunda.

– Com licença. – disse, me levantando e indo para o banheiro.

Fechei a porta e comecei a respirar fundo. Uma ou duas lágrimas teimaram em sair, mas no meu peito não era a tristeza da minha história que ruminava. Eram os olhos, o toque de Minho, a sua proximidade.

Demorei uns dois minutos me acalmando. Quando voltei à sala, ele estava distraído fazendo anotações em seu caderno. Levantou os olhos e sorriu quando me aproximei. Sentei a seu lado e continuamos como se nada tivesse acontecido.


–---

Nas aulas de segunda-feira MinSuk também faria parte de minha sala. No intervalo aproveitamos para pesquisar algumas coisas na internet.

Após a aula nos encaminhamos novamente para a casa dele. Quando ainda estávamos no trem começou a chover. Esperamos um pouco na estação, mas a chuva não aparentava ser passageira.

– Será que a gente acha guarda-chuva para comprar aqui? – perguntou ele.

– Para que? – eu estava colocando minha bolsa do lado de dentro de minha blusa, uma tentativa de minimizar o estrago. – São só duas quadras, não são?

– As quadras aqui são grandes.

– Vamos, MinSuk! Você é de açúcar? – provoquei.

Ele riu e me acompanhou.

Quando passamos pela primeira quadra, a chuva pareceu aumentar, as gotas tornaram-se mais grossas e um trovão ecoou os céus de algum lugar. Começamos a correr, ainda que minha opinião sempre fora de que isso só piorava as coisas.

Chegamos ao apartamento rindo e ensopados. Tirei os sapatos e fiquei inundando o tapete da entrada enquanto ele foi ao seu quarto buscar toalhas. Ele voltou se secando em uma e me entregou outra. Comecei a tirar tudo o que podia: casacos, blusa, meias. Torci os cabelos, mas não pareceu adiantar muito.

– Ju, por favor não pense mal de mim... – ele estava envergonhado. – mas você não quer tomar um banho? Você usa umas roupas minhas e a gente coloca as suas na secadora.

Eu estava sem graça. Não por estar ensopada. Em primeiro lugar por estar naquela situação na casa dele e em segundo por ele achar que a oferta de um banho poderia me fazer pensar mal dele. “Será que ele vai pensar mal de mim se eu aceitar?”, ponderei.

– Tudo bem. Acho que é a única solução mesmo. - concordei.

Permaneci no tapete da entrada enquanto MinSuk arrumava as coisas em seu quarto. Quando voltou, ele sorria e me entregou mais uma toalha.

– Fica a vontade.

A ducha era muito boa. Aquecia e massageava. Adoraria ter me demorado, mas eu estava sem graça demais para me dar ao luxo. Ele me separara um conjunto de moletom macio e quente. Peguei todas as minhas roupas e saí.

Encontrei-o na cozinha, fervendo água.

– Ficou bom. – disse ele sorrindo.

– Um pouco grandes mas bem melhor que antes.

– Para combinar com sua pantufa. - brincou ele.

Só então reparei que ele mesmo continuava com as roupas e os cabelos molhados.

– MinSuk, por favor, você também precisa de um banho quente ou vai se resfriar.

– É mesmo. – ele pareceu se lembrar. – A lavanderia é ali daquele lado. A secadora é a de cima.

– Ok. Obrigada.

Enquanto minhas roupas secavam a chaleira começou a apitar. Desligar e fiquei observando o apartamento, me sentindo estranhamente a vontade.

– Vou fazer um chá para nós. – disse ele, voltando à cozinha após alguns minutos e pegando duas xícaras.

Tomamos o chá em silêncio.

– O que quer fazer primeiro? O trabalho ou dançar? – perguntei.

– Primeiro o trabalho, depois a diversão.

– No seu caso, qual é qual?

Ele riu.

– Agora que já listamos e pesquisamos tudo que vamos apresentar, a gente precisa bolar o nosso stand. – comentou ele.

– O Rodrigo disse que os stands são padrão. Ah, são aqueles que estavam lá embaixo hoje.

– Eles são bem simples. – avaliou MinSuk. – Vamos precisar ser bem criativos.

– Sim, principalmente para chamarmos atenção das pessoas ou elas vão passar reto!

Pensamos algum tempo.

– As informações básicas são coisas que qualquer pessoa pode entrar no Google e achar. – me deixei pensar alto como sempre fazia. – Nosso objetivo deve ser despertar o interesse pela Coréia.

Ele concordou com a cabeça em silêncio.

– Precisamos bolar algo que seja diferente. O que atrai as pessoas?

– Comida. Algo diferente para ver. – MinSuk estava tentando bolar algo também.

Tentei pensar mais um pouco. Então me lembrei de uma feira oriental que tinha ido uma vez.

– Você saberia escrever o nome das pessoas em coreano?

– Sim. Acho que saberia sim. – então ele arregalou os olhos. – A gente também poderia fazer as pessoas jogarem algo.

– Boa! E, se acertassem, elas ganhariam um brinde, algo coreano.

– É!

Pegamos um papel e começamos a anotar as ideias que agora vinham em torrente.

– E as informações básicas que a gente precisa apresentar poderiam ficar passando num vídeo. – sugeriu MinSuk.

– É. A gente pode pegar um datashow emprestado e colocar para passar no fundo do stand. – eu estava empolgada.

– Nós formamos uma boa dupla Ju! – ele também estava animado.

Continuamos trabalhando por mais algumas horas e fomos ensaiar depois que eu peguei minhas roupas secas.


–---

Na terça-feira MinSuk tinha uma aula a mais do que eu. Fiquei esperando no estúdio para passar o tempo.

O piano do estúdio me encantava. Era eletrônico, mas seu corpo era similar aos de corda. Branco como um sonho.

Após dedilhar alguns exercícios, comecei a tocar ‘Somewhere only we know’ do Keane, cantando baixinho, só para mim.

– Oi Ju... – era Robert à porta.

– Oi Robert!

– Eu estava passando no corredor e te ouvi tocar. Puxa, você toca muito bem! – disse ele entrando, fechando a porta e sentando-se numa cadeira próxima a mim.

– Obrigada. – sorri.

– Você toca há bastante tempo?

– Não. Faço aula há uns quatro anos.

– Puxa, que dez! – ele mirou o piano por um momento. – Eu toco um pouco também.

– É mesmo?!

– É. Eu toco violão e guitarra desde adolescente. Aí achei que de alguma forma seria fácil passar para o piano. Mas não foi! – riu ele. – Eu tentei ter aulas, até comprei o meu piano. Só não consegui achar tempo para me dedicar ainda.

Eu sorri, lembrando que estudei quase dois anos sem ter piano até conseguir comprar o meu “valioso achado”.

– Que piano você tem? – perguntei.

– Comprei um eletrônico mesmo. Um Yamaha P 140.

– E você está deixando ele parado? – me alarmei com a ideia de ter uma Yamaha desses e deixa-lo lá, sem tocar.

– Eu sei. Ele é para profissionais, mas eu achei ele tão lindo. E um dia eu vou tocar. Eu vou! – ele prometia a si mesmo. – Qual o piano dos seus sonhos?

Pensei por um momento, mas eu já havia pensado muito sobre aquilo, a resposta era a mesma de sempre.

– Um Schimmel K213. Um sonho... – suspirei, dedilhando o piano do estúdio, imaginando-me sentada em frente ao Schimmel K213.

– Por que?

– Ele é todo feito de acrílico... Você consegue ver a alma do piano... Os martelos, as cordas...

– Deve ser lindo. – ele disse e eu concordei em silêncio. – Quanto custa um desses?

– No mínimo uns cem mil dólares... – dei de ombros. “Ainda bem que sonhar é de graça!”, ri em pensamento.

– Toque algumas músicas para mim. – pediu Robert.

– De que tipo?

– Toca algum clássico aí. – ele se encostou à cadeira para ouvir.

Eu não era muito boa em clássicos. Então comecei a tocar uma versão mais fácil de um conhecido concerto de Mozart. Como intuí, Robert reconheceu e sorriu. Pouco tempo depois, passei para um Tchaikovsky, mas ele nem notou a diferença. Continuei tocando, escolhendo meu repertório ao meu gosto, quase me esquecendo da presença de Robert.

A hora voou e eu nem percebi. Quando olhei para o relógio vi que a aula de MinSuk deveria ter acabado há pelo menos 20 minutos.

– Tenho que ir! – disse levantando, tirando Robert de um devaneio qualquer.

– Eu vou com você. – disse ele se levantando também.

Ainda no corredor, pude ver MinSuk sentado em uma das mesas do refeitório onde tínhamos combinado de nos encontrarmos. Ele olhou para Robert e para mim e não parecia satisfeito. Me senti muito mal por tê-lo feito esperar.

– Me desculpe MinSuk... – comecei.

– Tudo bem. Eu estava começando a achar que você já tinha ido. – disse ele sem qualquer entonação. Ainda sim, pude ver que ele estava chateado.

– Vamos então. Temos bastante a fazer! – sorri, mas ele não retribuiu.

Despedimo-nos de Robert e seguimos para minha casa.

– Fazia tempo que você estava lá? – perguntei na rua.

– Mais ou menos. Eu saí uns dez minutos antes da aula acabar...

Aquilo me fez querer afundar dentro de mim mesma. Isso significava que ele estava esperando há pelo menos meia hora.

– Vou recompensar te fazendo um super almoço, prometo!

– Arroz soltinho? – e então ele sorriu.

Meu coração pareceu reaprender a bater. Sorri também.


Ao chegar em casa encontrei duas sacolas de supermercado, com as compras ainda dentro, sobre a bancada da cozinha, com um bilhete de Jane.

– “Voltei ao supermercado para comprar algumas coisas que esqueci. Volto logo, Jane” – li em voz alta. Dei de ombros. Ela nunca fazia lista de compras. – Então... – disse me virando para MinSuk. – Quer escolher o menu?

– Algo rápido. Estamos atrasados.

– Adoro macarrão e você? – brinquei, desviando da acusação que a frase dele implicava.

Ele riu e se sentou enquanto eu guardava as coisas e começava a preparar o almoço.

– Aquele dia você realmente voltou ao supermercado? – perguntou ele, momentos depois.

– Sim... – tentei buscar na memória o dia em que nos encontramos. Parecia ter sido há tanto tempo...! – A Lucia ia viajar naquela noite e precisava daquelas coisas. Como eu ainda não tinha pegado firme no curso, ela me pediu e eu aceitei. Foi uma boa experiência.

MinSuk sorriu sem jeito e então eu pude ver que ele tinha entendido errado a última parte. Claro que o fato de termos nos encontrado foi algo maravilhoso, mas me referia a outra coisa. Tentei continuar como se não tivesse percebido o equívoco dele.

– A lista de compras em inglês, os rótulos e anúncios em inglês... Foi uma imersão e tanto! – sorri.

Ele parou de rir e concordou com a cabeça.

– É por isso que você estava perdida? – disse ele.

– Bem, eu... – parei para encará-lo. – ... também. E também porque aquele supermercado é muito mal organizado. Coisas de limpeza no mesmo corredor de mantimentos! Fica difícil não é? – e me virei para abrir o pacote de macarrão.

– Por isso você entrava e saía dos corredores várias vezes! – ele riu. – Apertava os olhos para enxergar longe e entrava de novo no mesmo corredor.

– Ok! – eu me virei para ele, uma pulguinha começando a incomodar atrás da minha orelha. – como você sabe de tudo isso?

– Eu estava lá! – ele deu de ombros, como se minha cisma fosse absurda.

– Mas como você sabe que eu entrava e saía dos corredores e não enxergava de longe?

– Você vai me bater? – brincou ele.

Só então reparei que eu estava apontando a colher de pau para ele. Recolhi-a, sem graça, mas mantive meus olhos nele.

– Qualquer dia eu te conto. – ele sorriu.

– Hoje pode ser qualquer dia!

– Não, hoje não. – ele estava se divertindo com minha reação. – Hoje estamos atrasados.

Aquilo me fez bufar um pouco e ele riu ainda mais.

– Oi crianças! – era Jane, entrando na cozinha com mais uma sacola de papel.

A presença dela me fez deixar o assunto de lado, mas a pulguinha estaria lá até ele me contar.

Jane deixou a sacola em cima da bancada e começou a retirar as compras.

– Puxa, você conseguiu esquecer tudo isso? – disse-lhe.

– Você sabe que eu não gosto de fazer lista de compras.

– Deveria! – dei de ombros, colocando o macarrão para cozinhar.

– Normalmente é só eu olhar as prateleiras e sei o que estou precisando. – ela se justificava para MinSuk. – Mas esse supermercado perto da estação é tão mal organizado!

– É mesmo. – dissemos, MinSuk e eu, juntos. Dei um olhar sério para ele, que riu.

– Espaguete! – disse ela vindo ver a panela. – Eu comprei umas almôndegas congeladas. Você guardou?

– Não reparei. Deve estar no congelador.

Ela foi ao congelador e começou a prepara-las.

– Estou me sentindo muito mal, aqui sentado. – disse ele após alguns minutos. – Posso ajudar em alguma coisa?

– Pode. – disse Jane distraidamente. – Entretenha-nos.

MinSuk riu, tentando pensar em algo.

– Vamos conversar. – disse ele por fim. – De onde você é Jane?

– Hannover, Alemanha.

– Você é alemã? – ele estranhou.

– Sim. – respondi, começando a rir. – Eu sou a única pessoa no mundo que é amiga de um oriental alto e de uma alemã tampinha!

Jane me deu um olhar enfezado. Não que ela tivesse algum problema com sua altura, mas ninguém gosta de ser chamada de ‘tampinha’.

– Quanto você tem de altura? – perguntou ele.

– 1,62m. – respondeu ela.

– Quem você puxou? – perguntou, em seguida.

– Meu pai é espanhol. – Jane deu de ombros. – Ele é um pouco mais alto que eu, mas ainda sim é menor do que minha mãe. Minha mãe tem 1,85m.

– Taí algo que eu não conseguiria. – disse eu, distraidamente.

– O que? – perguntou ela.

– Ficar com alguém mais baixo do que eu.

– Ah! Falou a gigante! – brincou ela.

– Quanto você tem de altura Ju? – quis saber, MinSuk.

– 1,73m.

– “Um e setenta e TRÊS” – repetiu Jane, me imitando.

– Que foi? Eu me orgulho muito desses três centímetros. No Brasil até me consideram alta! – tentei me defender.

Ele ria de tudo aquilo.

– Mas eu não ligo. – explicou Jane. – Eu até gostava de ser mais baixa que as outras na época da escola. Os rapazes gostavam bastante! – gabou-se ela, de brincadeira. – Durante muito tempo, a única coisa que eu não gostava era de ser loira.

– Ai ai ai! – disse eu.

– É sério! – ela reafirmou. – Loira, olhos azuis, pequena... Tão insossa!

– Por favor, ouça o que está dizendo! Você é a descrição da perfeição para alguns! – eu estava estupefata. – MinSuk, diga para ela como todo homem gosta de loira!

– Eu prefiro as morenas. – disse ele, dando de ombros.

– Você é anormal? – eu estava incrédula. – Você é oriental! O sonho de todo oriental é ter uma loira! A esperança de superar a genética!

Nós rimos.

– Alguns querem isso mesmo. – confirmou ele. – Todos tem cabelo preto. É por isso que todos pintam o cabelo.

– Meu sonho era ser oriental. – confessei.

– Por que você iria querer uma coisa dessas?! – era a vez de MinSuk estar estupefato.

– Ah... Bem, eu cresci num bairro japonês. E realmente acho-as bonitas. O corpo delicado, cabelos lisos escorridos, olhos pequenos e puxados...

– Não acredito numa coisa dessas! – ele estava incrédulo, quebrando um espaguete cru sem parecer perceber.

– Nossa! Até parece que você não gosta de orientais! – brincou Jane.

– Não é isso. Algumas são realmente lindas. É que... ah, deixa para lá. – ele sorriu. – Espero que não tenha mais essa ideia Ju.

– Não. Foi durante minha infância, começo da adolescência. Tem uma música do Bon Jovi que diz “It takes a while to learn to live in your own skin...”. Acho que é isso mesmo. Agora eu gosto de ser como sou.

Ele pareceu suspirar aliviado e eu ri.

– Ok. Essa conversa está muito maluca e o almoço está pronto! – disse eu, levando a travessa para a mesa.

Comemos falando sobre outros assuntos. Jane começou a nos contar da aula de Microbiologia que tivera na Universidade de Chicago (uma de suas atividades complementares). Combinamos de ir ao teatro qualquer dia para ver qualquer peça que estivesse passando, apenas pela experiência. Listamos mais algumas coisas que gostaríamos de fazer, enquanto MinSuk lavava as louças, eu secava e Jane as guardava.

Depois nós dois fomos trabalhar. Finalizamos o vídeo e desenhamos um esquema de como seria nosso stand. Também fizemos uma lista de todas as coisas que teríamos que comprar ou emprestar.

– Vai ficar demais! Vamos ser os mais visitados! – brincou ele enquanto anotávamos.

– Isso me faz pensar: será que tudo que a gente está planejando pode realmente ser feito? Quer dizer, não é melhor a gente falar com o Robert e verificar?

– A gente pode falar com ele amanhã.

– É. Mas vamos antes da aula começar porque qualquer coisa a gente vai ter muita coisa para refazer... – sugeri.

Ele concordou com a cabeça.

Batidas na porta. Era Jane.

– Oi! Alguém tá a fim de sair hoje? – disse ela.

– Qual a sua ideia? – perguntei, ainda que não importasse pois eu toparia de qualquer jeito.

– Pensei de a gente ir num lugar legal, com comida e algo para fazer. Karaokê, boliche, qualquer coisa.

– Eu topo.

– Você vem também, MinSuk? – perguntou ela.

– Sim. – ele sorriu.

– Ok. Vou ligar para as meninas.

– Chama o Robert também! – gritei, enquanto ela saía.

– Ok! – e ela se foi.

– Só você de menino no meio de nós quatro poderia ser muito traumático para você! – brinquei.

Ele riu e nós continuamos a trabalhar.


No começo da noite saímos e fomos para um sushi bar com karaokê, próximo ao centro. MinSuk e Lucia finalmente se conheceram e se deram muito bem. Enquanto o pedido não vinha, sorteamos duplas e começamos a anotar os placares. Eu e Jane, Robert e Mayreen, MinSuk e Lucia.

Eu e Jane ficamos avaliando as outras duplas. Mayreen era tímida, mas sempre topava as brincadeiras, encarnando-as como se fosse um personagem. Robert estava ajudando-a e eles se saíram muito bem. Eu e Jane nos saímos bem, uma vez que ambas éramos afinadas. Ainda sim, MinSuk e Lucia com certeza ganhariam uma vez que pareciam profissionais, quase como se tivessem ensaiado.

– O MinSuk é tão bonito cantando... – disse Jane a meu lado.

Dei de ombros. Para mim ele era lindo o tempo todo.

– Você sabe alguma música do Gothee? – ela me perguntou. – Queria ver a reação dele!

Eu ri, tentando me recordar. Nos últimos dias tinha ouvido tanto o último single, porém muitas partes ainda me eram impronunciáveis.

– Tem uma. – disse me lembrando. – Sim! Tem uma que eu sei direitinho!

E peguei o caderno procurando. Lá estava.

Entreguei o papel para o rapaz, de repente muito ansiosa. Nas primeiras notas, MinSuk já jogou a cabeça para traz, dando sua gargalhada característica.

– “Minna ga urayamu...” – comecei. Não tirei mais os olhos da tela, consciente de que o menor desvio de concentração me faria errar tudo.
Continuei, conseguindo finalizar corretamente e obtive uma nota relativamente alta ainda que “devesse continuar estudando para me tornar uma estrela”. Voltei para a mesa exultante.

– E aí? Deu para entender meu coreano? – pisquei, sentando-me.

Mayreen e MinSuk começaram a rir. Foram os únicos. Os outros apenas sorriam esperando por uma explicação. Eu fazia parte desse grupo.

– Eu não entendi uma palavra do seu coreano! – disse MinSuk ainda rindo, fazendo Mayreen rir ainda mais.

Aquilo me fez corar, sem graça. Tentei pensar em alguma coisa para dizer, alguma brincadeira para fazer parte das risadas e não mais ser o motivo delas, mas antes que o fizesse, ele secou as lágrimas que derramava de tanto rir.

– Seu coreano é horrível! – disse ele segurando mais um ataque de riso. – Mas seu japonês é perfeito! – e ele estourou em outra risada.

Mayreen ainda ria de uma forma mais contida. Os outros ainda apenas sorriam. Eu franzi o cenho, até que compreendi.

– Eu cantei a versão em japonês?!? – comecei a rir também e MinSuk riu ainda mais.

– Sim. – confirmou ele. Nesse momento todos da mesa começaram a rir.

– Sério? Eu jurava que era coreano! – eu estava desapontada comigo mesma. – Era a única música que eu achava que sabia...

– Ah Ju! – disse ele pegando em minha mão, ainda rindo um pouco.

– Que culpa eu tenho que tudo é tão parecido!? – disse eu, fingindo-me brava. – E o japonês é muito mais fácil que o coreano! – reclamei.

– Agora eu fiquei curiosa para ouvir a versão em coreano. – disse Lucia, piscando para MinSuk.

Ele assentiu e, olhando para mim, disse:

– Vamos ver se eles conseguem perceber a diferença. – e saiu rindo.

Enquanto ele cantava, tive vontade de rir. Eu já tinha ouvido aquela versão, no entanto nunca tinha parado para avaliar qual era em qual idioma. Ele se aproximou da mesa e começou a cantar para mim, ensinando-me. Ao final nós batemos palmas e ele veio se sentar.

– É. Prestando bem atenção a gente consegue notar uma pequena diferença. – disse Robert sério, obviamente tirando uma com a minha cara.

Todos eles riram. Houve mais algum elogio ao meu ‘japonês perfeito’ e depois mudamos de assunto. Continuamos comendo e cantando o resto da noite. MinSuk e Lucia venceram, eu e Jane empatando com Robert e Mayreen.

Foi, com certeza, uma das melhores noites em Chicago!


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