Zutto escrita por kyou-san


Capítulo 2
Capítulo I - Sombras




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“Se resume a isso… 

Eu preciso fazer esta vida ter sentido

Alguém pode me dizer o que eu fiz?

Eu sinto falta da vida

Eu sinto falta das cores do mundo

Alguém pode me dizer onde eu estou?”

...

Capítulo I - Sombras


Os cardinais seis e seis piscavam em neon verde no monitor digital acoplado na parede junto à porta, ao passo em que um som baixo e melancólico se espalhava pelo quarto, tal como a alvorada lenta de Outono que era enxergada através das janelas altas envidraçadas que separavam o cômodo da varanda. O murmúrio áspero do vento penetrou as frestas, mesclando-se à melodia tímida do despertador, e sem dar por isso, o par de olhos rubros mantinha-se ausente, enquanto simulava focar um ponto qualquer da parede pálida.  

Mais uma noite fria terminava. Mais um fechar de olhos com sonhos distorcidos. Sentado na cama com as costas nuas apoiada entre os travesseiros macios, Shion revirava obstinadamente a sua mente nublada, procurando obter respostas para as centenas de perguntas que formulava dia após dia.

Todavia, nenhuma era exibia. Ao menos, não com argumentos convincentes, que fossem capazes de deixa-lo um pouco mais descansado. No momento em que tudo parecia fazer algum sentido, fragmentos soltos assaltavam a sua mente como peças fundamentais de um puzzle que desvendam a misteriosa gravura, chocando-se diretamente com o seu passado que, agora, se apresentava com duas versões distintas.

Tudo parecia tão confuso.   

Não tinha como ele estar ao mesmo tempo em dois lugares diferentes. Isso não tinha cabimento algum!

Num leve pestanejar, ergueu o queixo da perna dobrada, desviando seus olhos da parede para a prateleira alta, postada ao lado da escrivaninha de metal. Nela, estava contido todo o percurso de sua vida – desde a infância à juventude – sua história resumida em troféus, diplomas e medalhas de ouro conquistadas em uma época do qual ele não trazia lembrança alguma.

A sua memória começava no dia em que despertara abandonado numa suíte hospitalar, com vários aparelhos ligados em seu corpo. Não sentia qualquer dor física, senão as vertigens que pesavam as suas pálpebras, e nem mesmo conseguia ter uma ideia de quanto tempo estava naquele lugar.

Puxou uma longa golfada de ar a partir da máscara de oxigênio, para depois sentir o peito protestar com uma fina pontada de dor. No longo intervalo de tempo em que permanecera acordado, ele pôde perceber que a sua mente estava como uma tela branca. Totalmente limpa. Nem de seu próprio nome Shion lembrava; por mais esforço que fizesse.

Então, um vazio espesso fez com que o seu coração palpitasse forte, instigando-o a respirar sofregamente. E nesse instante, uma lágrima solitária deslizou no canto do seu olhar consumido pelo desespero...

- Não esperava vê-lo acordado tão cedo hoje.  

Pego de surpresa, o seu corpo não resistira em dar um pequeno solavanco, ao escutar a voz serena da mulher que atravessava a porta do seu quarto, tirando-o bruscamente do devaneio com o seu comentário.

Virando ligeiramente o tronco, Shion passou a fitar a silhueta esbelta da senhora de expressão meiga, que se aproximava dele com uma bandeja nas mãos; a mesma mulher que ele vira entrar naquele quarto de hospital há dois anos, e que o abraçara em pranto, agradecendo a Deus por ter o seu filho de volta.     

Esta, sentando-se na borda da cama com a bandeja no colo, tomou com uma das mãos o rosto do jovem que logo se inclinou para receber o beijo afável na testa.

- Desculpa se te preocupei kaa-san. Não era necessário ter se incomodado. – Shion esticou o braço para pegar o bracelete atirado no criado mudo e, após desligar o despertador a distância, olhou da mãe para o farto café da manhã que ela trouxera, com um sorriso constrangido. – Além de que, a senhora exagerou muito, desta vez.   

- Não é incômodo nenhum. – disse Karan, colocando os apoios da bandeja entre as coxas do filho, estando este apenas com a calça folgada do pijama. E olhando para ele, continuou: – Eu apenas preparei tudo aquilo que você gosta. Então a culpa é sua por gostar de tantas coisas.

- Isso não é justo.  – o mais novo resmungou, fazendo um beicinho fofo, enquanto levava a torrada na boca. – A senhora faz com cada tipo de comida saborosa que fica difícil decidir qual prato eu gosto mais.

- Então, esta é só mais uma razão para que eu faça todos esses miminhos pra você… – karan esboçou um olhar triunfante vendo o filho petiscar o pão de carne e elogiá-lo em seguida com um longo suspiro de satisfação.

Apreciando-o com um sorriso terno, Karan levou a mão até as mechas brancas que caiam além dos ombros largos e fortes, e seus olhos seguiram a longa cicatriz vermelha que circundava o corpo crescido do seu menino. Eram palpáveis as mudanças em Shion. Estava mais alto, mais másculo e, apesar dele se queixar constantemente, o cabelo comprido até que o deixava charmoso, contrastando com o seu ar discreto.

Certamente, que seu falecido pai ficaria orgulhoso de vê-lo transformado num homem lindo, rodeado de êxitos e de uma vida próspera. E para Karan, ele era a razão vital da sua existência. O seu maior tesouro! Por isso, quase sempre acabava sufocando o filho com a sua proteção excessiva, mesmo ele já tendo completado dezoito anos de idade. 

Mas também, Shion nunca reclamava. Parecia até gostar disso. E quando ele passou a beber o suco de laranja cheio de vontade, Karan retirou a mão do seu cabelo e cruzou-a sobre o colo, esboçando uma expressão séria no rosto. 

- Não sabe como fiquei preocupada ontem, quando recebi a ligação do seu trabalho dizendo que você havia passado mal... – pausou, encarando-o preocupada. – Precisa se cuidar melhor, Shion. 

Ele sorriu meio acuado.

- Aquilo não foi nada sério, kaa-san… Acredite. – pousando o copo semivazio sobre a base, ele ergueu a mão delicada de sua mãe, dando um beijo gelado em seu dorso. E ao baixa-la, seu olhar tornara-se novamente distante.

Agora, foi a vez de Karan pegar forte na mão de Shion. Ambos sabiam o motivo que o levara a perder os sentidos no meio da conferência. Mas nenhum dos dois se sentia capaz de falar sobre o assunto, abertamente.

Soltando uma longa golfada de ar, ele virou-se para encara-la.

- Kaa-san…

- Shiii… – ela fez, colocando um dedo em seus lábios, o olhar fixo nos rubros apreensivos. – não se torture mais com isso, Shion. Em todo caso, você precisa seguir em frente.  – respirou fundo, esboçando um sorriso frágil. – Dê tempo ao tempo… Verá que as coisas melhorarão aos poucos.

- Mas até quando terei que viver com essas dúvidas?  

- Dúvidas?...  

Karan fitou-o interrogativa, fazendo-o mexer os ombros desconfortavelmente, sonorizar um ruído baixo na garganta e desviar o olhar para o lado, enquanto passava a mão ansiosa pelo cabelo.

- Aquela voz…  – ele murmurou com o olhar baixo. – eu tive aquele sonho de novo. 

Shion continuou sem fita-la por um longo tempo, ficando os dois em completo silêncio, para depois quebrar o clima pesado com uma falsa expressão de tranquilidade.

- Desculpa, não queria importuna-la com essas bobagens. – sorriu.

Talvez, a sua mãe e amigos estivessem certos quando diziam que tudo aquilo não passava apenas de uma falsa impressão e que a sensação de se achar incompleto, resultava dos danos causados pela doença. No entanto, não deixava de ser frustrante não saber nada sobre ele mesmo e ter que depender dos outros pra isso.

- Tudo bem, filho. Eu sempre estarei aqui por você. – tapeando levemente a sua mão, ela levantou-se da cama. – Agora tome o seu pequeno almoço e volte a descansar, sim? – escorou as mãos nos quadris, com a testa vincada antes de voltar a falar: – E nem  adianta insistir em ir trabalhar hoje!

- Sim senhora!  – Shion respondeu prontamente, para depois os dois rirem do “autoritarismo” de Karan. E quando sua mãe deu as costas para sair do quarto, ele passou a devorar novamente o café da manhã.

Parada na porta, Karan observou mais uma vez o filho entretido com sua comida, antes de fecha-la atrás de si e apoiar as costas nela em seguida com uma mão no peito que doía forte. E assim, o sorriso que tinha no rosto ia se enfraquecendo, dando lugar a um semblante abatido.

Uma dolorosa pontada de culpa a vinha consumindo nesses últimos anos. Não suportava vê-lo naquele estado. Isso acabava com ela. Até hoje se culpava por não ter dado o devido apoio nos momentos em que Shion mais precisou da sua ajuda. Desde o dia em que foram despejados da mansão até a sua fuga da cidade, tudo o que fizera foi observar de longe as atrocidades que a No. 6 o infligia.

Daí, o motivo do sentimento de impotência.   

Mas desta vez, seria diferente. Desta vez, Karan estava decidia a ajudar o filho a custo da própria vida, se necessário.

Com o olhar apertado, a mente da morena regrediu ao dia em que se encontrara com o homem asqueroso que governava a cidade.

- Nunca imaginei que as coisas fossem chegar a esse ponto.  

 A voz grave quebrou o silêncio da sala. E por trás da escrivaninha de mogno, o olhar prepotente do homem sentado na poltrona estofada fuzilou os castanhos determinados de Karan que se ergueu na mesma hora da cadeira que ocupava.

- Foram vocês, com essa maldita ambição desmedida que me pressionaram a isso. – respirou fundo, emudecendo os lábios num gesto nervoso. – Até  agora eu vos assisti calada, deixando vocês cometerem todo o tipo de barbaridade, mesmo que estivesse completamente em desacordo. Mas agora chega! – ela rosnou, espalmando furiosamente as duas mãos sobre a mesa. – Vocês colocaram o meu filho no vosso plano sujo, quase o mataram por duas vezes. Por Deus, Matsushita! Ele é só uma criança!

- Ora, faça-me o favor, Karan. – agora foi a vez do monarca se erguer, num protesto expressivo. – Uma criança que acolhe fugitivos dentro de casa, se une a rebeldes e arquiteta a destruição da cidade em que morava, não é mais uma criança! 

A morena encarou por alguns instantes o homem de terno a sua frente, com vontade de mata-lo. E debruçando-se um pouco sobre a mesa, retorquiu:

- Você me dá asco! – declarou num tom calmo e desdenhoso, enfrentando-o com o olhar. E com o dedo apontando em sua cara, continuou num murmúrio seco: – Se eu chegar a imaginar que vocês pretendem tocar no mais fino fio de cabelo do Shion, eu juro que cumprirei a minha palavra!

Voltando a adotar uma postura reta, karan pegou a sua bolsa e suspendeu-a no ombro.

- Lembre-se – ela continuou.Além de expor toda a sujeira da No. 6, farei chegar a eles um dossiê completo com todas as informações da cidade. De A a Z!   

- Isto é uma ameaça, Karan? – Matsushita estreitou o olhar, traçando uma linha torta nos lábios avermelhados.

- Entenda como quiser. ela respondeu simplesmente, dando-lhe as costas, dirigindo-se com passos calmos até a saída.

Porém, ao girar a maçaneta, reteve-se por mais alguns instantes. 

- Antes que eu me esqueça, – fitou-o por cima do ombro. – Estou voltando pra minha casa!

Aquilo não fora um pedido.

E dispensando qualquer reação que Matsushita fosse apresentar como resposta, ela bateu a porta atrás de si, saindo da prefeitura de cabeça erguida, ignorando completamente os olhares indiscretos que caiam sobre ela.

Se contasse a alguém, ninguém jamais acreditaria que ela tivesse sido capaz de tal proeza, afrontando destemidamente o homem mais respeitado da No.6. Entretanto, nem mesmo este ato heroico se comparava aos dois meses infernais em que esperou desesperadamente por um mexer de dedo, ou qualquer outra reação de Shion, que se encontrava em coma profunda.

O ensaio que aqueles vermes usaram em seu filho fora tão violento, que acabara por lhe tirar todas as memórias, deixando-o a beira da morte. Isto só acontecera para que tomassem vantagem contra a pequena fração que amaçava tira-los do poder. Logicamente que a forma mais viável era atingir primeiro o líder.

Nada era mais prático do que colocar um contra o outro... E era para poupar o filho que Karan escondia tudo isso.  

A morena fechou os olhos com força.

Aqueles dias mereciam ser enterrados para sempre. E abanando a cabeça, dispersando os seus fantasmas, Karan seguiu até o centro da sala isolada, deixando cair o corpo exausto no sofá.

Ficou por minutos a fio na mesma posição, completamente absorta,  e só então percebeu que seus olhos estavam fixos numa porta específica do armário. Ainda chegara a hesitar. Porém, acabou levantando-se para abri-la e, colocando a mão no fundo da última prateleira, pegou a pequena caixa preta e sentou-se com ela em seu colo quando voltou para o sofá.

Abriu-a devagar, vendo no seu interior o celular ao lado de uma agenda telefônica. Não precisaria esfolha-la. Nela, havia somente um único contato escrito, marcado no divisor de páginas. E ligando o aparelho, ela discou o número cuidadosamente, aguardando ansiosa para ser atendida. 

O que não demorou tanto para acontecer.

- Karan! A quanto tempo! – a voz era visivelmente animada.

- err… Como vai Rikiga-san?  – encolheu os ombros, sorrindo sem jeito.     

- Agora que estou falando com você, estou bem melhor. – ele riu todo empolgado. – Sentiu saudades mi…

- Ele está ai do seu lado? –  Karan murmurou incisiva. – Por favor, eu preciso falar com ele – pausou, respirando fundo. – é urgente.

Fez-se um breve instante de silêncio.

- Ah… já contava com isso.  – o homem tentou disfarçar o desapontamento, com um gracejo. – Está sim. Espere só um instante que eu vou passar o telefone.

E enquanto esperava, Karan pode ouvir a dificuldade que o antigo jornalista tinha em realizar esta tarefa.

Vamos, não seja mal educado. É a karan!” – Rikiga resmungou. 

Então, seguiu-se outro momento de silêncio, que só fora quebrado quando ela escutou uma cadeira ser afastada ruidosamente e um “tsc!” ser proferido, antes da segunda voz masculina indagar de forma imponente do outro lado da linha.

- O que a senhora quer comigo?  

 “Direto e sem formalidades”; Karan avaliou com um leve sorriso no rosto.

- Já faz algum tempo que nós não falamos, não é mesmo?   

E piscando lentamente o olhar nostálgico, desviou-o para a porta de seu filho.

Com o final do dia, terminava também o expediente na seguradora. E frente ao trânsito agitado, o jovem que fazia um ar pensativo, virou-se para o amigo parado ao lado do semáforo.

- Aquilo foi bem estranho. – comentou o moreno, enfiando as mãos nos bolsos da calça social. – Não contava que o diretor fosse ter aquele tipo de reação. Você não acha o mesmo, Shion?

O dono dos cabelos níveos fitou-o pelos cantos dos olhos.

- Na verdade, eu já contava que ele fosse arriscar com o projeto mesmo que as nossas taxas de sucesso estivessem abaixo dos cinquenta porcentos. – falou com franqueza, voltando a sua atenção novamente para a estrada.

- Quêêê?   

O colega esboçou um trejeito de surpresa e então Shion assumiu uma postura segura, antes de continuar:

- No lugar dele eu faria a mesma coisa.

- No final, você é o único aqui sem confiança em si mesmo, Kaito. – a rapariga da ponta observou com cinismo, enquanto passava os cabelos loiros ondulados para trás. – Até o sem-vontade-para-nada do Shion acabou tomando uma atitude, dessa vez.

- Eu deveria me chatear ou me alegrar com o teu comentário, Saya?

O referido fitou-a com uma sobrancelha erguida. E ela passou a sorrir com malicia, cruzando os braços por baixo dos seios volumosos, visíveis no decote do seu blazer cinzento.

- Se me convidasse para sair essa noite seria bem melhor.   

- Isso está fora de questão. – Shion murmurou sério sem fita-la,  antes de descruzar os braços e atravessar a rua quando o sinal vermelho apareceu no painel.

Todavia, ela não se deu por vencida. E quando chegaram ao parque de estacionamento aberto, a loira passou pelo moreno, detendo Shion pelo braço quando ele ia tirar a chave do carro no bolso. 

- E por que não? – ela insistiu com voz sedutora, mas, tudo o que recebera do jovem foi um sorriso cordial.

- Você é bem atirada, hein? Garota. – Kaito comentou quando destrancava o próprio carro, fazendo com que ela se virasse com uma enorme ruga na testa.

- Fica quieto, baka.

- O que você disse?  – o moreno fechou o rosto e Shion apenas revirou os olhos com tédio. 

Aqueles dois viviam se implicando o tempo todo, e sempre pelos motivos mais fúteis possíveis. Algumas vezes Shion até chegou a se divertir com as discussões bobas dos amigos, como forma de desanuviar um pouco do clima monótono do trabalho. Só se tornava chato quando eles não arrumavam uma trégua e iam até aos prolongamentos. E quando ele iria sugerir isso a eles, uma tontura forte o abraçou, obrigando-o a buscar apoio na porta aberta do seu carro, quando uma voz distante sussurrou atordoante, na sua cabeça.

 “O que você sente?”… o coração de Shion palpitou forte e seu olhar se arregalou. Enterrando a mão vaga no cabelo, procurou não despencar no chão como da outra vez, enquanto ofegava. Porém, a voz não se calava.

"Não importa o que aconteça… eu não quero que você mude, Shion… não mude…"

- Shion… Shion… Oi Shion, está tudo bem com você, cara? – era Kaito quem o tocava pelo ombro com uma expressão preocupada; a voz do amigo ainda mesclava-se levemente com a que ecoara na sua mente instantes atrás, e Shion só pode fechar os olhos com força em resposta.

- Claro que não né, seu idiota. – Saya inclinou-se para analisar o rosto do colega, reparando o seu estado de choque. E olhando para kaito, prosseguiu: – É melhor ligarmos para o departamento de saúde e pedirmos uma ambulância. 

- N-não se preocupem… eu já estou bem. – Shion ergueu-se cambaleante, sem nem conseguir abrir direito os olhos.

- Está bem coisa nenhuma! – o moreno franziu o cenho.  – Vamos, apoie-se em mim. Eu mesmo te levarei ao hospital.  

Passando pela loira com o amigo apoiando em seu ombro, kaito abriu a porta de passageiros e colocou-o lá, da forma mais confortável possível. Claro que  Saya não iria ficar de fora. Então quando ela entrou, o moreno arrancou o motor e saiu apressado do estacionamento, deslizando na autoestrada.

Haviam deixado várias quadras para trás. Sentado com a cabeça inclinada sobre o respaldo do banco, Shion procurou relaxar de olhos fechados com a brisa fresca que entrava pela janela semiaberta. Ainda usava a boca para auxilia-lo na respiração que aos poucos normalizava. No entanto, quando teve que afastar as mechas de cabelo que invadiam a sua boca pela terceira vez, não pôde deixar de remexer os ombros irritando e sussurrar um praguejo.

- Cabelereiro…

- Huh? – Kaito e Saya viraram-se para o banco de trás com expressões surpresas quando Shion murmurou.

Ele então abriu os olhos rasos e insistiu:

- Preciso cortar o cabelo. Agora mesmo.

Mesmo não entendendo a urgência do amigo, Kaito não contestou e deixou-o no primeiro cabelereiro que encontrou. Ofereceu-se para ficar com ele até que terminasse de fazer o que pretendia, mas, Shion logo negou agradecendo a preocupação dos colegas que partiram em seguida, mesmo não estando convictos de que ele já estivesse recuperado. E sentado na penteadeira, ele perguntou ao homem que o atendia:

- Consegue deixa-lo dessa forma? – Shion mostrou a foto que tinha na mão.

- Sim, ficará pronto num instante. – o homem voltou a adotar uma posição reta, tirando o elástico do cabelo do mais novo, passando a penteá-lo com os dedos. – Quer que eu coloque alguma coloração nele… quem sabe um tom mais escuro e juvenil…

O senhor fitou o reflexo do mais novo no espelho.

- Não. Deixe-o assim mesmo.

O cabelereiro apenas ergueu as sobrancelhas arranjadas em assentimento e, imediatamente, iniciou o processo de corte de cabelo. E enquanto as mechas caiam ao lado do seu corpo, Shion fitava-se no espelho, juntando coragem para dar o passo seguinte.

Já era noite quando ele estacionou o carro frente ao portão de uma das casas do pequeno condomínio. Desligando o motor, apoiou os braços no volante após respirar fundo, pensativo. Checou as horas no relógio de pulso. Obviamente que a sua mãe, a essa altura, já tivera descoberto que ele saíra esgueirado e devia estar uma pilha de nervos por ele ter ido trabalhar mesmo estando de repouso, além de ele ter desviado todas as suas vídeo-chamadas. 

Parte de si, aceitava sem recusas a versão casta e íntegra que lhe era sugerida por aqueles que se diziam ser seus próximos, enquanto outra, protestava veemente por uma parcela omitida, que se calhar, possuía um valor muito mais elevado à todo esse simbolismo transformado no seu pacato cotidiano. E era por causa disso que ele desviara-se do caminho de casa e viera para esse lugar.

Talvez essa pessoa possuísse as respostas que ele tanto procurava.

Olhou da sua foto antiga para o espelho retrovisor interno, com as sobrancelhas levemente franzidas.

Certamente, que sua mãe haveria de entender quando ele se explicasse. E soltando outra golfada de ar, arrancou a gravata do pescoço e abriu o casaco do terno azul escuro que usava, e logo depois a porta do Mercedes esportivo prateado. 

Estando fora do automóvel, estranhou o fato de o portão estar somente encostado. Entretanto, não se deteve longamente a esse detalhe e começou a subir os degraus que levavam até a entrada da residência que se encontrava com as luzes apagadas.

Mas nem por isso recuou.

Parado frente à porta, Shion observou uma vez mais a sua foto, confirmando o endereço no verso da mesma. E enchendo o peito de ar, pressionou o botão da campainha.   

Passos arrastados puderam ser ouvidos do interior da casa.

Engolindo seco, Shion apertou os dentes, cerrando as mãos em punhos dentro dos bolsos da calça, num gesto ansioso. A porta logo foi aberta. E no silêncio da noite, ele e a silhueta se encararam estáticos por um longo tempo, até que Shion resolveu se pronunciar com um tom sério.

- Sei que não deveria ter vindo, mas…eu precisava mesmo falar com você!


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Notas finais do capítulo

*Para saber o significado do termo em japonês, basta colocar o cursor na palavra sublinhada.
* O verso inicial foi tirando de uma música dos 3 doors down - I'm so far down. E que por sinal, esta mesma banda irá acompanhar toda a fanfic. Pois escrevo os escutando. 8D
...
Gente. As minhas sinceras desculpas por essa longa demora!
Nem era pra atrasar tanto tempo assim. Porém, fui deixada na mão pela primeira beta que arrumei e só agora achei alguém disponível para me ajudar com a Fanfic.
Então, aqui vai um dos meus especiais agradecimentos: valeu pela betagem Carola! *-*
Bem, no prólogo eu havia dito que essa fic teria apenas 2 caps, não é mesmo? Muito bem. A coisa mudou. Agora são 4 caps, além do epílogo.xD
Outro agradecimento vai para Alice & jasper que recomendou e tem apoiado essa história desde o início: muito obrigada amada!
E claro, não podia deixar de agradecer a todos(as) que lêem e comentam(ou não - saibam que os vossos reviews são bem estimulantes. Logo estarei respondendo cada um deles. *-*
Então é isso, neah?
Beijo grande e até o próximo capítulo.
P.S: Sério! Eu não darei spoiler a ninguém! *kkk*