Manchas escrita por Juliiet


Capítulo 7
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Esse cap não tá revisado, mas é porque eu demorei tanto pra postar ele aqui que agora to com pressa e vou deixar sem revisar mesmo :( Então se vocês encontrarem algum erro, me avisem que eu ajeito, ok?



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   A semana foi se arrastando, um pesadelo. As pessoas agora falavam comigo, me cumprimentavam e sorriam um pouco, ainda que eu não desse a mínima e continuasse ignorando todo mundo, inclusive e especialmente as duas malucas que dividiam o quarto comigo. Bom, não é como se aquelas duas falassem comigo. Willa tinha medo de mim, estava claro pelos sorrisos nervosos que ela me dava e por sempre arrumar uma desculpa para não ficar sozinha no quarto comigo. E Luma, bom, essa era uma cadela. Ficava sempre me provocando com comentários maliciosos sobre Chermont e eu, não apenas no nosso quarto, como também em voz alta no meio dos corredores, refeitório e até na sala de aula. Eu tentava ignorar da melhor forma que podia, mas posso dizer que minha paciência estava no limite.

   Ficou claro para mim, nessa semana, que Paulo era amado, adorado e idolatrado na escola, por isso todo mundo fazia o que ele queria. Lindo, inteligente, atlético, responsável e popular. Meu ódio por ele crescia a cada dia. Principalmente porque eu sabia que ele mandara todos serem gentis comigo, porque ele não mandava a vadia da Luma calar a boca quando ela começava a falar que o aluno modelo e a delinquente do colégio estavam se pegando e porque arrumava qualquer desculpa pra falar comigo entre as aulas, o que só aumentava a crença de todos de que nós tínhamos alguma coisa.

   Eu estava saindo da minha última aula da manhã de sexta feira, ansiosa por chegar ao refeitório para o almoço. Por mais que eu goste de reclamar de tudo, preciso confessar que a comida da escola não era ruim. E a minha sexta feira estava sendo até agradável, na medida do possível. Por alguma razão, que realmente não me interessava nem um pouco, Luma estava muito calada desde o café da manhã e não ficou fazendo piadinhas a meu respeito. Além disso, já era meio dia e eu ainda não tinha topado com aquele monitor de quinta, talvez ele finalmente tivesse decidido parar de encher o meu saco.

    - Oi, Julieta - disse uma voz às minhas costas. Não precisei virar para saber quem era. Definitivamente o nível do meu dia acabou de cair. É, pelo visto querer que aquele otário pare de encher meu saco é pedir demais.

   - O que você quer? - perguntei, ríspida, sem diminuir o passo nem olhar para ele.

   - Chamar você para almoçar - Chermont respondeu com uma voz que só posso descrever como alegre.

   - Não, obrigada - respondi, sem pensar duas vezes.

   Eu me perguntava pela milésima vez por que aquela mudança ocorrera nele. Ainda era o mesmo garoto que, no primeiro dia de aula, prometera me chutar dessa escola antes da missa de domingo?

- Vamos, Julieta, não seja assim - ele se meteu na minha frente, impedindo-me de continuar meu caminho para o refeitório. - Uns amigos e eu vamos num restaurante muito bom na cidade, vai ser mais legal se você vier.

   Parei, agarrando meus livros com força para não ceder ao impulso de largá-los e arrancar aos socos o sorrisinho sexy da cara daquele infeliz.

   - Deixa eu adivinhar quem são esses amigos - disse, com uma expressão de fingida concentração. - O garoto com cara de surfista tarado, a garota que pula mais que bolinha de ping pong, o namorado retardado da garota que pula mais que bolinha de ping pong, a nerd, o que se acha o engraçado, o pirralho, a miss apagadinha e, é claro, a piranhona. Por que você acha que eu ia querer sair com esses perdedores? Isso sem falar em você, o que te leva a crer que eu quero a sua companhia?

   Paulo agarrou meu braço com força, fazendo meus livros caírem no chão. As pessoas que estavam no corredor tiveram a esperteza de sumir rapidinho do local. Já haviam se acostumado com aquela cena, que acontecera algumas vezes ao longo da semana. Paulo vem falar comigo, eu sou uma cretina com ele, Paulo fica irritado e acabamos aos gritos. Depois, Paulo vai embora, descontando sua raiva em qualquer pessoa que apareça na sua frente e quando nos encontramos de novo, fala comigo como se nada tivesse acontecido.

   - Estou cansado de você e dessa sua grosseria! - gritou ele, furioso. - Droga! Você não consegue, nem por um minuto, ser civilizada? O que meus amigos fizeram para você falar deles desse jeito?!

   - Vai dizer que você não escuta o que aquela piranha da Luma fala sobre nós? - perguntei, azeda.

   - Será que você pode parar de chamar a Luma de piranha?

   - Não, não posso! Ela vive inventando mentiras sobre nós dois! Diz que somos namoradinhos e essas besteiras! E você simplesmente não faz nada!

   - Ah, e o que você queria que eu fizesse? - perguntou com ironia. - Protegesse a pobre Julieta das garras da Luma malvada? Você tem a língua mais afiada que eu já vi, por que não se "defende"?

   - E correr o risco de precisar aguentar você me colocando de novo na detenção?

   Paulo largou meu braço e apertou os punhos. Fechou os olhos e deu um longo suspiro, depois abriu-os e ficou me olhando fixamente.

   - Se eu falar com a Luma, você vai almoçar com a gente e agir como uma pessoa civilizada? - perguntou.

   - Por que é tão importante que eu vá almoçar com você e seus amigos estúpidos? - perguntei, irritada - Pode esquecer, eu não vou perder meu tempo com vocês. E eu não preciso que você me defenda de nada nem de ninguém. Será que dá para parar de se meter na minha vida?

   Eu podia sentir a raiva que emanava dele. Sinceramente, não me surpreenderia se ele metesse a mão na minha cara, tamanho era o ódio que eu via em seu rosto. Mas ele apenas me deu às costas e foi embora.

   E eu me senti na pior.

   Acho que dessa vez, exagerei.

   Sentia-me um pouco mal por ter ofendido os amigos do Paulo, até porque eles pareciam ser bem decentes, quer dizer, quase todos eles. Tinha a Luma, é claro, a filha do satã. E o que eu disse que tinha cara de ser surfista tarado era tão lindo que chegava a ser decadente. Alto, forte, com cabelos loiros e lisos até os ombros e olhos cor de caramelo derretido, ele era uma verdadeira tentação. Era monitor também, mas não tinha aquele ar responsável do Chermont, pelo contrário, tinha sempre uma expressão travessa no rosto que me dava a impressão de que ele era um canalha. Um tipo que eu conheço bem demais.

   Apesar de nunca ter falado com ele, ou com qualquer um dos amigos de Paulo, tirando Willa e Luma, podia vê-los conversando e rindo no pátio ou nos jardins. Umas duas vezes eu vira o grupo saindo da escola para almoçar juntos na cidade. Pareciam sempre tão jovens, felizes e inconsequentes, e faziam-me sentir uma velha amargurada e cheia de inveja.

   Queria uma vida daquelas, ser feliz daquele jeito, sem nenhuma preocupação na cabeça maior do que as provas de fim de ano. Bom, mas eu não era um deles e não poderia ser, precisava parar com essas crises e enfrentar a minha realidade.

   Suspirei, juntei meus livros e continuei meu caminho para o refeitório. Como era sexta feira, a maioria dos alunos do segundo e do terceiro ano tinha feito como Chermont e seus amigos, indo almoçar na cidade. Sentei-me num canto da mesa, longe das meninas do primeiro ano e de suas risadinhas agudas. Estava começando a ter uma dor de cabeça.

   Apoiei meus livros na mesa e soltei o cabelo que estava preso num rabo de cavalo que eu tinha feito às pressas pela manhã. Desembaracei-o com os dedos, pensando no cardápio do dia e um pouco arrependida por não ter aceitado o convite do Paulo. Já estava me levantando para ir me servir quando uma bandeja foi colocada bem na minha frente, com um hambúrguer gigantesco no prato e um copo cheio de limonada.

   Levantei os olhos e me deparei com aquele rosto de anjo, a pele pálida, o nariz perfeito, os lábios finos, os olhos negros e as sobrancelhas bem desenhadas. Ele olhou para mim somente por um segundo antes de desviar o olhar.

   - Estou sem fome - disse, olhando para o outro lado do refeitório. - Pode ficar.

   Sua voz era suave, calma, o tipo de voz que praticamente não se ouve mais nos dias de hoje, como se ele não tivesse a mínima pressa para nada. Ele tinha um ar tão solitário, despertava em mim a curiosa vontade de abraçá-lo e confortá-lo. Logo eu, que era conhecida como miss Gelada na minha antiga escola e realmente não gosto muito de tocar em pessoas que eu não conheço, por mais boa aparência que essa pessoa possa ter.

   Esse colégio estava definitivamente tendo algum efeito estranho em mim, já que eu estava querendo abraçar aquele menino estranho e, a cada dia que passava, achava mais difícil arrumar desculpas para me livrar do Paulo, que parecia ficar mais atraente toda vez que eu o via.

   No momento, também não via muito problema em tocar no Paulo. De fato, até gostava quando ele segurava meu braço com raiva, como fez mais cedo. As mãos dele são grandes e quentes. E firmes, o tipo de mãos que podem fazer...

   Chega! Para de pensar nesse otário, Julieta! O que diabos está acontecendo com você?

   - Então, vai comer? - perguntou Gabriel, voltando os olhos para mim.

   - Err - comecei, em dúvida. Ainda não sabia bem o que aquilo tudo significava.

   - Se não quiser, não precisa.

   - Não...quer dizer, sim! Claro que eu vou comer, obrigada.

   - Ótimo - disse ele, começando a se afastar.

   Levantei-me rapidamente.

   - Espera um pouco! - falei. Um pouco alto demais, acho, já que algumas pessoas viraram a cabeça na nossa direção.

   Gabriel voltou-se para mim e ficou parado, quase como uma estátua, esperando que eu falasse.

   - Ahn - comecei, consciente de todos aqueles olhares em cima de mim. - Por que você não senta comigo?

   - Não posso sentar na mesa das garotas - respondeu, indiferente aos olhares.

   - Ah, tudo bem, então -respondi, envergonhada. Senti minhas bochechas queimando.

   Gabriel deu alguns passos na minha direção e pegou a bandeja. Ótimo, agora ele devia estar pensando "por que diabos eu fui dar meu almoço pra essa retardada?"

   Quase pulei de susto quando ele segurou minha mão.

   - Quer ir comer lá fora? - perguntou.

   - Ok - respondi.

   Então ele me puxou e nós dois deixamos o refeitório.

   Fomos para o pátio e ele soltou minha mão. Foi só então que percebi que todos os estudantes ali olhavam descaradamente para nós.

   - Você sabe que todo mundo vai correr para contar para o seu namorado que nós dois fomos vistos juntos assim que ele puser os pés na escola, não é? - Gabriel disse naquela voz calma que eu estava começando a adorar.

   - Eu não tenho namorado - disse incisivamente. Sabia que ele estava falando do Chermont, mas ele não era meu namorado mesmo nem tinha direito nenhum sobre mim.   E para falar a verdade, no momento eu não dava a mínima para o que os retardados daquela escola pudessem falar. O pária da nossa sociedade estudantil havia falado comigo. E eu queria saber mais sobre ele.

   Gabriel limitou-se a dar de ombros e me fitar com aqueles incríveis olhos negros por um momento, depois foi andando normalmente em direção a um dos muitos bancos de pedra do pátio, mas não voltou a me tocar. Fui atrás dele e nós dois nos sentamos um pouco afastados um do outro, o bastante para fazê-lo pôr a bandeja de comida no espaço entre nós.

   - Coma - ele disse.

   - Você não está mesmo com fome? - perguntei, afinal aquele era o almoço do menino. E ele era tão magrinho e pálido que eu tinha minhas dúvidas se ele se alimentava regularmente.

   - Na verdade, eu já comi - foi o que ele respondeu, parecendo muito interessado na arquitetura do prédio central da escola. - Peguei isso para você.

   Ok, isso foi uma surpresa.

   - Por quê? - perguntei, tentando deixar minha voz calma e indiferente como a dele. Deixe-me só dizer que foi um esforço fracassado.

   - Foi um motivo para me aproximar - disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo. - Falar com você. Além disso, você sempre me parece tão pálida, parece que está prestes a ficar doente.

   Caí na risada. O sujo falando do mal lavado.

   - Você não tem muita moral para falar da minha palidez, levando em conta a sua própria - disse, e peguei o sanduíche, dando uma grande mordida. Sentia-me bem com a sinceridade dele. - Parece uma aparição, às vezes - completei, de boca cheia.

   Fiquei chocada a ver o que eu pensei ser um sorriso quase imperceptível se formar em seus lábios finos. Mas foi só por um segundo, então ele se virou para me olhar, com a costumeira expressão indiferente, e disse:

   - Então é por isso que você está sempre me olhando?

   Engasguei e precisei de grandes goles de limonada para voltar ao normal. Qualquer outra pessoa teria dado desnecessários e incômodos tapinhas nas minhas costas, mas Gabriel educadamente olhou para o outro lado e esperou eu me recompor. O que, da minha parte, achei ótimo.

   - Fui tão óbvia assim? - perguntei assim que consegui respirar novamente. E senti o rosto começar a ficar vermelho.

   Gabriel se virou para mim novamente, com clara intenção de dizer alguma coisa, mas parou antes mesmo de começar. Olhava para mim quase com interesse, mas de uma maneira clínica e objetiva, como se fosse um quadro que estava vendo pela primeira vez e sobre o qual precisasse fazer um relatório para a aula de artes. Seus olhos passearam por minha testa larga, os arcos das sobrancelhas pretas, meus olhos grandes demais para o meu rosto, meu nariz pequeno e arrebitado coberto de sardas e por fim, minha boca. Ele pareceu se fixar nela por um momento e se seu olhar não fosse tão frio, juraria que ele iria me beijar. O pensamento só me fez corar com mais força.

   - Seu rosto fica...adorável quando está corado - declarou, hesitando um pouco na palavra "adorável". Mas não uma hesitação tímida, era mais como se não fosse a palavra mais adequada para me descrever. - Saudável.

   Fiquei calada por um momento, o rosto ainda vermelho, decidindo se aquilo era um elogio ou não. Provavelmente não. Gabriel não parecia o tipo de garoto que disparava elogios impensados às pessoas, especialmente às garotas. Parecia mais o tipo calado, mas que, quando falava, dizia o que pensava, o que esclareceu uma parte do mistério de ele ser tão sozinho.

   As pessoas não estão interessadas no que você pensa, não de verdade. E estão menos interessadas ainda no que você realmente pensa sobre elas. Pelo menos na minha experiência, que posso dizer sem presunção, não foi nada limitada, as pessoas só estão interessadas nas coisas boas que você pode dizer sobre elas, ainda que não pense nada disso. Ninguém mais quer ouvir a verdade, nem dizê-la, por sinal. E eu achava que Gabriel era diferente. Assim como eu. E é por isso que nós dois não tínhamos amigos.

   Bom, no meu caso não era só por isso. E eu também não podia afirmar com certeza que Gabriel não tinha amigos. Ele podia conhecer outras pessoas, fora do colégio. Mas algo me dizia que não.

   - Então - Gabriel quebrou o silêncio. - Qual é o seu lance com o Chermont? Vocês já se conheciam antes?
   - Eu?! Pelas areias sagradas do deserto, não! - respondi, querendo deixar bem claro que Paulo e eu não tínhamos nada a ver. - Eu não tenho lance nenhum com esse projeto de nazista. Somos muito diferentes, não temos nada um com o outro. É como se ele fosse um velho homofóbico e eu fosse a parada gay.
   Gabriel me olhou e quase sorriu. E dessa vez não achei que tinha sido minha imaginação. 

   - E isso foi uma metáfora, ok? - disse, só para o caso de ele ter entendido errado. - Eu definitivamente não sou a parada gay.

   Ele só ficou me fitando com aqueles olhos penetrantes e aquele projeto de sorriso que não era bem um sorriso. E eu fiquei me perguntando se ainda era possível eu falar mais merda. Sério, qual o meu problema? É só eu começar a conversar com um garoto decente, que parece que tem a cabeça no lugar certo - ao contrário de certos babacas que andam soltos por esse colégio - que eu começo a vomitar as palavras desse jeito. Em horas como essa é que eu devo dar graças ao meus lindos olhos e ao poder de um bom delineador e uma máscara de cílios decente. Uma garota deve conhecer seus pontos fortes. E o meu, acho que já está bem claro, não é o de estabelecer comunicação por meio de conversa.

   O que eu estava pensando? Eu definitivamente não queria me insinuar para esse garoto. Eu já tinha decidido deixar os homens fora da minha vida por um longo período. Que é isso? Recaída? Rehab já.

   - Se você diz, eu acredito - Gabriel declarou de repente. - Você pode não ter nada com ele. Mas isso não significa que ele não tenha nada com você.

   - O que quer dizer com isso? - perguntei, apesar de não ter muita certeza se queria mesmo saber. Não tinha gostado do tom do Gabriel quando disse isso.

   - Chermont não age assim. Não persegue os alunos, está sempre correto, se dá bem com todos. É o aluno modelo desta escola. O Paulo Chermont que eu conheço nunca daria muita atenção para uma garota como você se não tivesse um bom motivo.

   - Uma garota como eu? - repeti, com desprezo. Odeio quando me colocam rótulos.   Achei que o pequeno Gabe fosse ser diferente. - E como exatamente seria uma garota como eu?

   - Uma com personalidade, para variar. Alguém que poderia macular a reputação perfeita do nosso querido presidente do Conselho Estudantil.

   Fiquei pensando por alguns minutos no que o Gabriel tinha acabado de dizer. De certa forma, fazia muito sentido, quer dizer, depois de tudo o que aconteceu no primeiro dia de aula, seria de se esperar que o Paulo quisesse é distância de mim, mas ele continuava me perseguindo, me convidando para almoçar, tentando ser simpático e essas coisas. Por que ele estava fazendo isso?

   Ficamos calados por um longo momento e eu aproveitei para terminar meu almoço, que já estava frio. Quando terminei, limpei as mãos na saia e olhei para o Gabriel. E entrei em choque quando percebi que ele estava com os olhos fixos nas minhas pernas, e eu não estava usando meia calça. Ah, mas esse era outro safado! Eu mereço, quando penso que encontrei um garoto decente para conversar, o moleque mostra as garrinhas. Estava me preparando mentalmente para descer a porrada nele quando reparei que, na verdade, o que ele olhava eram meus joelhos machucados.

   - O que aconteceu? - perguntou.

   - Eu caí - ah, dá um tempo, a verdadeira história era muito longa e complicada. E desde quando contar mentiras é nova para mim?

   - Sei - foi só o que ele respondeu. - Você o odeia?

   - Quem?

   - Paulo.

   - Não.

   - Devia.

   - Eu sei.

   Olhei para os meus joelhos esfolados, que já estavam quase cicatrizando. Ou Gabriel me entendia mais do que eu podia imaginar ou ele era tão maluco quanto o Paulo.

   - Vou te contar uma coisa - decidi. Não sabia bem o porquê, mas tinha bastante certeza que Gabriel não usaria contra mim nada do que eu falasse. - Não gosto desse garoto, mas ele me faz sentir uma adolescente normal de novo. Por isso não posso odiá-lo. Detesto-o, mas não o odeio.

   - E você não é uma adolescente normal? - ele fez exatamente a pergunta que eu não podia responder.

   - Você é? - perguntei como resposta.

   - Bom ponto. 

   O horário do almoço estava quase acabando e os alunos começavam a voltar para o colégio para descansar e se arrumar para as atividades da tarde, que começariam em mais ou menos uma hora. Eu havia passado a semana inteira matando tempo durante a tarde, já que ainda não havia me inscrito em nada, mas hoje eu tinha uma hora marcada com a coordenadora para resolver isso e na segunda-feira começaria com mais essa tortura.  

   Resolvi me levantar e levar a bandeja para o refeitório. Não sou covarde nem tenho medo de ninguém, mas queria evitar ter de me encontrar com o Paulo depois da discussão que tivemos mais cedo. E queria pensar. Em mim mesma e na razão deste lugar estar me afetando tanto. E em apenas uma semana.

   - Estou indo - disse para o Gabriel.

   - Espere! - ele se levantou e segurou meu braço. Não com violência como certos monitores desta escola, mas com delicadeza, quase como se ele pensasse que eu fosse quebrar.

   - O que foi? - perguntei, um pouco rápido demais.

   - Não nos apresentamos - disse ele, me soltando.

   - Mas eu já sei o seu nome.

   - E eu, o seu. Isso importa? - ele não sorria, mas seus olhos sim. Ele estava certo.  Segurei a bandeja com a mão esquerda e levantei a outra mão. Ele a apertou levemente.

   - Oi, eu sou Julieta Vaughan - eu disse.

   - Gabriel Kimak - ele disse e largou minha mão, para logo depois pegar a bandeja de mim. - Pode deixar que eu cuido disso - e foi embora.

   Fiquei alguns segundos ali parada, tentando decidir se gostava de Gabriel Kimak ou não. Quando o vi pela primeira vez, achei que fôssemos parecidos, mas agora não tinha certeza. E não sabia se isso era bom ou ruim. 

   Decidi que já estava perdendo tempo demais pensando nele e correndo o risco de encontrar com o Paulo ali no pátio, então me apressei para sair de lá. Entrei no refeitório e peguei as coisas que havia deixado na mesa, livros, cadernos e alguns papéis. Mas, como sou uma garota realmente esperta e como o professor Hertzog, de matemática, me odeia e provavelmente colocou alguma feitiçaria negra maligna na minha apostila, eu consegui cortar o dedo com o maldito papel. Saí bem rápido do refeitório e entrei no banheiro feminino mais próximo para limpar o corte antes que eu acabasse sujando todo o meu material. O banheiro estava vazio e eu logo abri a torneira e coloquei minha mão embaixo do jato d'água por um momento, mas o corte era bem superficial, só estava ardendo um pouquinho, comparado com minhas feridas do primeiro dia de aula, não era nada.

   Sequei minhas mãos e estava saindo do banheiro quando ouvi um soluço. No final, o banheiro não estava realmente vazio. Larguei minhas coisas na pia e fui ver de onde vinham os soluços, que tinham ficado mais altos.

   Logo descobri que tinha alguém chorando no último cubículo do banheiro e, por alguma razão, fiquei com pena da garota, o que não é normal em mim, já que eu tento ignorar a maioria das pessoas ao meu redor. Mas eu havia lembrado de quando eu estava chorando no bosque e o Chermont chegou e me abraçou e, mesmo que eu lutasse contra isso, fez com que eu me sentisse melhor. Pensei que podia tentar fazer isso com outra pessoa, sabe, todo esse papo de consolar.

   Ou podia me mandar e deixar que essa garota lidasse com seus próprios problemas, já que de problemas eu tenho o suficiente por duas vidas e meia e realmente não tenho tempo de ficar me preocupando com os dos outros. Ok, podia fazer isso. Devia ter feito isso. Mas não fiz.

   Empurrei a porta do cubículo bem devagar, já que ela não estava trancada. Arregalei os olhos em surpresa quando vi a última pessoa que esperaria encontrar chorando no banheiro. Luma. Ela levantou os olhos cor de céu azul de verão, que agora estavam inchados e vermelhos e se assustou quando me viu. Pensei que ela fosse gritar para que eu a deixasse em paz ou bater a porta na minha cara ou as duas coisas. Talvez ela fizesse isso mesmo, mas antes que qualquer uma de nós tivesse esboçado qualquer reação, a porta do banheiro foi golpeada com força.

   - Saia daí agora, garota! - ouvi a voz do Paulo, furiosa, através da porta. - Eu sei que você está aí dentro. Saia ou eu vou entrar e tirar você daí!

   Certo, isso não tinha como ficar mais estranho. Qual era o problema daqueles dois? Bom, mas ficou. Mais estranho, quero dizer. Ficou total e completamente sinistro quando a Luma se levantou, me abraçou com força e disse, numa voz chorosa e patética:

   - Por favor, não diz para ele que eu estou aqui. Por favor.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Deixem reviews!



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