Todos os dias ele marcava um "x" no calendário. Ele acostumou-se a acordar mais cedo. Me dava um abraço, tomava um banho, e saía sem palavras, sem avisos. Às vezes, ele chegava nos ensaios com a banda. Algumas noites, ficava jogando videogame com Matt. Em outras, ia ver Michelle.

Alguns dias, eu não fazia a menor idéia. Mas, antes das dez, onze, eu ouvia a porta abrindo, a mochila sendo jogada no sofá, e passos pelas escadas.

Uma outra porta se abre: o quarto dele.

Então eu me levantava. Saía do meu quarto. E ia até a  porta do outro, entreaberta. Bem quietinho, silencioso o mais que podia, o observava.

Sentado na poltrona velha, ele olhava o mural de fotografias. Registros dos tantos momentos juntos, rindo, tocando, bebendo, a vida que os cinco haviam compartilhados juntos. Então, levantava-se. Tal como uma oração, uma prece, ele pegava uma caneta no criado-mudo, e marcava um "x" no respectivo dia.

- Mais uma dia - falava.

Porém, não era mais. Era menos. Há dois anos.

Depois de alguns meses, ele havia começado à dedilhar novamente sua guitarra. Um tempo depois, já podia ouvir ele cantando algumas estrofes, algumas melodias perdidas. Então, começamos a produção do CD, naquele caos de sentimentos, mas lá estava ele, cabeça erguida. Um pouco da arrogância, do sorriso aberto, um pouco do Brian de volta. Tínhamos voltado a viver.

"Às vezes, nós nem lembramos. Só vivemos nossa vida da melhor maneira. Mas, às vezes, não podemos e nem acreditamos".

 Entre cervejas e risadas, fica um silêncio que nenhuma palavra pode preencher. Não havia o que falar. 

Então, veio a música, preencher este vazio. Nunca, nunca poderei esquecer daquele dia. Foi a música mais linda e mais triste que já o ouvi cantar. Ela, a música, disse tudo que ele trancou dentro dele por meses. Por isso, naquele "x", entrei no quarto e o abracei.

Um dia à menos, afinal.