Trabalho Escolar: Diário de Lidia Brazzi escrita por Juliiet


Capítulo 10
Dia 5, sábado, 6 de agosto. (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Eu adoro esse capítulo, é um dos meus preferidos, que eu mais me diverti escrevendo. Espero que vocês gostem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/159744/chapter/10

Sabe, Sr. Albert, eu nunca fiquei de ressaca. Para falar a verdade eu nunca bebi nada nem de longe alcoólico, nunca. Mamãe é meio paranoica com isso. Acha que se a gente tomar um golinho de álcool vamos virar alcoólatras. E enquanto eu obedeço as regras, Fred enche a cara por aí sem a mamãe saber, mas isso não vem ao caso. 

O ponto é que, se um dia eu ficar de ressaca, acho que vou me sentir do mesmo jeito que me senti ao acordar essa manhã. Como se alguém estivesse fazendo um buraco com uma furadeira dentro da minha cabeça.

E foi por isso – quero deixar claro que foi apenas por isso – que eu não abri os olhos logo que acordei, por causa da minha dor de cabeça lancinante. Não tinha nada a ver com o fato de eu me sentir deitada em um colchão de nuvens, coberta por um lençol de seda e aconchegada a algo quente, cheiroso e macio. Ok, talvez isso tenha influenciado um pouquinho a minha resolução de manter os olhos fechados. Queria prolongar aquele momento – apenas um pouco afetado pela furadeira na minha cabeça – maravilhosamente confortável.

Até que as lembranças do dia anterior voltaram com tudo.

Sr. Albert, duvido que se a casa estivesse pegando fogo eu despertaria mais depressa.

Abri – ou melhor, arregalei – os olhos tão rapidamente que por um segundo só senti a luz suave da manhã me cegar, até que minha visão foi se ajustando e me percebi num lugar estranho.

Era um quarto enorme (maior que a sala da minha casa) com duas paredes brancas e as outras duas com algum tipo de papel de parede escuro. Pelo que pude apurar, no meu rápido exame embaçado pelo sono, havia uma escrivaninha preta muito bagunçada na frente da cama, um sofá vermelho ao lado – completo com almofadas e uma mesa de centro em cima de um tapete fofinho –, quadros e pôsteres na parede – mas não todos jogados e colados com fita adesiva como no meu quarto, aqueles realmente pareciam decoração – e um TV enorme e fininha na parede. Tudo ali parecia ter saído de uma dessas revistas de decoração de gente rica, até a bagunça na escrivaninha parecia bonita. Mas o que me desesperou não foi o quarto granfino nem o fato de aquele obviamente não ser o meu quarto. Nada disso.

O que mais me desesperou foi constatar – não sem um ofegar muito pouco digno – que eu estava dormindo entre os braços do Felipe Madson.

Sério.

Sr. Albert, o senhor deve estar pensando que a primeira coisa que me passaria pela cabeça seria gritar e empurrá-lo, depois perguntar o que ele pensava estar fazendo, dar um belo chute no meio de suas pernas e ir embora, indignada.

Pois eu me envergonho ao admitir que, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi, na verdade, o meu cheiro. Tipo, eu devia estar pior do que um peixe podre de fim de feira depois da noite de ontem. E ainda assim, ele me apertava suavemente em seus braços, o rosto enterrado no meu pescoço.

Triste, eu sei. Mas não mais triste do que a segunda coisa que passou pela minha cabeça.

Que foi ver se eu continuava vestida. 

Sr. Albert, é muito triste ainda hoje em dia a gente ter que se preocupar com essas coisas. E eu realmente não acreditava que Felipe fosse fazer alguma coisa com uma garota desacordada, mas a gente nunca sabe. Eu estava preparada para cortar fora as joias de família dele se esse fosse o caso. 

O senhor ficará feliz em saber que não foi. 

Eu estava totalmente vestida e decente. 

Mas aí eu percebi que o que eu estava vestindo não era o meu uniforme. Eu estava usando um pijama de calça e blusa de mandas compridas que COMBINAVA. Eu nunca nem tive nada que combinasse. E era com estampa de nuvens. 

Mas esse não era o ponto! O ponto era que alguém tinha trocado minhas roupas enquanto eu estava morta para o mundo!

Bom, pelo menos, depois de perceber isso, eu finalmente tive uma reação boa. Que reação foi essa, o senhor me pergunta?

Entrar em pânico. 

Claro que não é nem de longe tão digna quanto explodir de raiva, mas, ei, é um avanço.

Comecei a respirar curta e rapidamente e vários pensamentos cruzaram minha cabeça ao mesmo tempo, mas eles basicamente giravam em torno da mesma coisa. Mamãe vai me matar. Eu vou matar o Felipe Madson. Mamãe vai me matar. Eu vou torturar o Felipe Madson antes de matá-lo. Mamãe vai me matar...

Acho que foi o som da minha respiração ofegante – ou eu fiz algum outro barulho que não consegui identificar por causa do estado de pânico em que me encontrava – que fez Felipe começar a se mexer.

No mesmo minuto eu tentei me desvencilhar dos braços dele (só uma observaçãozinha Sr. Albert, se o senhor já esteve rodeado pelos braços de alguém com os músculos de Felipe, deve saber como é difícil tentar sair de lá, de fato, impossível para uma fracote como eu), imagina se o menino acorda e me vê lá, de olhos abertos, toda aninhada nele?

Prefiro a morte.

Bom, mas enquanto eu tentava, em vão, fazer aquele garoto me largar, ele acordou, acordou mesmo. Abriu os olhos e me fitou com aquele verde intenso. Piscou algumas vezes para espantar o sono e percebi que ele tinha uma minúscula pintinha marrom na pálpebra esquerda (o que devo dizer, Sr. Albert, achei tremendamente sexy) e que seus cílios eram muito compridos. Senti-me ruborizar na hora com mais uma constatação.

Felipe Madson é lindo quando acorda. Mas eu ainda queria matar ele. 

Foi então que, depois de ter passado uns cinco segundos perplexa com toda a situação, eu tentei novamente me livrar do aperto dos braços de Felipe. Minha capacidade de pensar racionalmente com ele perto estava um pouco danificada. Talvez estivesse na hora de procurar um médico.

Ok, um médico, um psicólogo, uma bruxa. Qualquer coisa serve no momento do desespero.

— Quem trocou minhas roupas? – perguntei sussurrando e temendo o pior. 

—Minha irmã – foi a resposta preguiçosa e meio grogue que recebi. – Bom dia. 

Eu não respondi, eu nem sabia onde estava minha língua naquele momento. E apesar do ligeiro alívio que senti com a informação dada por Felipe, ainda assim tentei me levantar, mas acho que ele não gostou muito da minha tentativa de me desgrudar dele, pois fez a última coisa que eu esperava que fizesse. Ao invés de me soltar imediatamente, ele me segurou com mais força, apoiando suas mãos em minhas costas e me puxou de encontro a ele.

E tudo bem, Sr. Albert, o senhor já pode morrer de desgosto. Onde estava a Lidia que deveria empurrá-lo, xingá-lo – apesar de dizer que não tinha sido ele quem trocara minhas roupas, o sem vergonha ainda tinha dormido na mesma cama que eu! –, chutá-lo no meio das pernas e ir embora com altivez?

Eu também quero saber. 

Não podia ser eu a pessoa que, ao estar praticamente colada ao peito nu de Felipe (ele estava usando só uma calça de flanela, eu pude perceber), em vez de encher a mente com um milhão de possibilidades de castrar e matar o atrevido, a única coisa que me passava na cabeça era em como seria a sensação de beijá-lo.

Eu já beijei antes, é claro. Não lembro se mencionei, mas até semestre passado eu tinha um namorado. Leo Murphy. Nós namoramos por um ano inteiro. E nos beijamos incontáveis vezes. E eu não sei porque estou lhe contanto isso.

No fim tudo acabou quando os pais de Leo foram transferidos e ele foi obrigado a ir junto. Porém, eu não lembro de ter encarado os lábios do Leo pensando que eles eram a coisa mais beijável que eu já vi na vida. 

Sr. Albert, um psiquiatra seria mesmo muito bem vindo numa hora dessas.

O que diabo estava acontecendo comigo!? Eu detestava Felipe e tudo o que ele representava! Odiava que ele se achasse no direito de pisar, humilhar e controlar a vida das pessoas só porque seu pai era bilionário e ele era famosinho na cidade. Odiava que ele tivesse me feito de boba tantas vezes em apenas alguns dias e odiava que ele me fizesse sentir uma vontade louca, insana, de beijá-lo!

Aparentemente, fiquei muito mais tempo do que imaginei ali, parada, olhando para os lábios de Felipe. O que o levou a assumir coisas erradas. Ou eu deveria dizer, corretas?

Ele me empurrou de costas na cama, ficando meio por cima de mim, e baixou o rosto até o meu.

Sr. Albert, alegra-me (mesmo?) informar-lhe que o senhor não corre nenhum perigo ao ler os próximos parágrafos.

Sua boca quase tocou na minha. Quase. Eu cheguei a sentir sua respiração no meu pescoço e isso não foi de maneira nenhuma ruim. Aparentemente, Felipe não sofre de mau hálito matinal como eu. É, confesso que pensar nisso fez uma pontada de pânico atravessar todo o meu ser. E se eu estivesse com o hálito de um gambá? Mas a essa altura, Felipe já tinha sentido meu hálito e todo o meu cheiro de caçamba de lixo e, se estava ruim, ele não pareceu se incomodar.

Não sei como, não sei mesmo, com todas as células do meu corpo clamando pelo contato com os lábios de Felipe (isso soou muito pervertido?), um flash de juízo iluminou minha cabeça e me deu forças, literalmente, para empurrá-lo para o lado e sair da cama com uma velocidade impressionante.

A expressão de Felipe só não era mais surpresa do que a minha própria. Pensei seriamente ter perdido a capacidade de falar. Olhei para o lado e percebi que havia um espelho grande na parede. Vi meu próprio reflexo – uma imagem não muito reconfortante, asseguro-lhe.

Uma garota insípida e comum, com os cabelos emaranhados saindo em tufos da cabeça, as maçãs do rosto vermelhas como sangue e os olhos muito arregalados, além de coberta com um pijama que claramente não servia muito bem

A visão do garoto extremamente lindo, com os lisos fios pretos e bagunçados, os olhos verdes intensos grudados em mim, vestido apenas com uma calça de flanela, meio deitado de costas com os cotovelos apoiados na cama, e com a expressão adoravelmente confusa, não fez eu me sentir melhor.

E num minuto eu esqueci tudo o que tinha feito com que eu o empurrasse para o lado. Tudo o que eu queria era voltar aos seus braços e deixá-lo me beijar. Mas então eu pensei, que diabos eu estava fazendo ali?

Eu não sou ninguém e Felipe é a sensação da cidade – ou pelo menos da minha escola? Eu não tenho muito conhecimento sobre o alcance da sua gostosura – que, ok, tinha uma personalidade horrível, mas ninguém além de mim parecia se importar. 

Eu nem gosto do garoto! Conheço-o há uma semana e desde o primeiro ele foi um idiota que me tratava mal! No que eu estava pensando ficando toda boba olhando para ele acordar e pensando na droga dos seus lábios?

E ele, justo ele, estava me fazendo ruborizar e sentir borboletas no estômago (podia ser fome) desde o dia anterior! Eu sei que você vai provavelmente achar que eu sofro de transtorno bipolar Sr. Albert, mas eu senti – finalmente! – a raiva brotar em mim. Quem aquele garoto pensa que é para me fazer sentir essas coisas quando eu nem gosto dele? Me chamando pra sair num dia, rindo da minha cara no dia seguinte, depois fazendo a linha preocupada quando viu que eu estava toda desmantelada na rua e ainda me levando para o que me parecia a casa dele e agora tentando me beijar?!

Tudo bem que eu não podia negar que queria. Mas também estava com raiva por ter passado por aquela montanha russa de emoções e queria dar na cara de Felipe também, mas não confiava em mim mesma para não dar um soco na boca dele. Com a minha. 

E ainda estava meio em pânico por ter acordado num lugar desconhecido, então estava funcionando com resposta do tipo "brigue ou corra". Esqueci todas as coisas que deveria dizer, esqueci a maneira como estava vestida, esqueci de tudo por um momento e só pensei em sair daquele quarto brilhante e do seu ocupante mais brilhante ainda, antes que ele me ofuscasse completamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews? :)