Memória escrita por Guardian


Capítulo 17
Crucifixo


Notas iniciais do capítulo

Narração em terceira pessoa em ação ~



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Algum tempo se passou - dois dias, se alguém fizer questão de exatidão - desde a última parte desta narrativa. Nada de muito significativo aconteceu nesse tempo; algumas memórias foram resgatadas, algumas brigas foram arranjadas - nada além do habitual, considerando o histórico de certo loiro de corte chanel - e algumas descobertas foram reafirmadas. Mas sobre isto podemos falar mais tarde.

O foco, no momento, é algo que aconteceu na manhã chuvosa do segundo dia, quando o clima e o tédio fizeram os dois amigos permanecerem no quarto ao invés de se darem ao trabalho de atravessarem o lugar e assistirem às aulas matinais. Bom, não era como se Mello já não soubesse toda a matéria, ou como se algum professor, ou mesmo Roger, tivessem coragem de brigar com Matt. A preguiça acabou falando mais alto e eles ficaram por ali mesmo.

Matt estava sentado no chão, com uma coberta jogada sobre os ombros e encostado em sua cama, com um de seus portáteis em mãos. Aos poucos ele reaprendia seus vícios e, principalmente, suas antigas habilidades em tudo quanto é tipo de jogo.

E Mello, depois de terminar o livro que estava lendo - e que acabou não sendo tão interessante quanto esperava - tinha alcançado o estágio do "nada". Sabe, aquele estágio onde a sensação de "nada" domina sua mente, e você passa a não enxergar nem sentir nada ao seu redor, até que algum pensamento súbito e vindo aparentemente de lugar nenhum, cruza a mente e ocupa o lugar desse curioso "nada".

E esse tal pensamento que fez isso com o Mello, encontrava-se em sua própria mão no momento.

Ele estava deitado de costas em sua cama, com o livro esquecido ao lado, um braço servindo de apoio sob sua cabeça, e o outro levemente esticado, segurando... Seu crucifixo. Sim, era o mesmo que havia ganho há dias, como o presente de aniversário dado por Matt.

Na verdade, ele sequer notava que estava brincando com o pequeno objeto entre os dedos. Seus olhos, assim como seus pensamentos, estavam voltados para o passado, sem ele nem mesmo se dar conta de que estavam.

Matt havia perguntado se aquilo possuía algum significado, mas se tivesse que explicar, pôr em palavras para ele, Mello não saberia o que dizer. Tinha um significado sim, mas era algo meio abstrato, que talvez apenas o loiro conseguisse entender de verdade.





Lembram-se de quando foi contado sobre os motivos do pequeno Mello ter ido parar na Wammy's House? De todo o problema que sua mãe enfrentava? Faz tempo, não? Mas para explicar o motivo daquele tal objeto possuir algum significado para ele, é preciso voltar um pouco àquela época.

Isso era antes dos surtos da Sra. Keehl começarem, quando ela era apenas uma mãe jovem, bonita e feliz, com um filho extremamente inteligente e hiperativo. A família não possuía problemas financeiro, graças ao trabalho do Sr. Keehl nunca tiveram que se preocupar com isso, mas diferente do que se possa pensar, eles não tinham nenhuma grande ânsia de ficar ostentando isso.

Karen, a mãe de Mihael, por exemplo, não gostava de usar joias. Se a ocasião não pedisse por isso, ela sempre preferia um estilo mais básico, embora um toque de elegância não pudesse ser contido. Em geral vestidos soltos, ou saias e blusas mais sóbrias, dependendo de seu humor ao sair para trabalhar. Mas independente de que roupa usasse, ou para onde estivesse indo, havia um único elemento que nunca deixava para trás.

Uma corrente relativamente comprida, prateada e delicada, com um pequeno crucifixo preto pendurado. Ela não era exatamente religiosa, e nunca se considerou como tal, mas após sobreviver a um acidente de carro anos e anos atrás, ela passou a sentir uma estranha necessidade de agarrar-se a algo. E era por isso que sempre usava aquela cruz, que para ela, acabou se tornando esse "algo".

Mas como ela nunca falou nada sobre com o filho, ele nunca soube porque ela usava direto aquela corrente. Só sabia que via aquilo todos os dias pendurado em seu pescoço, e que era uma das únicas coisas que se lembrava de sua mãe antes de tudo começar.

Como ela o tratava antes de começar a se esquecer de quem ele era? Ela ia até seu quarto lhe dar boa-noite? Ficava muito brava quando ele quebrava algo na casa? Iam juntos fazer as compras da semana? Deixava ele comer quanto chocolate quisesse nas vezes que ficava doente? O obrigava a comer os tomates que tanto odiava?

Mello não conseguia se lembrar de nada disso. A única lembrança que não o abandonou, mesmo depois de tanto tempo, foi a daquele crucifixo. Por algum motivo, na mesma época que Karen deixou de ser sua "mãe", ele nunca mais a viu usando a corrente. E talvez fosse por isso que o acessório fosse sua única memória de antes de tudo, porque de uma forma ou de outra, acabou se tornando um indicador de que tudo estava bem, sumindo por completo quando não estava.

Fazia sentido? Para Mello sim, e é isso que importa.

De qualquer forma, ele nunca contou nada sobre isso para Matt nem para ninguém, tanto que os únicos que sabiam o por que dele ter ido parar no orfanato eram Watari e Roger. L também, provavelmente. Então para explicar como isso acabou se tornando seu presente de aniversário, é preciso avançar vários anos no tempo.

Mais especificamente, para alguns meses antes dos acontecimentos atuais.

Matt e Mello estavam em Romsey, uma cidade próxima, após convencerem Roger de levá-los junto - até chegaram a usar as palavras "prêmio pelo bom comportamento" - em uma viagem que ele tinha que fazer. Coisa rápida, voltariam no mesmo dia.

De alguma forma eles conseguiram convencer o senhor, e pode-se dizer que se divertiram bastante naquele dia. Claro, que estar em um lugar diferente para variar, e o fato de Roger ter confiado o suficiente neles a ponto de deixá-los sozinhos enquanto resolvia seus assuntos, não tiveram nada a ver com isso.

Os dois, surpreendentemente ou não, fizeram jus à confiança e não arranjaram nenhum problema durante todo o dia. Que orgulho, não é mesmo?

Mas no fim do dia, quando já estavam atrasados para encontrar o senhor e voltar para o orfanato, Mello parou. Sim, é uma cena um tanto parecida com a do Matt, quando eles foram à cidade, mas Mello, ao invés de parar em frente a um beco, parou em frente a uma loja.

Era difícil definir que tipo de loja era aquela, parecia vender de tudo um pouco. A vitrine exibia todo quanto é tipo de objetos, desde abajures, livros e uma espécie de cachecol, até aparentes produtos de beleza e cd's antigos no outro canto. Mas o que fez o loiro parar, foi passar e ver, ao lado de uma bonita coleção de relógios de pulso, estava algo que ele não via há anos, que ele nem imaginava que fosse voltar a ver.

Talvez nem fosse o mesmo, provavelmente não era, mas não era somente parecido, era igual. Dolorosamente igual.

Mello parou de andar, deixando Matt continuar falando sozinho, e olhou para o pequeno crucifixo preto preso a uma comprida corrente, cuidadosamente colocado sobre uma almofada vermelha de veludo, de exibição.

Não soube dizer quanto tempo ficou ali olhando, com algumas memórias picadas de uma época que achava estar quase totalmente enterrada dentro de si, sendo relembradas, até que sentiu a mão de Matt em seu ombro.

Não falou nada, assim como nenhuma pergunta foi feita. Mas não pôde evitar de virar o pescoço uma vez mais para olhar a cruz, antes de sair andando para longe. Sentiu-se estranho com aquilo, e pela primeira vez em um bom tempo, pensou em sua mãe. Como será que ela estaria...?





Nesse ponto, Mello já controlava seus próprios pensamentos mas ainda os mantinham focados naquele mesmo tópico. Ou melhor,tentava pensar em uma razão para Matt ter lhe comprado aquilo. Tinha ficado feliz, óbvio, mas... Não deixava de ser curioso.

Por que ele...

– Parecia importante.

O súbito pronunciamento de Matt fez o loiro levantar em um salto da cama e o olhar de olhos levemente arregalados. Por um segundo teve a impressão de que tinha dito em voz alta, mas não parecia ser o caso, já que o ruivo parecia tão surpreso quanto ele com aquelas palavras.

–... Como?

– Ah... Eh... - Matt olhava para os lados, pensando no que dizer. Por algum motivo sentia-se um pouco... "Envergonhado", por ter largado seu jogo e ficar olhando para o outro enquanto este parecia totalmente absorvido em pensamentos. Por que se sentia envergonhado? Por fim começou a falar, mas sem olhar para o loiro.

– Bom... Você parecia tão concentrado nisso, que eu... - apontou para o crucifixo sobre a blusa escura de mangas compridas que Mello estava usando -... Eu fiquei tentando lembrar de quando eu comprei.

– E... Conseguiu? - Mello cobriu com poucos passos o espaço entre eles, e se agachou em sua frente. Matt evitou ainda mais olhá-lo, e simplesmente não conseguia entender por quê.

– Mais ou menos... - por que suas mãos estavam trêmulas? - Apenas de uma... Sensação, eu acho.

– Sensação?

– Algo como... Parecia ser importante pra você, então eu comprei - e Matt virou finalmente o rosto, talvez apenas curioso para ver a reação do outro, talvez por algum outro motivo, mas foi ao fazer isso, que Mello se deu conta de como eles estavam próximos. E isso fez ele se afastar quase imediatamente.

Sentiu seu rosto esquentar, e assim como Matt há instantes atrás, passou a olhar para qualquer canto que não fosse para a pessoa à sua frente. Suas batidas estavam fora de ritmo, aceleradas, e a frase ecoou em seus ouvidos. "Parecia importante para você".

Então, lembram-se do início deste capítulo, onde foi dito que "algumas descobertas foram reafirmadas"? Pois bem, era disso que estávamos falando. Porque chegou a um ponto, em que Mello não tinha mais como negar.



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Notas finais do capítulo

Ceeerto, agora às desculpas. Eu tinha planejado tantas fics pra ler, tinha tanto pra escrever, mas... Duas semanas de "férias" não deram pra fazer nem um quinto do que eu queria T~T
Maaaas, eu tive umas ideias bem legais pros próximos capítulos (eu achei, pelo menos), e vou escrever assim que minha inspiração recarregar ~(porque a de hoje esgotou depois desse capítulo, Madness, e uma certa one-shot *----*)
Eh... Reviews? :3