- Ahhh! – Katie gritou olhando sua imagem refletida no espelho. Ou, pelo menos, o que devia ser sua imagem.

         Não, aquela não podia ser Katie. Ela podia ter os olhos de Katie, o nariz, a boca, e podia até mesmo estar encarando-a do outro lado do espelho. Mas ela não era Katie. Porque, até onde Katie sabia, seu cabelo nunca fora loiro. O cabelo de Katie sempre fora castanho, daquela familiar cor-de-terra. Como devia estar agora.

         Ela olhos para os lados, e o reflexo a imitou. Fez uma careta e foi novamente imitada. “Não, essa não sou eu” pensou descrente. “Talvez eu esteja delirando ou algo do tipo” concluiu tocando uma mecha de cabelo loiro claro. Aquele não era o seu cabelo e só havia um modo de confirmar.

         - Jonatah! Jonatah! Acorda! – ela disse sacudindo o irmão mais velho que dormia na cama mais próxima.

         - Hun... Katie... Me deixa dormir... Só mais cinco minutos.... – ele murmurou cobrindo a cabeça com o travesseiro.

         - Só preciso de você por cinco segundos. – Katie respondeu arrancando o travesseiro de suas mãos em um gesto meio brusco, e obrigando o garoto a olhar para ela.

         - Ah! Katie?!?!? – Jonatah gritou meio surpreso, meio aterrorizado, meio divertido e meio sonolento. – Vo-você está.... Loira?

         - Como eu imaginava. – Katie murmurou irritadiça. Ela se levantou, andando até a porta e a batendo com força ao sair. Sem nem ligar para o fato de estar usando pijamas e não roupas... Apresentáveis.

         Foi batendo o pé até o chalé numero 11, tentando ignorar os olhares estranhos que os outros campistas lhe lançavam. Não sabia se era por que estava loira, ou porque usava um pijama de cerejas cor-de-rosa extremamente curto, mas a junção desses dois fatores parecia ser extremamente divertida para eles. Subiu na varanda e chegou até mesmo a levantar a mão direita em um punho cerrado para esmurrar a porta, mas foi interrompida por um riso baixo, em algum ponto a sua esquerda.

         - Sabe, acho que você devia usar mais esse modelito – ela ouviu a voz dele comentar divertida. Travis Stoll. Ela se virou para encara-lo em um giro nos calcanhares que fez todo se cabelo loiro esvoaçar-se, sentindo a madeira da varanda do chalé por entre os dedos e se lembrando que estava descalço.

         - Stoll – Sibilou por entre os dentes, cerrando os punhos e sentindo a raiva subir a cabeça. O sorriso dele se alargou ainda mais. Ali estava ele. Com a camiseta cinza sem estampa, o jeans gasto, os tênis de corrida e o recém-cortado cabelo castanho claro. E o sorriso. O sorriso que faria o coração de Katie bater mais rápido, se não a deixasse com tanta raiva.

         - Ele mesmo. – ele concordou ainda sorrindo. Jogou um objeto que estava em sua mão esquerda, que Katie não havia notado antes, para cima e depois o apanhou novamente. Era uma garrafa azul-clara, meio transparente... Ah, não era... É, era uma garrafa quase cheia de água oxigenada.

         - Seu idiota, estúpido, inbecil! Qual é o seu problema?!?! – Katie berrou se aproximando dele e distribuindo tapas às cegas, um para cada palavra que proferia e mais alguns apenas por que ele merecia mesmo.

         - Pode acrescentar lindo à lista também – ele respondeu se defendendo dos tapas como podia, mas sem largar a garrafa. Em algum ponto, segurou as duas mãos de Katie com apenas uma, parecendo achar a coisa toda extremamente divertida.

         - Rrrrrrrrrrw. – Katie protestou tentando se soltar dele e, infelizmente, constando que seu inimigo era bem mais forte. – Me solta Stoll!

         - Só se você pedir desculpas. – ele respondeu divertido, parecendo não ter que fazer nenhum esforço para mantê-la presa pelos pulsos.

         - Desculpas? – ela repetiu docemente. Em seguida, com um sorriso irônico nos lábios, deu um chute forte em sua canela, mesmo estando descalça. Travis soltou suas mãos como se tivesse levado um choque, se abaixando instantaneamente para segurar o local onde havia sido antingido.  – Acho que meu método é mais conveniente.

         - Acordou de mau-humor hoje, Loirinha? – ele provocou com o mesmo sorriso divertido em lábios novamente.

         - Vocêéomaioridiotaquejáconheci! – Katie berrou falando extremamente rápido, rápido o suficiente para que fosse impossível entender o que ela havia falando.

         - Também te amo. – Travis devolveu colocando a garrafa na meia-cerca de madeira que cercava  a varando do chalé.

         - Argh! – Katie bufou irritada, cruzando os braços. – Mil vezes maldito, Stoll! Eu vou ter que ir assim encontrar James!

         - Hun. Eu sugiro que troque de roupa, pelo menos. – Travis disse tentando parecer pensativo, mas falhando completamente pelo fato de estar quase rindo. – Ele pode te achar oferecida, ou sei lá. Cerjas não combinam com primeiros encontros.

         - Cale a boca! – ela gritou gesticulando com as mãos, se aproximando dele ameaçadoramente. – Seu idiota!

         - Nah. Um idiota não conseguiria fazer metade do que eu fiz. – provocou em resposta. Sabia que Katie era inocente demais. A garota andava sempre na linha. Idiota devia ser o maior insulto que ela se permitia proferir.

         - Mas só um idiota faria o que você fez. – Katie rebateu. Estava tão próxima dele que tinha de olhar para cima ao encarar os seus olhos azuis.

         - Touchê – ele afirmou com um novo sorriso. Katie bufou e se sentou na cerca de madeira.  Estava de forma que, mesmo sentada, Katie ainda olhava diretamente para ele, que se apoiava na parede do chalé.  Ficaram em silêncio. Um silêncio confortável. O tipo de silêncio que era difícil de quebrar.

         - Como? – Kay perguntou baixinho afastando uma mecha do recém-loiro cabelo dos olhos. Ela viu, pelo canto dos olhos, que a garrafa azul-claro agora estava a seu lado, a poucos centímetros de si. Travis deu de ombros.

         - Nada de mais. – ele respondeu. – Fácil como roubar dos filhos de Ares.

         - Você já...?

         - Tá, mãe. Juro que não vou fazer de novo. – Travis disse irônico, levantando os braços em um falso gesto de redenção. Katie revirou os olhos.

         - Quanto tempo? – ela perguntou baixinho, com a voz meio estranha.

         - Duas, talvez três, semanas. – ele respondeu dando de ombros e se afastando da parede para andar em direção à ela. Katie bufou.

         - Tem certeza? – ela perguntou com um tom de voz estranho. Travis estava perto. Na verdade, suas mãos estavam apoiadas na meio-cerca onde ela estava sentada e ela já podia sentir seu reconfortante cheiro. Katie não sabia qual era o cheiro de Travis. Mas, para ela, era algo como casa.

         - Não. – ele respondeu. Agora, estava tão perto que ela podia sentir seu hálito de menta soprar pelo seu rosto, como uma brisa delicada com sabor de chiclete. Ele tocou a ponta dos cabelos de Katie com os dedos e levantou uma mecha. – Sabe... Acho que você fica mais bonita morena.

         Katie riu baixinho, deslizando sorrateiramente a mão até a garrafa ao seu lado, segurando-a entre os dedos.

         - Mesmo? – perguntou inocente para ele, reparando que ele não vira o movimento. Tirou a tampa silenciosamente, rezando aos deuses para que não desse nenhum movimento em falso.

         - Na verdade, você é linda de qualquer jeito. – ele respondeu com um sorriso galanteador. Katie agarrou a garrafa finalmente destampada.

         - Acho que podíamos fazer o mesmo com você. – Katie respondeu com um sorriso malicioso para ele. Travis só teve tempo de arregalar os olhos surpreso, antes dela levantar a garrafa acima de sua cabeça com um movimento ágil e despegar todo seu conteúdo em seus cabelos castanhos. – Me procure daqui duas horas e nós conversamos sobre isso.

         Katie saiu de lá quase correndo, o que não foi muito difícil uma vez que Travis havia pulado quase meio metro de distancia quando a aguá-oxigenada atingiu seus cabelos.

         - KAY! – ela ouviu um grito furioso quando já estava em meio caminho de volta para o chalé de sua mãe. Riu baixinho, vitoriosa, acelerando o passo para uma cômica quase corrida.

         Talvez estivesse passando tempo demais com Travis.