O Vento E A Chama escrita por Jewel


Capítulo 4
PRIMEIROS CONTATOS




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No dia seguinte eu estava conversando com Rodrigo antes da aula começar. Tínhamos preparado uma apresentação de caráter profissional e por isso usávamos roupas sociais. Vi MinSuk perguntando algo para um aluno que estava encostado à porta. Ele vinha em minha direção mas não parecia ter me visto. Quando passou ao meu lado eu o cumprimentei. Só então ele me olhou. E então sorriu:

– Você está diferente! Eu não te vi...

Eu estava bem arrumada, isso era raro, então não o culpei. Normalmente eu faço o estilo casual ou ‘o que ficar bem primeiro’. MinSuk pareceu sem graça e isso me divertiu um pouco.

– Não tem problema.

– Você tem aulas assim? – ele pareceu preocupado e eu ri mais ainda.

– Não. Minha sala preparou apresentações de um estilo empresarial. Então, a gente teve que vir assim. Ah, esse é Rodrigo. Rodrigo, esse é o MinSuk.

– Tudo bom? – cumprimentou Rodrigo.

– Olá, prazer em conhecê-lo. Eu estou meio perdido, aí vi vocês todos com essas roupas formais... me perguntei se fiz certo em me transferir! – disse ele rindo.

– Você está se transferindo? – quis saber Rodrigo.

– Sim. De O’Hare. Lá é específico demais, então decidi vir para cá.

Fomos chamados a entrar e MinSuk seguiu para sua sala.

Ao sair de minha apresentação, encontrei-o no corredor.

– Como foi a apresentação? – perguntou ele.

– Deu tudo certo. Alguma discussão quando mencionamos a concorrência injusta de algumas empresas chinesas, mas deu tudo certo.

MinSuk deu de ombros. Provavelmente ele não estava familiarizado com aqueles tópicos.

– Quer ir almoçar? – perguntou ele.

– Claro!

Ele abriu a porta para que eu saísse e eu achei aquilo encantador para alguém da idade ele. “Encantador? Quais são os itens da lista mesmo?”, imaginei a voz de Jane em minha cabeça.

Enquanto comíamos, continuamos conversando um pouco sobre a escola até que o assunto migrou naturalmente sobre outros assuntos.

– Então agora você está na universidade? – perguntei-lhe.

– Sim. Comecei o ano passado.

– O que você faz?

– Meu curso inclui diversas disciplinas relacionadas à arte, cultura, cinema...

– Qual sua área de interesse?

Ele pareceu meditar ainda que a resposta já estivesse decidida.

– Dramaturgia, com certeza.

– Imaginei. – sorri.

– Por quê?

Me senti ruborizar.

– Bom, eu... vi a sua atuação em O Pianista, você é bem expressivo, passou bem o que o personagem sentia... imaginei que tivesse gostado da experiência.

– Sim, bastante. – dessa vez foi MinSuk quem corou. – O que você faz no Brasil?

– Eu trabalho com criação publicitária.

– Puxa! Que tipo de coisas você cria?

– Basicamente promoção de empresas e marcas, arte gráfica, visual, propagandas, web...

– Deve ser muito corrido!

– É, bastante.. Mas eu amo o que eu faço. Todo dia tem algo diferente, isso é tudo o que eu podia querer! – subitamente senti um pouco de falta da correria.

Continuamos conversando sem ver o tempo passar. Ambos rimos ao perceber que já era fim de tarde. MinSuk se ofereceu para me levar em casa mas eu insisti que aquilo não era necessário.


Entrei em casa e o cheiro bom de comida chegou até mim. Jane e Mayreen estavam colocando a mesa do jantar. Resolvi não contar nada sobre MinSuk para que Jane não começasse de novo a motivar sentimentos inexistentes.

– Ah, o que você vai cozinhar na quinta-feira? – Mayreen me perguntou enquanto comíamos.

– Quinta?

– Você esqueceu que é a sua vez de cozinhar? – riu Jane.

Bati na própria testa. Havia uma combinação, mesmo antes de minha chegada, que uma vez por semana, alguém cozinhava uma comida típica de seu país. Esta semana era minha vez e eu havia esquecido completamente.

– Eu esqueci mas vou pensar em algo. Acho que vou chamar o Rodrigo e a Samara para me ajudar, eles também são brasileiros!

– Precisamos calcular quantas pessoas virão... – refletiu Jane.

– Nós três, Lucia só volta na semana que vem. Robert, Ben, Rodrigo, Samara... podemos chamar o Andy e a Anne, também. – listou Mayreen.

– Vou calcular para dez pessoas, então. – concluí.

– Você não vai chamar seu novo amigo? – perguntou Jane.

– Talvez. – respondi da maneira mais natural possível, fingindo não perceber a insinuação dela.

– Que amigo? – quis saber Mayreen.

– Olha, você deve conhecer! – disse Jane.

– Ele é de uma banda coreana... – eu comecei, mas ela me interrompeu de um modo que eu me perguntei se Jane não a tinha dito nada.

– Do Gothee?

– É. - confirmei, me perguntando como ela conseguiu acertar de primeira.

– Ai meu deus!! Não me diga que é o JinKyu?!?!

– Não. – e a vi entristecer. – é o MinSuk.

Os olhos de Mayreen arregalaram, brilhantes.

– Você é amiga do MinSuk?! Do Gothee?? – ela estava incrédula e eu também.

– Não é bem amiga... eu encontrei ele, a gente conversou, ele estuda lá na escola...

– Minha nossa! Como eu não vi!!?!?! – a atitude de Mayreen estava me assustando um pouco.

Mayreen era a típica figura oriental, e ainda um pouco mais retraída. Uma pessoa de caráter íntegro e atitudes doces. Quando cheguei, ela se mostrou tímida e observadora, mas, pouco depois, já estava bastante falante. Ela era dois anos mais nova do que eu, porém com certeza mais madura. É por isso que a histeria por Gothee estava me assustando.

– Me conta como ele é!! – ela pediu.

– Ele é alto, cabelos pretos...

– Me conta algo que eu não tenha visto nos vídeos!

Eu meditei um pouco, tensa principalmente devido ao olhar de Jane sobre mim.

– Ele é doce... atencioso, como se você fosse a pessoa mais especial. – eu ri ao lembrar. – Ele é curioso mas de um jeito educado. Parece realmente interessado nas pessoas, nas histórias...

Mayreen suspirava.

– Ele costumava ser meu favorito sabia? – ela confessou. Eu arregalei os olhos, o que a divertiu. Ela continuou: - Eu o via nos programas de TV e ele parecia mesmo ser tudo isso que você falou...

– Quando foi que o JinKyu virou seu favorito então? Porque você perguntou dele primeiro...

– Ah, um dia eu encontrei ele na rua. Eles deviam estar promovendo algo na China. Eu fiquei olhando para ele, não conseguia tirar os olhos dele, daquele sorriso. Aí ele me cumprimentou e nós trocamos umas duas ou três frases. Ele foi tão atencioso que se tornou meu bias.

– Entendi.

– Os outros estão aqui também? – perguntou Jane, que estava em silêncio até agora, com empolgação em seus olhos.

– Pelo que entendi, ele veio sozinho para aprimorar o inglês.

– Ah! Convida ele Ju!! – insistiu Mayreen.

Olhei para Jane e vi a súplica em sua cara também.

– Ok. Vou ver se acho um jeito de convidá-lo... – elas soltaram vivas.

Eu adverti de que isso não garantia que ele viria. Mesmo assim elas continuaram animadas.


–-----

Ao final da aula fiquei combinando com Rodrigo e Samara o que prepararíamos para quinta-feira. Rodrigo sugeriu feijoada mas concluímos que estava muito em cima da hora para encontrar todos os itens. Samara sugeriu fazermos um churrasco e peixe assado. Nós concordamos que seria bem mais fácil, então combinamos de nos encontrar mais tarde para comprar o que seria necessário.

Ainda falávamos disso quando vi MinSuk atravessar o corredor, vindo em minha direção. Aquilo não me surpreendeu nem um pouco, de certa forma eu esperava que ele aparecesse. Quando ele e cumprimentou e me convidou para almoçarmos novamente, eu pensei em dizer-lhe que ele não precisava ficar atrelado a mim, que podia e devia (ora essa!) interagir com outras pessoas. No entanto, a presença dele era tão leve e prazerosa que dificilmente eu diria uma palavra em protesto à atenção extra.

Falávamos sobre várias coisas:

– Como estão as aulas? – perguntei-lhe durante o almoço.

– Vão bem. Estou tentando puxar mais créditos, mas os horários estão apertados.

– Aconteceu comigo também... tanta coisa interessante!

– Sim. Eu ainda estou preenchendo minha nova grade. Que coisas você sugere?

– Ah... meu curso é de 4 semanas, então tem muitas coisas que eu não tinha como puxar. Já pensou em puxar um específico da sua área? Teatro, interpretação de textos?

– O que você faz que seja relacionado à sua área?

– A maioria das coisas que eu puxei está ligado à expressão oral, por isso tantas apresentações. Quanto ao resto, bem, eu só puxei coisas que gosto de fazer... – e ri pensando que, na maioria de meus créditos, estavam matérias que não tinham qualquer relação com minha área de formação.

Agora estávamos degustando a sobremesa, falando um pouco sobre o que gostávamos de fazer no tempo livre.

– Em minha primeira semana aqui, eu e as meninas saímos todos os dias! Eu nem sei como elas conseguiam ir para as aulas... nós chegávamos de manhã!

– Que tipos de lugares Chicago oferece? - ao perguntar isso, ele quase deixou um pedaço cair de sua boca e o modo como evitou, fazendo um biquinho, nos fez rir.

– Todos! Para todos os gostos. – havia fascinação em meus olhos, pois eu havia me apaixonado por aquela cidade. – Nós fomos a bares, shows de blues e jazz, jogos, mas normalmente a gente saía para dançar... O que você tem feito nessas duas semanas?

– Bom, eu moro sozinho. O pessoal da escola não era tão animado... Fomos ver jogos de futebol, basquete. Íamos jogar boliche... nada como dançar até amanhecer!

Nós rimos, mas eu pude sentir minha face corar. “Que imagem minha para passar!”, pensei.

– Mas é que eu adoro dançar... amo mesmo. Você gosta mesmo de dançar, MinSuk? Ou só porque faz parte do seu trabalho?

– Eu gosto muito de dançar também. Aliás, eu gosto de qualquer coisa que movimente meu corpo. Sempre gostei de esportes então, meio que encarava desta forma no começo. Amo música, amo me mexer... dançar foi uma associação fácil.

Eu concordei, admirando a argumentação perfeita de MinSuk. Pareceu-me que para mim era simples daquele jeito também. Isso me deu uma ideia que antes que eu ponderasse sobre ela já estava falando:

– Olha, agora que a gente é amigo há trêêês dias... – minha ênfase e meu sarcasmo os fizeram sorrir. – eu posso te pedir uma coisa?

Ele assentiu de um modo curioso. Eu hesitei:

– Será que você me ensinaria a dançar o último single de vocês?

Ele pareceu levar alguns instantes para entender. Quando o fez, pareceu não acreditar:

– Sério?

Isso me fez ficar embaraçada de repente. Ele percebeu, então sorriu e disse:

– Ok. Eu não sou tão bom quanto YoungTae mas posso te ensinar o que eu sei.

– Que bom! Muito obrigada, MinSuk!

Ele ainda sorria como se não acreditasse num pedido como aquele.

– Quando quer que a gente comece? – perguntou.

– Hm... não sei... mas tem que ser logo, não é?

– Hoje eu marquei de ir jogar futebol com uns amigos.. pode ser amanhã, o que acha?

– Puxa.. amanhã eu tenho um compromisso..

– Ah... – ele pareceu sem graça.

Consciente do fato de que quando uma pessoa usa a palavra "compromisso” é porque não quer dizer o que irá fazer, eu logo emendei:

– Eu vou ter que cozinhar amanhã. Aliás! Por que você não vem? – inconscientemente fui pelo caminho que Jane e Mayreen tanto ansiavam. Ele pareceu pensar. Continuei, de modo a demonstrar que não era um convite especialmente para ele. – Vão estar alguns amigos lá... Nós fazemos isso toda semana, cada dia alguém cozinha uma comida típica do seu país. Amanhã é o Brasil então eu, o Rodrigo e a Samara vamos cozinhar.

– OK. – disse ele rindo. – Mas vou logo avisando que eu como bastante.

Eu sorri, mas não pude deixar de perceber que, com o argumento de que haveria mais gente lá, MinSuk aceitou facilmente o convite. Seja como for, a presença dele era algo muito bom e fiquei feliz que ele tenha aceitado.

– Que horas será? – disse ele, cortando meus pensamentos.

– O pessoal vai começar a chegar umas 18h... Claro que eu e os outros estaremos na cozinha desde muito antes!

– Nós podemos dançar depois da aula, amanhã mesmo. Como você disse, temos pouco tempo.

– Ok. Começamos amanhã então.


–-----

Estava saindo da aula com Rodrigo quando MinSuk veio em minha direção. Aquela cena já estava se tornando comum, então Rodrigo se despediu e confirmou que estaria em casa as 16h.

MinSuk e eu comemos sanduíche ali perto e depois seguimos para sua casa. Observei-o tirando os sapatos, então fiz o mesmo.

– Espera que eu vou pegar algo para você. – e menos de um minuto depois ele voltava com um par de pantufas. – Vão ficar meio grandes...

– Grandes? – disse eu após calçar. – Está faltando pé e não sobrando espaço!

– Cuidado na hora de dançar! – e nós dois rimos.

O apartamento era comum, com pouca mobília, certamente deixada pelos locadores. Me chamou a atenção o fato de MinSuk ter preparado a sala, afastando os móveis e colocado um espelho grande, não como de salas de dança, mas alto e da largura de 3 pessoas.

– Onde você conseguiu o espelho?

– Estava na porta do armário do quarto.

– E você tirou?

– Sim. Foi simples. Agora é só tomar cuidado para não quebrar...

– Pode deixar. – ri.

Ele foi até o rádio, colocou a música e pausou.

– Você conhece bem a música? – perguntou-me.

– Sim. Eu não sei cantar em coreano mas, conheço o suficiente para distinguir as partes.

– Isso já ajuda. – e então soltou a música.

Ele era um excelente professor! Era atencioso e delicado ao corrigir. Eu já vira os vídeos várias vezes, diversos deles, então estava familiarizada com a coreografia, mas haviam movimentos que eu não tinha sequer reparado que existissem. MinSuk pausava a música sempre que necessário e ia cantando mais devagar, me mostrando os movimentos. Nesses momentos eu adorava ficar ouvindo sua voz. Ele me tocava ocasionalmente, me mostrando os passos, e eu ficava sem jeito, sem saber direito por que. Fizemos uma pausa, na qual ele ficou me elogiando e incentivando, e ensaiamos mais um pouco, mas tive que sair correndo ou iria me atrasar.

Cheguei em casa e fui direto para o banho. Mal saí, a campainha já tocava. Eram Rodrigo e Samara, animados para pôr a mão na massa. Rodrigo cuidaria das carnes, Samara do peixe e eu, de todo o resto.

Jane estava na cozinha nos ajudando quando a campainha tocou novamente e eu fui abrir.

Fiquei surpresa ao ver MinSuk lá.

– Cheguei cedo? – ele franziu a testa, tentando adivinhar.

– Imagina! – menti.

– Eu trouxe a sobremesa. – disse ele levantando um embrulho.

– Puxa! A gente não tinha pensado nisso. Obrigada!

Ele entrou e viu que, a parte das pessoas trabalhando, ele fora o primeiro a chegar.

– Eu prometo não atrapalhar.

– Imagina! Vem aqui! – e levei-o até a cozinha. – A Samara e o Rodrigo que estão ali fora, você já conhece. E esta aqui é a Jane. Jane, este é o MinSuk.

– Olá MinSuk! – o tom de Jane denotava algo que eu não consegui entender.

– Muito prazer Jane. – disse ele, acenando com a cabeça.

– O prazer é nosso em te receber! – MinSuk sorriu acenando novamente, quando Jane emendou. – Então você é o famoso MinSuk!

– Sim. – concordou ele, sem jeito, provavelmente achando que Jane se referia ao Gothee, mas dessa vez eu entendi muito bem.

– Sabia que você é o favorito dela? – Jane arregalou os olhos como se fosse uma notícia quente.

Eu parei com a boca entreaberta, fuzilando-a com o olhar, pois não vira graça alguma naquilo. No entanto, MinSuk sorriu fingindo-se presunçoso:

– É mesmo? – e virou-se para me olhar.

Eu dei um sorriso amarelo, peguei uma bacia de carne e saí para levar a Rodrigo. Não me demorei lá fora, a fim de não deixar Jane ficar dizendo besteiras para MinSuk. Quando entrei, Jane estava guardando a sobremesa que ele trouxera na geladeira e agradecia-lhe.

– Esta torta é fabulosa! Uma das favoritas da Ju! – dizia ela.

– Eu sei. – ele disse.

– Sabe é? – eu me intrometi, sendo um pouco mais rude do que desejava.

– É... – ele pareceu sem jeito. – Você sempre fica namorando ela quando a gente almoça.

Minha vez de ficar sem jeito. Torta de limão era minha paixão, de verdade. Eu realmente ficava namorando ela quando íamos às cafeterias e lanchonetes. Mas não imaginei que fosse algo tão descarado a ponto dele perceber.

– É verdade. – confirmei, ainda sem jeito. – Mas todo mundo aqui também gosta!

– Eu gosto também. Fiquei olhando para ela quando a gente almoçou ontem. – riu ele.

Continuamos atarefadas enquanto MinSuk passeava pela sala. Eu o olhava de longe, imaginando que realmente nossa casa não parecia muito uma casa de estudantes. Nossa sala parecia a de uma grande família, um mural com fotos de todos os que já passaram por aqui, vários objetos de todos os gostos, das moradoras anteriores e atuais, que foram se acumulando mas que combinavam muito bem. As plantas de Mayreen, as almofadas de Lucia... eu devia comprar algo também em breve. Olhá-lo de longe, vê-lo em silêncio, o olhar interessado. Minha respiração falhou ao perceber novamente o quanto ele era lindo.

– Vai cortar a mão, hein? – disse Jane rindo.

Eu pisquei algumas vezes, voltando a minha função.

– Jane, por favor, eu não quero brigar com você por nada nesse mundo, muito menos por causa de coisas inúteis.

– O que foi que eu fiz? – ela fez uma cara de inocência. Mantive meu olhar de “você sabe” até que ela admitiu. – Tudo bem. Me desculpe pelas brincadeiras. Mas eu precisava ver a reação dele! – ela baixou bem a voz nesta última parte.

– Reação dele? – eu inquiri sem olhar para ela, concentrando-me em picar tomates.

– Você viu? Ele ficou feliz de saber que é o seu preferido... e ele trouxe a torta.

– Jane, ele só brincou de ficar feliz. E ele sabia que eu namorava a torta porque ele mesmo fazia isso!

Nossa briga era não mais que um sussurro, assim soltei um gritinho de susto quando Samara entrou na cozinha.

– Desculpa... – ela riu. – eu preciso de algo para colocar o peixe. Está quase assado.

– Ju, tem uma travessa perfeita lá em cima, no armário do seu quarto. – informou Jane.

– Eu sei qual você está pensando. Pode deixar que eu pego!

Quando entrei na sala, MinSuk me olhou curioso.

– Eu vou pegar uma travessa lá em cima. Quer ver o resto da casa? – perguntei-lhe.

– Se não tiver problema.

– Claro que não! Vem.

Subimos e eu fui dizendo o que era cada cômodo. MinSuk se demorou olhando nosso mínimo (porque era menor que pequeno) jardim de inverno - na verdade era só um amontoado de plantas aproveitando o lugar da claraboia.

– Muito bonito aqui.

– É. Essa casa é um amontoado de coisas de todas as moradoras que já passaram aqui, mas até que as coisas combinam, não é? – e ele riu concordando. Chegamos ao fim do corredor. – E este é meu canto! – disse ao abrir a porta.

Entrei rumo ao armário. MinSuk se demorou um pouco mais olhando ao redor. Quando olhei para ele, vi que estava sorrindo.

– Eu sei que nada que tem aqui é seu... mas combina muito com você!

– É... – me deixei viajar pelo quarto. Eu amava aquele quarto tanto quanto amava o resto da casa, tanto quanto já amava aquela cidade. Uma vida totalmente paralela a minha vida. Suspirei e voltei a ficar na ponta dos pés em frente ao armário.

– O que você está procurando? – disse ele se aproximando.

– Uma travessa de vidro verde. Funda, comprida assim. – fiz um gesto tentando mostrar com as mãos.

– Nossa! Tem um monte de coisas aqui! – exclamou ele, olhando para dentro do armário. – Por que vocês têm essas coisas aqui? – perguntou, pegando uma toalha de mesa e um conjunto americano.

– Mais um caso de acúmulo antigo. Nossa cozinha não comportava todas essas coisas. Como eu trouxe pouca coisa e coube tudo no meu guarda-roupa, essas coisas ficaram aí mesmo.

– É essa daqui? – disse ele levantando a travessa.

– Sim! Obrigada!

Aproveitei e peguei minha inseparável máquina fotográfica. Ao voltarmos à cozinha, Rodrigo já estava tirando algumas carnes e começamos a beliscar.

A campainha tocou e Jane foi atender. Ela voltou correndo para cozinha. A campainha ainda tocava.

– É a Mayreen!! – ela disse.

– Quê que tem? Vai atender. – eu disse.

– Vamos deixar o MinSuk atender e ver a reação dela??! – ela estava eufórica com a ideia.

– Vamos! – eu topei na hora.

Todos levantaram. Enquanto íamos para sala eu expliquei para MinSuk que a Mayreen morava com a gente e era muito fã de Gothee. Ele riu e entrou no espírito da brincadeira. Mayreen estava impaciente e tinha metido o dedo na campainha, tocando-a ininterruptamente.

– Pois não? – disse MinSuk sério, abrindo a porta num átimo. – Posso ajuda-la?

Nós estávamos bem atrás dele. Foi muito engraçado ver a cara de Mayreen. Num primeiro momento ela estava com cara de que ia xingar quem estava abrindo, por causa da demora. No instante seguinte, ela viu MinSuk e já ficou vermelha, rindo e escondendo o rosto entre as mãos. Nós todos não conseguimos segurar o riso, até MinSuk riu, abraçando-a. Ela o abraçou e depois, fingindo brava disse-lhe:

– Você demorou para atender MinSuk! – e todos nós rimos ainda mais.

Aos poucos o pessoal foi chegando. Formamos uma roda na sala, todos comendo e conversando. Colocamos algumas músicas brasileiras para ajudar no clima. Tirei várias fotos para guardar de recordação. Foi uma noite muito, muito agradável.

MinSuk foi um dos últimos a ir embora, uma vez que quis ajudar Robert em sua incumbência de lavar as louças. Ao acompanha-lo até a porta eu me sentia lívida. Por mais que a gente estivesse convivendo todos aqueles dias, naquela noite ele foi incrível.

– Obrigada por ter vindo, MinSuk! Eu nem sei como te agradecer!

– Eu que agradeço o seu convite! Foi muito divertido! Sério mesmo! E a comida, ótima!

– Mesmo com arroz soltinho? – nós dois rimos ao lembrarmos a reação dele ao ver que o arroz não tinha os grãos grudados, como ele conhecia.

– Eu adorei tudo, inclusive sua comida.

Eu me senti corar. Ele estava parado em frente a porta sorrindo, parecendo-me ainda mais lindo. Eu sabia que tinha que me despedir, mas o olhar dele me desconcertava. Eu queria ficar olhando, olhando...

– Quer uma carona MinSuk? – era a voz de Robert, que colocava o casaco para sair.

MinSuk concordou com a cabeça e depois me deu boa noite, acompanhado de mais um de seus sorrisos. Eu acenei e entrei enquanto eles desciam as escadas da frente. Fechei a porta, encostando a testa nela e não consegui evitar um suspiro.

– Ele é mais novo que você, ele mora na Coréia e você no Brasil, você é mais velha que ele... qual eram os outros itens mesmo? – era a voz de Jane.

A voz de Jane dizendo os itens da minha lista de porque não me deixar apaixonar por MinSuk. Sem me virar para ela eu disse:

– Como. Você. Sabe?

– Estava caído no chão do seu quarto, mas não estava muito bem amassado. Me desculpe.

Eu ri, sem entusiasmo, mas realmente achei engraçado o tom de Jane ao citar a lista, e me virei, olhando para ela. Ela riu também e continuou:

– Ele ser mais novo que você e você ser mais velha que ele, não querem dizer a mesma coisa? Por que contar um item cada um? – ela estava fazendo piada e eu não consegui não achar engraçado.

– Boa noite Jane! – e subi as escadas rindo.

Talvez num dia difícil eu teria ficado brava com Jane, mas não hoje. Hoje o dia tinha sido inteiramente ótimo. “Boa parte por causa de MinSuk”, pensei.

– Ele é mais novo que você, ele mora na Coréia... – comecei a recitar a lista em voz alta enquanto me arrumava para dormir.


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