1997 escrita por N_blackie


Capítulo 32
Pollux




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Os jardins decorados em labirintos de grama alta de Beaubatonx se estendiam para o horizonte, terminando em um riacho enfeitiçado que, para qualquer trouxa desavisado, seria bloqueado por um campo minado, com uma placa gasta que dizia “CUIDADO: ÁREA DE MINAS TERRESTES (1937-1945)”. Antes disso, a placa dizia outra coisa, e antes ainda, outra. Próximo dali, um pequeno vilarejo medieval.

Para além das bordas da Academia de Magia Beaubatonx, um imenso chateau, repleto de varandas minúsculas e arejadas e vitrais imensos, se erguia imponente no gramado verde brilhante, com um campo de quadribol decorado com bandeirolas azuis e brancas à esquerda, e à direita, estufas ricamente adornadas que pontilhavam arbustos em forma de animais delicados. Os portões dourados, trabalhados em figuras de cavalos e varinhas, se abriam para um salão de abóbada envidraçada, com um aroma eternamente aconchegante de flores primaveris e croissant recém-frito que pairava no ar.

“Não acho que Molière vá conseguir apresentar bem, sendo gago,” dizia Charlotte Gardinier, ajeitando a boina azul clara nos cabelos curtos encaracolados, “já é péssimo que o seja, ainda mais cantando! Vou tampar os ouvidos e virar o rosto.”

“Ele vai ignorá-la completamente!” respondeu Mathieu, quebrando uma parte da enorme baquete diante dele e enfiando na boca. “Não acha, Pollux? Certamente vai ser um desastre, mas bem feito. Quero ver Bellerose escalar Molière de novo para fazer um solo no musical, haha! Pollux?”

“Perdão, não ouvi nenhum dos dois.” O garoto Black mirou o próprio chá com amargor, relendo pela décima vez uma carta que chegara de Londres não muito antes.

Primo, dizia a letra rabiscada de Adhara,

Faz tempo que não te escrevo, mas não fique doido, aconteceram as coisas mais bizarras desde as férias, cara! Tem alguma conspiração rolando no ministério, algo tão repugnante que garanto que você ia adorar ver. Ainda não sei o que é exatamente, mas está deixando meus pais bem assustados, você vai entender só disso. To tentando ser positiva, mas não sei se consigo, pra ser franca.

O Ministério inglês está interferindo aqui em Hogwarts, e mandou Dolores Umbridge para investigar todo mundo (professores, a gente...), você lembra dela? Era aquela mulherzinha com cara de rã que a sua mãe disse que daria uma sopa muito boa, sabe? Bom, é ela a vaca. Estamos super amigas, tomando chá e saindo para falar de garotos e tudo o mais, sabe? (Não sei se você ainda reconhece sarcasmo, então que fique claro que isso foi sarcasmo pesado, eu odeio aquela vadia!).

Enfim, tenho um pouco de preguiça de escrever – e só quis te mandar isso pra contar que a situação tá tensa por aqui, se puder avisar o tio Reg -, mas que fique claro que, sim, ainda estou viva, sim, estamos todos bem (acho que sim, quero dizer, Jack ainda é um retardado), e que sinto sua falta. Prongs e Moony não sabem conversar sobre coisas bizarras e nojentas, nem ficar a noite inteira acordados, e nem são o meu primo. Manda notícias!

Um Beijo e um Abraço!

Adie

P.S: Sério, avisa o seu pai do que está acontecendo, uns caras perigosos barra pesada fugiram de Azkaban, e podem estar atrás dele! Agora paro mesmo, beijo!

Pollux amava receber cartas de Adhara, especialmente aquelas em que ela lhe contava as trapalhadas dos irmãos mais novos e dos amigos em Hogwarts. Ela tinha o dom de se meter nas situações mais perigosas que ele já vira, e tinha o dom ainda maior de encarar todas elas com um sorriso brincalhão no rosto. E que rosto.

Fazia alguns anos que não a via, e só sabia como ela estava bonita pelas fotos que mandava para ele, sempre respondidas com retratos dele mesmo e dos amigos, e mesmo assim a conhecia melhor que aos dois. Conhecia a caligrafia dela, e especialmente quando ela estava brincando, e quando não estava. Nesta carta, feita para ser brincadeira, Pollux não conseguira ver uma linha que ela pudesse ter escrito com um sorriso.

“Está há horas olhando esta carta, Pollux, por Santa Joana!”

“Há tensão do outro lado do Canal, minha família está lá, Lotte.”

“Deixe que os ingleses se virem com os problemas deles! Não me lembro de ninguém aparatando para cá quando Grindewald invadiu a Academia em 44!” Mathieu bateu na mesa com firmeza, empinando o nariz imenso.

“Francamente, isso foi há cinquenta anos.” Pollux recolheu o pergaminho e guardou na pasta, balançando a cabeça e rolando os olhos. O som de talheres batendo uns nos outros foi abafado pelo tintilar de metal batendo em vidro, e as cabeças cobertas por boinas azuladas viraram-se para a mesa dos professores, de onde a imensa Madame Maxime delicadamente chamava a atenção de todos. Imediatamente se levantaram.

A diretora da Academia acabara de entrar no saguão de café da manhã, e trajava um terno imenso ao estilo da década de quarenta trouxa, enfeitado com um cinto elegante e brilhoso e calças negras que certamente gastaram muita seda para serem feitas. Olhava a todos com frieza e distância, mas Pollux notou que mexia nervosamente nas pérolas de seu colar, como se fosse muito difícil dar o anúncio planejado.

“Bonjour a todos, podem sentar-se.” Deu uma pausa para que todos pudessem voltar a seus lugares, e por um minuto tudo que se ouviu foi o som de bancos se arrastando e estudantes arrumando-se. “Ótimo. Gostaria de convocar dois alunos para minha sala, imediatamente. Pollux Black e Madeleine Mckinnon, s’il vous plaît.”

Pollux sentiu centenas de olhares pousarem nele, e procurou pela garota um ano abaixo do seu pelas mesas adjacentes. Encontrou-a não muito longe dele, olhando pálida para a diretora, e saiu o mais elegante que suas pernas, subitamente trêmulas, permitiram. Chegou perto dela suavemente, e tocou seu cotovelo, sentindo a nuca formigar com os encarar inquisidor dos colegas de academia.

Madame Maxime disse algo a mais, algum aviso, mas ele não ouviu muito bem, concentrado em guiar Madeleine e ele mesmo até a diretora. A mulher, que já era alta à distância, parecia gigante se comparada aos dois adolescentes, e esticou o braço sem esforço até os ombros de Pollux. “Vamos, garçon, mademoiselle.”

“Aconteceu algum problema, Madame Maxime?”

“Já vão saber. Vamos.”

Pollux e Madeleine a seguiram pelos corredores compridos e repletos de tapetes brancos até uma escadaria em mármore com corrimão dourado, o qual Pollux se apoiou para conter o nervosismo. Subiram para uma torre relativamente baixa, com uma porta imensa guardando a entrada de um salão oval com teto decorado. As altas janelas davam para os jardins ornamentados, e milhares de livros e pergaminhos anotados empilhavam-se pelas paredes, em pilhas tão altas que deixavam a imensa mesa e cadeira da diretora pequenas. Madame Maxime sentou-se, altiva, e indicou as duas cadeias, não muito pequenas, diante de sua escrivaninha.

Pollux subiu no assento, sentindo-se pequeno demais para tudo ali, e olhou para Madeleine, ainda mais confusa que ele. Maxime ajeitou algumas anotações perto dela e mirou uma última vez para um papel de carta timbrado com o selo ministerial, cujo envelope ainda jazia jogado próximo ao abridor de cartas prateado, antes de respirar fundo e olhar os dois alunos.

“Pollux, Madeleine, a notícia que recebi e devo passar a vocês é provavelmente a pior que já tive de passar a alunos. Tentaria, em outra ocasião, argumentar com o ministério, mas não vejo como poderia amenizar toda a situação se o fizesse, então vamos ao ponto. Annette Mckinnon desapareceu numa missão próxima ao porto de Calais, há aproximadamente três semanas, e Regulus Black também sumiu na noite de ontem, depois que voltava do trabalho pela linha trouxa de metrô.”

As mãos de Pollux imediatamente voaram para a pasta, onde guardara a carta da prima. Sentiu as palmas ficarem suadas, e depois frias, e as solas de seus pés pareciam ter deixado o chão firme. Agarrou nos braços da cadeira em que estava, tentando controlar a tremedeira que amorteceu todos os músculos de seu corpo, e percebeu que não conseguia mais olhar para Madeleine. Não precisava faze-lo para saber como ela estava, claro, pois o som de seu choro chegou com clareza a seus ouvidos, abafado logo em seguida provavelmente pelas mãos dela. A diretora conjurou alguns lenços e estendeu-os aos dois.

“Sua mãe entrou em contato com o ministério, Pollux. É o desejo dela que você seja transferido para Hogwarts, aos cuidados da família de seu tio e sua tia. Madeleine, sua mãe expressou desejo parecido, relegando sua guarda a Marlene Black até segunda ordem.”

“Ela vai voltar, foi só um engano, Madame!” a voz de Madeleine mal saia.

“Sinto muito, minha querida.” Madame Maxime saiu de seu assento para abraçar Madeleine desajeitadamente. “Eu realmente sinto muito.”

“Não há notícias de meu pai em lugar algum?”

“O ministério está a procura dele, mas não há sinal de onde ele possa ter ido. Sua mãe acredita que ficará mais seguro aos cuidados de Albus Dumbledore, aparentemente, e eu discordo, mas acho que a proximidade a seus primos lhe fará menos preocupado. É uma tristeza perder um aluno de nossa excelente escola, de verdade... Podem arrumar suas coisas e se despedir, só partirão ao anoitecer.”

Pollux ergueu-se mecanicamente e agradeceu, sentindo um misto de esperança e desespero atormentarem sua cabeça. Gostava de Beaubatonx, mas sonhara, uma época, em estudar perto de Adhara. Seu pai desaparecera, e bem que sua prima lhe dissera que pessoas podiam estar atrás dele. Regulus nunca lhe contara sobre a primeira – guerra, e fora ingênuo o suficiente de achar que Adhara guardaria esse segredo de Pollux. Sabia bem o que o pai fizera e deixara de fazer, e dos inimigos que isso lhe trouxera. Não conseguia pensar logicamente, e nem falar algo que pudesse confortar Madeleine, que agora estava completamente sozinha no mundo, exceto por aquela família que ela mal conhecia.

Recolheu suas coisas melancolicamente, dobrando os uniformes azuis elegantes e colocando-os de lado. Os livros em francês ele deixou sobre a cama de Mathieu, sob protestos do amigo.

“Não é possível! O ministério francês investiga melhor que qualquer outro, vão encontrar seu pai e você vai voltar, não tire os livros daí!”

Charlotte o esperava no saguão, virando os olhos muito negros tentando não derramar nenhuma lágrima. Outros alunos o observavam de longe, cochichando entre si, e algumas meninas suspiraram quando Lotte correu e o abraçou. Pollux apertou os cachos negros dela.

“Não se preocupe, vamos encontra-lo,” dizia ela entre o choro contido, “não existe a palavra impossível em francês!”

Pollux quis sorrir, mas parecia que os músculos necessários para isso tinham parado de funcionar.

“Impossible é a palavra, Lotte, mas obrigado.”

Se afastaram, e ela riu entre a tristeza. “Sentiremos tanta saudade quanto é possível, mon ami!”

“Eu também. Adieu.”

Mathieu abraçou-o, e virou as costas para Beaubatonx.


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