Yuki Spiegel Kronika escrita por Petit Ange


Capítulo 4
Capítulo 4: A Falsa Paz




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Uadarrél? Ei, por que um original está com o negrito indicando disclaimers, tia? Bem, bem, eu queria poder dizer que tudo isso é ‘meutodomeu’, mas não, seria mentira... Entretanto, se eu ficasse citando cada autor e cada cria que lhe pertence, isso tomaria todo o espaço da história, então... Saibam que os autores em questão estão devidamente cientes e concordaram (bastante sóbrios) com a idéia. XD

 


 


 

 


YUKI Spiegel Kronika
Petit Ange


 


 

 

 

Capítulo 4.

 

 

 

[ País de Morken ].

 

Sem escolhas, Mausi perscrutava o horizonte, num azul puríssimo que ultrapassava as fronteiras de sua visão. O céu imperturbável. Estalou o pescoço, deixando-se suspirar pesadamente, enquanto tentava, num resquício tolo de esperança, procurar qualquer coisa que pudesse salvá-lo daquele confronto.

 

Ele sabia que, de acordo com Nami, devia mesmo testar-se, tanto para ele quanto para o rapaz loiro perceberem suas respectivas forças, até onde podiam ser úteis. Agradar a comitiva Trent, era isso que deviam fazer. Mesmo assim, os meios necessários para tal eram arriscados demais. Ele sabia que tinha a força vampírica ao seu favor: a resistência, a força desumana e os reflexos impecáveis.

 

Mas sabia, também, que aquela pessoa à frente dele também não era, exatamente, uma pessoa. Assim como os vampiros, apenas imitava a aparência de uma. Apenas para ser uma ‘garça entre as garças’. Se ele foi capaz de render um mago, um vampiro e um tritão em questão de segundos, então não era qualquer criatura.

 

“Fique calmo, Mausi-san.” – o mago repetiu-lhe, baixinho para que só ele e Souma, ao seu lado, ouvissem. – “Lembre-se de que isso é apenas um teste: Sehriel-san não irá matá-lo.”

 

“Mesmo assim... Há alguma coisa diferente nessa pessoa.” – Souma concordou.

 

“Apenas vamos fingir que sou seu senhor e você, meu Godsibb. Acredito que mesmo um plano tão simples é capaz de funcionar nessa situação.”

 

“...Fala isso porque não é você quem vai pôr a mão na massa, ‘barão Camie’.” – resmungou, cruzando os braços.

 

“Apesar disso, Masiel-san está se divertindo, não é?” – o mago riu.

 

“O que me mata mesmo é o nome que você me deu.” – admitiu.

 

“Sinto muitíssimo...” – gota. – “Eu estava sob pressão na hora, passou-me pela cabeça apenas este.”

 

Souma, que até então estava também de braços cruzados, apenas observando a interação rápida entre Daniel e Sehriel, pigarreou.

 

“Não dá. Não sinto nenhum traço humano nele.”

 

“Exato, nem eu o senti.” – Mausi suspirou.

 

“Olha só. O tal Sehriel, por via das dúvidas, é uma criatura acima do seu nível. Mas ele não tá com nenhuma pose de ataque. Ou seja, grandes chances de que os golpes não tenham eficácia em pequenas distâncias.”

 

Nami abriu um leve sorriso. – “Oh, é claro... Como não pensei nisso.”

 

“Está me dizendo para... Ficar perto dele o tempo todo?” – Mausi ergueu a sobrancelha.

 

Apesar disso, não ousou discutir; Souma, querendo ou não, era um soldado. Devia mesmo saber do que estava falando.

 

“Pense bem: contra alguém muito superior, ficar se esquivando e se afastando demais não vira o jogo, apesar de parecer ilógico. Esse Sehriel não é humano. Mas não sabemos se usa magia, se tem truques na manga. Sequer sabemos o que são Godsibb. Por isso, nestas situações, manter distância significa encurralar a si próprio.” – explicou, enquanto encarava o loiro. – “É atraso de um tempo que não dispomos.”

 

Pensando sobre as palavras, o vampiro dos orbes dourados, estranhamente, achou muito sentido nas mesmas. Assentiu, lentamente, enquanto pensava em como faria para tornar aquilo possível.

 

“Ora... Soumazinho é inteligente, afinal.” – cara surpresa.

 

“Como é?! Tava me achando burro antes?!” – rosnou o outro.

 

“Não importa o que você é de fato, sua beleza ofusca todo o resto.” – Mausi sorriu, de forma jocosa.

 

“Ok, já chega!...” – assustado.

 

“Barão Trent, o senhor já está pronto? Podemos começar?” – Nami, ignorando a nova discussão dos outros dois, adiantou-se, com o sorriso cortês de sempre.

 

Daniel encarou-o por breves momentos, antes de responder.

 

“Claro. Quando quiserem, barão Camie.”

 

“Venha, Masiel.” – disse, então. – “Vamos terminar isso de uma vez (ai, que saudades do meu cajado... Quero vê-lo logo).”

 

O vampiro encarou, com um princípio de nervosismo, os homens do acampamento. Todos, soldados ou não, estavam particularmente curiosos por aquela demonstração de forças. As mulheres também se arriscavam em olharem, mas eram poucas, se comparadas à quantidade masculina.

 

Pensativo, imaginou que Sehriel devia ser bastante popular por ali. Por ser uma espécie de ‘guardião’ ou simplesmente porque era gentil. Não importava; o que acontecia era que ele conhecia a geografia do lugar, tinha a torcida massiva dos espectadores e, aparentemente, muito mais experiência naquilo, sendo aquele um país aparentemente bastante bélico.

 

Masiel... Masiel, por Phönix!...[1]’, ele, entretanto, murmurava de forma desgostosa aquela tortura pessoal.

 

Posicionando-se no centro da aglomeração, o vampiro esperou pacientemente que Sehriel, o rapaz loiro de olhos tão azuis quanto o céu, também viesse até ali. O que não demorou nada. Calmamente, ele tomou seu lugar, com um sorriso no rosto imperturbável. Daniel Trent seguiu-o, permanecendo alguns passos atrás dele. Nami também fez o mesmo, parando mais ou menos no mesmo lugar, três ou quatro passos atrás da Mausi.

 

Souma preferiu ficar mais atrás, de braços cruzados, apenas esperando o resultado da demonstração. Sabia que, apesar de tudo, aquele homem irritante e estranho era um vampiro primordial. Tinha mais truques na manga do que aparentava.

 

“Muito bem.” – Daniel falou, quebrando o tenso silêncio.

 

“...Lembre-se, Mausi-san: não deixe Sehriel-san afastar-se demais.” – o mago lembrou-o, no tom baixo que usavam para se comunicarem ali.

 

“Sim, não vou deixá-lo fazer isso.” – assentiu.

 

“Não me distanciando dele e usando suas habilidades, acredito que possamos fazer uma boa luta. Ganharemos o respeito absoluto.”

 

“Certo.” – assentiu de novo, estalando o pescoço.

 

Trent cruzou os braços, fechando os olhos por um breve momento, como se estivesse se concentrando.

 

“...Metempsychosis.[2]” – ele murmurou.

 

Nami engoliu em seco. – “O que é...”

 

“Sehriel estremeceu.”

 

“O que?”

 

“Aquele rapaz estremeceu quando o barão Trent disse aquela palavra estranha.” – Mausi disse, também nervosamente.

 

“...Será que é alguma senha?”

 

“Eu não sei. Mas...” – pensativo, ele deu um passo à frente. – “No momento em que ele ouviu aquilo, foi como se estivesse mesmo pronto para a luta.”

 

“Não saber as regras é mesmo uma desvantagem absurda...” – Nami suspirou.

 

“Diga alguma coisa, Nami-san.” – o vampiro sussurrou. – “Alguma palavra estranha do tipo. Só pode ser alguma senha.”

 

“Ma-mas eu...”

 

“Já sei, diga Kirschwasser.”

 

“O que é isso?” – o mago de olhos dourados ergueu a sobrancelha.

 

“É uma palavra em minha língua-mãe. Apenas diga-a.” – apressado, o vampiro disse-lhe. – “Aparentemente, é uma senha que só o senhor de um Godsibb fala.”

 

“Certo...” – suspirou, imitando a concentração de Daniel. – “Kirschwasser.[3]

 

Com um movimento tão incrivelmente rápido que olhos humanos não poderiam acompanhar, Mausi avançou em direção de Sehriel, mantendo em mente sempre o fato de não podê-lo deixar se afastar demais e atacá-lo sem tréguas.

 

Porém, como se pudesse mesmo enxergá-lo mesmo com tamanha rapidez, Sehriel sorriu de leve. E, então, um par de asas róseas surgiram em suas costas.

 

Souma entreabriu os lábios, numa surpresa muda, até mesmo descruzando os braços e contendo-se para não ir até ali. Nami, aparentemente, também ficara chocado.

 

“Droga!...” – e Mausi soube, então, soube que ele compreendera tudo.

 

“Como assim, asas?!”

 

Francamente, como querem que eu cuide de alguém assim?!’, pensou o vampiro, passando a mão pelos cabelos.

 

Porém, mesmo que estivesse reclamando mentalmente, sua primeira reação foi a de saltar com o máximo que sua flexibilidade vampírica permitisse.

 

Lembrou-se, por um instante, de seu castelo, no reino de Feuer, de onde ele pulava da janela mais alta sem sofrer um dano sequer. O princípio era o mesmo para cair, mas para subir, ele já não tinha tanta certeza. Afinal, aquele era um... Ser com asas, na falta de denominação melhor?

 

“Seu Godsibb não irá usar as asas?” – Daniel questionou, de repente. – “Como pretende alcançar Sehriel?”

 

“...Ah, as asas?” – Nami engoliu em seco.

 

“Nami-san, você nem pensou nisso, não é?” – Mausi suspirou, voltando àquele método de comunicação que consistia em frases sussurradas.

 

“E-eu sequer imaginava que Godsibbs tivessem asas...” – confessou o outro. – “Muito menos sabia que elas são usadas para o ataque...”

 

“Não tem alguma magia sua que possa criar a ilusão de que eu as tenho?”

 

“Bom... Tenho, mas... Você não poderia voar...” – gota.

 

Gota ainda maior. – “Magnífico! Estamos em desvantagem...”

 

“Pensaremos em algo. Apenas agüente firme, Mausi-san.” – e, voltando-se para o barão Trent, Nami sorriu. – “É que meu Godsibb é um pouco tímido... Mas não tema, barão, ele sabe defender-se mesmo sem as asas.”

 

Daniel apenas arqueou a sobrancelha. E, nesse momento, Sehriel, lá do alto, assentiu de leve com a cabeça.

 

Tal gesto não passou despercebido pelo vampiro.

 

Comunicação mental?’, ponderou.

 

Antes que ele pudesse ter qualquer confirmação, as majestosas asas róseas abriram-se totalmente, como um pássaro ao alçar vôo, e algo passou zunindo pelos ouvidos de Mausi. Foi tão rápido que ele sequer teve tempo de reagir. Apenas sentiu o líquido quente escorrer pelo rosto e compreendeu: sangue. Algo passou por sua bochecha e foi afiado o suficiente para cortá-lo apenas com um roçar.

 

Souma viu igualmente apenas um traço branco passar pelo céu, em direção do loiro, mas nada pôde dizer. Somente quando ouviu algo cair perto de si foi que desviou o olhar e percebeu um delicado tom de rosa no chão.

 

“Uma pena...?” – engoliu em seco.

 

Foi aquilo que cortou Mausi e enterrou-se no chão como se tivesse sido arremessado à alta velocidade?

 

A primeira foi de graça, mas...’, o mago, assim como os outros dois, também percebeu que a situação estava desvantajosa demais.

 

Se não conseguissem provar que eram de valia para a comitiva, sequer seriam considerados. Precisavam daquela ajuda, se quisessem achar o fragmento sem envolverem-se em problemas ainda maiores.

 

Mausi pensou em Amin. Enquanto perdia tempo com aquele tal loiro, Amin estava ainda naquele estado comatoso, lentamente perdendo suas forças.

 

Se ele não voltasse logo... Quanto tempo já se passou em Feuer...?

 

Se ele demorasse muito, Amin ia...

 

Não. Isso Mausi jamais deixaria acontecer. E Daniel e seu Godsibb Sehriel eram obstáculos em sua busca naquele momento.

 

Respirou fundo, deixando que os olhos adquirissem um brilho dourado ainda mais evidente. O aperto nos punhos diminuiu.

 

E então, como se fosse o som de ossos quebrando, garras afiadíssimas brotaram onde deviam ser suas unhas.

 

 

 

[ xXxXx ]

 

Brincando distraidamente com uma mecha do cabelo loiro, Remliel abandonava, com um alívio conhecido de longa data, a comitiva dos homens de Claymor.

 

Muito antigamente, ter apenas um Godsibb era o suficiente; hoje em dia, ainda sim, existiam soldados para cuidar de um senhor. Eles subestimavam-lhes. E, talvez, a pequena fosse um ser raro. Um Godsibb que ainda se importava com isso.

 

Infelizmente, porque há vida, também há morte. Mas, quando não se pode morrer nem se está vivo de fato, o que acontece é apenas uma aquisição de experiências. Um estoque delas.

 

Remliel servia os Claymor desde prístinas eras, talvez desde a criação do clã. Todos aqueles homens que eram eternizados em canções sem sentido ou em histórias de feitos heróicos, todos eles ela conhecera ou mesmo batalhara sob suas ordens. Um ser eterno, fadado a servir sem nenhuma recompensa.

 

Entretanto, por mais que não admitisse, divertia-se muito sendo comandada por Alexei Claymor. Aquela família era regida por paixões estranhas, mas ele era o mais interessante dos herdeiros.

 

Um devasso que amava a própria irmã. Um demônio bruto.

 

O que ele precisava era ser lapidado; e, com o desaparecimento de Jehanie Claymor, Remliel viu ali a oportunidade perfeita de transformá-lo naquilo que ele nascera para ser.

 

Não fazia questão nenhuma de encontrar aquela lady mimada e irritante viva. Em verdade, desejava-a mesmo morta. E, de preferência, se pudesse mesmo escolher, queria que o tal Hugh a tivesse maltratado muito antes de matá-la. Quanto mais violência, mais Alexei ficaria irado.

 

E mais Remliel iria se deleitar com aquilo; ver o lorde cavando sua própria cova.

 

Houvera um tempo em que ela teve verdadeira fé em Adam Morgan[4], o padre que, outrora, foi um excelente cavaleiro. Ele era assim como ela: objetivo, sem nenhum sentimento que viesse a atrapalhar.

 

Mas ele deixou-se cativar pelos moleques de Albert.

 

E virou mais um cordeiro inútil.

 

Estou decepcionada, Adam”, ela lhe dissera, na ocasião. “Achei que o senhor seria um pouco menos impressionável.

 

Ainda sim, admirava-o por tudo que fazia. Ele simplesmente seguira o caminho, como se perder tempo com uma mísera ‘escrava’ fosse um pecado sem escusas. Foi como se sequer houvesse sido atingido pelo real sentido de suas palavras.

 

Remliel, porém, parou. Diante de si, para seu desgosto, o moreno.

 

“Saia da minha frente, Brent Feehan.[5]

 

O cavaleiro de confiança de Alexei e a Godsibb do mesmo tinham um antagonismo de longa data. Ele era traduzido sempre na arrogância de ambos.

 

“...Aproveite enquanto pode.” – ele sorriu, abrindo-lhe caminho.

 

Todo um mundo estava escondido naquelas palavras do cavaleiro. Feito de cinismo, ameaças veladas e um ódio acumulado.

 

“Você sempre gostou dos cabelos de lady Claymor, não é, Brent?” – a anjo inorgânica perguntou, de repente, abrindo um largo e infantil sorriso. – “Pode deixar então que, quando eu achar o cadáver dela, trarei a cabeça para que você possa admirar seus belos cabelos e aquele rosto jovial, assim, quantas vezes desejar.”

 

Os dedos de Feehan tocaram no cabo da espada, prontos para brandir a arma e punir aquele demônio enviado de algum pesadelo particular que o assombrava desde sempre por tamanha ousadia.

 

“Meça suas palavras, Godsibb.” – ele rosnou. – “Não esqueça do que você é.”

 

Remliel sacudiu a cabeça negativamente.

 

“...Não. Você quem não deve esquecer do que é.”

 

Dando de ombros, antes que aquela provocação infantil continuasse até o fim, a garota abriu as asas rubras como o sangue que corpos vertiam em guerras memoráveis. Aquele era um espetáculo tão comum que apenas os novatos que jamais viram um Godsibb na vida ainda se assustavam.

 

“De qualquer forma... Tente me deter, Brent.” – sorriu-lhe, divertida. – “Vou estar aqui, aguardando ansiosamente. Quero mesmo um motivo para apagá-lo da face da terra.”

 

...Um motivo que ele jamais lhe daria.

 

 

 

[ xXxXx ]

 

“Ai...” – gemeu.

 

“Si-sinto muitíssimo! Foi muito forte...?” – o outro se desculpou.

 

Souma quase enfartou de vergonha depois daquela frase. Ele e Nami estavam aguardando, do lado de fora da tenda, o tratamento médico do vampiro, que até então lutou espetacularmente bem, e havia se ferido um pouco.

 

“Ah não, não foi culpa sua, herr[6] Sehriel. Continue.”

 

“Por favor, senhor Masiel, avise-me quando for seu limite.”

 

“Está brincando! Ainda agüento muito mais.” – ele pareceu suspirar. – “Não pare agora, continue.”

 

“Mas, senhor Masiel, o senhor já está...”

 

“Ah! O que é isso?!”

 

“...Não gostou?”

 

“É gosmento, né?.”

 

Oh, meu Deus! O que era aquilo?! E o loiro Sehriel parecia ser tão puro! Aquele vampiro sem-vergonha o estava corrompendo totalmente.

 

Souma sentia as orelhas queimarem de vergonha. Encarou Nami, trêmulo, que estava tentando escutar mais da conversa também. O mago também tinha as bochechas levemente rosadas, mas parecia estar conseguindo assimilar a situação com um pouco mais de... Maturidade? Enfim, com mais facilidade do que o tritão.

 

“Senhor Masiel, você não está no clima.” – sorriu. – “Algo errado?”

 

“...Tudo bem, confesso: é porque não estou acostumado a isso.”

 

“O senhor faz de outro jeito?” – surpreso.

 

(Minha nossa, será que Mausi sabia de técnicas sexuais tão exóticas que até mesmo o loiro Sehriel ficou assim?!).

 

“Claro!” – e o vampiro riu. – “Venha aqui, deixe-me te mostrar.”

 

Mas hein?! E agora, ia ensinar o pobre Sehriel a praticar aqueles atos pervertidos?! Sim, tanto na Literatura quanto nos filmes, Souma sabia, que em enfermarias ou tendas médicas, muitas coisas assim aconteciam, mas...

 

MAS...!!!

 

Depois do que pareceram ser alguns breves momentos de silêncio, com direito a sons de tecido farfalhando, a voz do segundo loiro foi ouvida:

 

“Se-senhor Masiel, isso é...”

 

Nami finalmente corou nesta parte do diálogo. De fato, Souma também achou que ia desmaiar, enfim, de constrangimento. Por que ainda estava ali mesmo...?

 

“Coloque sua mão aqui, herr Sehriel.”

 

“Minha nossa, é grande!...”

 

“Desculpe, é estranho?”

 

“Oh, não, não! Está tudo bem. E-eu só...”

 

O soldado começou a ter uma certa pena daquele outro rapaz... Como era o seu nome? Amin, não é? Enfim, tinha muita pena dele.

 

E, mais do que isso, começou a temer por sua própria segurança. O vampiro era um maluco completo! Nunca mais dormiria perto dele! Sempre estaria com os dedos no cabo da espada; deceparia aquelas mãos ao menor sinal de intenções maliciosas! Sim, iria proteger seu corpo como nunca!

 

“Não se preocupe, serei carinhoso com você. ♥”

 

Mais um pouco daquele silêncio constrangido. Puderam ouvir, então, muito baixinho, uma espécie de gemido de Mausi.

 

“E-eu... Não agüento mais!...”

 

Herr Sehriel, é só mais um pouco. Estou quase lá...”

 

“A-ahh...!” – e o outro também gemeu.

 

Souma Kyoku não desfaleceu. Permaneceu bravamente desperto e ouviu toda aquela pouca vergonha até ali. Então, alguma coisa nele quebrou.

 

Ignorando até mesmo o espanto de Nami, que era tão grande quanto o dele, decidiu intervir e prezar pela moral e os bons costumes (principalmente porque aquela pouca vergonha acontecia em plena luz do dia). Que fosse para o Inferno aquela história de enfermarias serem o lugar perfeito para isso!

 

Se Mausi era um maldito predador, que fosse o ser longe dali!

 

“SEU VAMPIRO SAFADO!” – berrou, adentrando a tenda. – “SOLTE SEHRIEL-SAN AGORA MESMO!”

 

Mausi, que estava com as presas vampíricas cravadas no braço do loiro dos olhos azuis, ergueu a cabeça e deparou-se com um Souma totalmente vermelho de vergonha (e raiva) e Nami mais atrás, chocado demais para entrar.

 

Sehriel também ficou bastante surpreso e estremeceu, encarando os companheiros de viagem do outro loiro.

 

“Hein?...” – e esta indagação podia ser de qualquer um deles.

 

O vampiro, então, largou o braço do Godsibb, que o esfregou, com a cara de quem estava sentindo uma certa dor até alguns segundos atrás.

 

“...Suas presas parecem agulhas, senhor Masiel.” – comentou.

 

“Desculpe por isso, herr Sehriel.” – ele sorriu, sem-jeito.

 

“O que cêis tão fazendo...?!” – o tritão ainda custava a acreditar naquilo. Ou melhor, queria apenas a confirmação para poder se matar pela humilhação.

 

“Eu estava apenas recebendo um pouco de sangue. Recupero-me mais rápido quando o bebo.” – explicou o loiro, com um sorriso despreocupado. – “Ora, ora, ora... Soumazinho, o que achou que estávamos fazendo~?”

 

“N-NÃO INTERESSA...!” – respondeu no mesmo segundo, corando mais, se fosse possível fazê-lo.

 

“Mausi-san, você...!” – Nami também parecia surpreso, mas aparentemente por outra coisa que não era o duplo sentido da situação.

 

Compreendendo o susto do mago, o vampiro coçou a cabeça.

 

“Sabe, Nami-san...”

 

Sehriel, porém, foi mais rápido e respondeu primeiro:

 

“Senhor Nami, senhor Souma, não se preocupem. O segredo do fato do senhor Mausi não ser um Godsibb de fato estará seguro comigo.”

 

O QUE?!?!

 

 

 

[ xXxXx ]

 

Os dedos morenos deslizavam pelo rosto delicado numa carícia breve. A pele dela era tão macia quanto a seda do mais caro dos vestidos. Assim como sua alma: ele sempre a considerou forte como um carvalho, mas delicada como seda. Ou será que um junco era mais apropriado como comparação?

 

Rousse sempre lhe fora como uma irmã do coração. A moça dos olhos azuis como a primavera tinha o sorriso mais luminoso que ele já vira. Um sorriso tão cativante que lhe aquecia o coração. Enquanto pôde, ele a amou e a protegeu de tudo; de Vardin, do mundo e até dela própria. Mas, um dia, veio o fim do sonho.

 

Foi como naquele dia nublado, quando souberam da morte de Rianna[7]. Ele também sofrera muito na ocasião. Ele crescera com os irmãos, nas terras dos Trent, amara-os igualmente, dividiu sua vida com ambos. Mas, quando voltaram da corte e souberam da tragédia, o moreno dedicou a absoluta maioria do seu tempo reconstruindo o coração de seu senhor, recolhendo os pedaços de sua alma partida.

 

Era como uma antiga história do fantasma vestido de branco que ele ouvia quando pequeno: sempre a dama-de-honra, nunca a noiva.

 

“Richard.[8]

 

O tom da voz de Daniel Trent penetrou em seus ouvidos como uma melodia fúnebre. Distraído até então, surpreendeu-se com a presença repentina dele. Mas era essa a sua impressão, desde aquele dia: Daniel simplesmente tornara-se um pedaço de ser humano. Estava morto por dentro; consumido em uma vingança doentia da qual nem mesmo Richard Kest conseguia tirá-lo.

 

Só lhe restou unir-se àquele desejo, se isso fosse o suficiente para alegrá-lo. Não... Jamais iria alegrá-lo. Apenas o faria sentir-se um pouco melhor. Ele sabia que, desde que Trent jurara em frente ao túmulo da irmã morta que a vingaria, estava selado. Daniel jamais desistiria de seu intento.

 

“...Daniel.” – quando estavam sozinhos, apenas neste momento, o servo podia ser impessoal com o barão. – “E então? O barão Camie...”

 

“Viajará conosco a partir de hoje.” – declarou.

 

“E aquele seu Godsibb?”

 

“Nunca tinha visto nada como aquilo.” – o moreno confessou. – “Não sei se de onde eles vieram os Godsibb são daquele jeito, mas... É poderosíssimo.”

 

Richard suspirou, passando a mão pelos cabelos negros.

 

“...Como será que Rousse reagiria à presença destes convidados inesperados?”

 

Daniel sentou-se ao lado do servo e amigo que, até então, por um pedido seu, estava cuidando da ruiva adormecida.

 

Encarou a face plácida, e sentiu o peito doer.

 

Tão ou mais fortemente do que ao encarar o túmulo da falecida irmã.

 

“Eu fiquei imaginando isso também...” – confessou. E suspirou em seguida. – “Sehriel vai falar comigo a respeito, depois. Já estou até prevendo...”

 

“Pensou nisso no meio de uma Connexione[9]?” – Richard riu.

 

“Um erro infantil, eu sei...” – disse, virando o rosto.

 

Depois do que pareceram ser apenas alguns segundos de silêncio sepulcral, cortado apenas pelo som de suas respirações, a voz do servo ergueu-se:

 

“...Quando chegaremos à Lanciferis?”

 

Trent cruzou os braços. – “Tão logo a senhorita Vardin melhore de saúde.”

 

Sir Richard Kest bufou, soprando a franja que lhe caía sobre a testa. Tinha a precisa impressão de que aquilo era só uma desculpa de mãe e filha para atrasarem a viagem ainda mais. Mas sabia que, se falasse isso para o barão, ele não acreditaria em sua palavra, como sempre, quando tentou fazê-lo.

 

Nunca gostou da bela morena, e ultimamente, aquele antagonismo só havia sido ainda mais alimentado. Mas, enfim, enquanto continuassem ali por culpa dela, não poderiam buscar pelo Alarum. Apenas podiam esperar.

 

“E, enquanto isso... Vamos ter de fechar os olhos para escutar o riso de Rousse?”

 

Daniel assentiu. Deixou escapar um suspiro derrotado, enquanto fechava os seus, num vagar pesaroso.

 

“...Acredito que sim.”

 

 

 

[ xXxXx ]

 

Depois do choque inicial, os outros dois foram convidados a se juntarem ao Godsibb e ao pseudo-Godsibb e sentarem-se ali também. Fazendo o que lhes foi solicitado, Souma e Nami entreolharam-se, num questionamento tácito. Tentavam, primeiramente, esquecer as imagens mentais mal-entendidas e compreender a situação.

 

Recobrando parte da capacidade de fala, depois da surpresa, Nami passou a mão pelos cabelos prateados. – “Hum... Sehriel-san, desde quando você...”

 

“Em verdade, suspeitei disso desde que os capturei.” – o loiro explicou.

 

“Ma-mas como...”

 

“Entretanto, tive apenas a confirmação quando lutamos, há pouco.”

 

Desviando os orbes azuis para um ponto qualquer da tenda, o loiro suspirou pesadamente, como que tomado de uma exaustão memorável.

 

“Quando o senhor Masiel mostrou aquelas estranhas garras, eu soube que ele não era um Godsibb.” – emendou. – “Nenhum que eu conheça tem essas características. Somos seres de capacidade ilimitada, mas não temos tal adaptação.”

 

O mago meneou a cabeça.

 

“Certamente, então, o senhor percebeu que não sabíamos nada a respeito de Godsibbs... Desde o início.”

 

“De fato, percebi que não havia nenhuma Connexione entre vocês.”

 

“O que é isso?” – Souma ergueu a sobrancelha.

 

Connexione é um estado onde um Godsibb é capaz de unir sua mente à de seu Maiestre[10], ouvindo-lhe os pensamentos.”

 

Mausi apenas assentia, com os braços cruzados.

 

“...Você certamente já sabia disso, não é, maldito cretino?” – o tritão perguntou.

 

“Deviam ter ouvido nossa conversa desde o início, não só da parte onde começaram a pervertê-la sexualmente.” – ele sorriu.

 

Nami apenas suspirou, como se tivesse sido assaltado por imagens desagradáveis (ou não?) outra vez.

 

Souma, por outro lado, corou de novo como uma donzela.

 

“Dá pra esquecer isso...?” – gota.

 

“Enfim...” – o vampiro continuou de onde o Godsibb parara. – “Antigamente, os senhores davam ordens para seus Godsibbs, mas os outros podiam ouvi-la. A batalha tornava-se previsível. Então, começaram as Connexiones. Com elas, um Maiestre é capaz de ordenar mentalmente seu Godsibb através da conexão mental entre eles, mantendo, assim, o fator surpresa.”

 

“Que sistema curioso...!” – o mago, subitamente, interessou-se.

 

“Também o achei incrível.” – o loiro concordou.

 

O soldado parecia pensativo, desde quando ouvira a explicação sobre as conexões mentais entre o mestre e o escravo.

 

“Então... Aquela palavra estranha que o barão Trent proferiu... É uma permissão?”

 

“Precisamente.” – Sehriel concordou. – “Quando o senhor Daniel a diz, eu tenho a permissão de invadir sua mente e escutar seus comandos. Mas é necessário ter muita concentração e focar-se somente na batalha... Afinal, numa Connexione, eu posso ver e ouvir qualquer pensamento dele. Não é tão fácil assim, mas por se saber disso, um Maiestre é treinado desde o berço para comandar um Godsibb.”

 

“Então, todo Maiestre tem uma senha especial para seu Godsibb?” – de fato, Nami parecia o mais interessado dali.

 

“Sim. Cada um tem a sua.” – ele sorriu.

 

“Que coisa incrível!...” – olhos brilhantes.

 

“Nami-san gostou mesmo disso, hein...” – Souma ficou surpreso, já que o mago sempre parecia tão mais maduro.

 

“Confesso que gosto muito deste tipo de fenômeno.” – assentiu.

 

“Mas uma coisa eu não entendi.” – Mausi disse, de repente, depois de um longo período apenas ouvindo o que já sabia. – “De onde saíram essas palavras?”

 

Sehriel suspirou. – “Não me lembro disso. Faz tantos séculos...”

 

Séculos?” – o tritão engoliu em seco. – “Cê tem quantos anos?!”

 

“Existo desde o dia em que o mundo é mundo.” – ao contrário dos demais, o Godsibb parecia achar aquilo natural.

 

“Uau! E serve os Trent desde quando?” – agora, até o tritão ficou interessado.

 

“Acredito que desde a formação do clã...” – pensativo.

 

Como um vampiro primordial, muito provavelmente, Mausi era tão velho quanto Sehriel (comparando o tempo nos dois mundos, é claro). Era também um dos poucos puros-sangues que ainda andava sobre Feuer. Então, não devia ser uma surpresa tão grande para aqueles dois, já que andavam com um ‘ancião’ o tempo inteiro.

 

Deu de ombros, afinal. Eram crianças (ou quase). E seres imortais ou de longa vida eram, de fato, muito raros de serem encontrados.

 

“Disso eu não sabia...” – sorriu.

 

“Desculpem por assustá-los. Não achei que reagiriam assim...” – percebendo, de repente, o erro, Sehriel corou brevemente. – “Ah! Como fui estúpido... Os senhores são de outra... Outra dimensão, correto? É claro que assustariam-se!...”

 

Souma parou, pensando em quantos mundos tão bizarros quanto aquele encontrariam em meio à jornada deles.

 

Realmente, precisava começar a treinar desde já para não se surpreender tanto assim quando ouvisse algo fora de sua realidade. Podia até mesmo ofender sem querer alguém, algum dia.

 

“Tá tudo bem, não precisa ficar assim...” – também parecia sem jeito.

 

Nami sorriu diante daquilo. – “Ah! Parece que nosso Souma-san é um bom menino. Que bonito foi seu gesto.”

 

...Será que todos eles eram um pouco deslocados ou era sua impressão?

 

“Ahn... Obrigado, acho...” – gota. Precisava mesmo treinar sua paciência para essas reações de gente de outras dimensões.

 

Mausi também se juntou aos comentários pertinentes.

 

“Viu só? Eu tenho bom gosto, afinal!” – sorriso superior. – “Sempre soube que o Soumazinho é um ótimo menino.”

 

E emendou, apenas por uma questão de costume:

 

“E espero, sinceramente, que seja tão bom em outras áreas quanto é em educação.”

 

...E Souma quis morrer de novo.

 

“Se preza por sua vida, cale a boca.” – rosnou, com medo demais desde a situação pervertida e mal-entendida para falar mais do que isso.

 

(Graças aos céus, ao menos não teve corações no fim da frase desta vez!).

 

“Os senhores são mesmo um grupo muito curioso.” – aparentemente, o Godsibb já estava totalmente recuperado da perda de sangue.

 

“Eu penso o mesmo!”

 

Surpresos, os três encararam a entrada, de onde a silhueta de Daniel Trent enfim exibia-se. Ele parecia outra pessoa: desde que confirmara a ‘aliança’, estava muito mais acessível, principalmente ao pseudo-barão Camie.

 

“Senhor Daniel!” – Sehriel levantou-se, alvoroçado.

 

Souma e Mausi o fizeram, lembrando-se de que, na hierarquia daquele país, eles eram mais baixos que um barão. Nami também fizera o mesmo, por ser o mais polido dali (ele faria isso mesmo, nem que fosse o rei).

 

“Não precisam fazer isso.” – o moreno meneou a cabeça. – “Principalmente você, senhor Masiel. Ainda está ferido.”

 

O loiro abriu um sorriso cortês.

 

“Minha recuperação é rápida.” – disse-lhe. – “Agradeço imensamente o tratamento que dispensou, mas até amanhã, eu já estarei pronto outra vez.”

 

Aquilo não pareceu surtir muito efeito em Daniel.

 

Provavelmente, pensou o vampiro, Godsibbs normais faziam o mesmo.

 

“Que bom saber.” – cruzou os braços. – “Iremos seguir viagem em breve. Os senhores pretendem continuar sozinhos a partir de Lanciferis ou nos seguirão até as montanhas?”

 

“Lanciferis...?” – Nami ergueu a sobrancelha.

 

O moreno encarou os orbes dourados. – “Estamos à procura do Alarum, em Lanciferis. Não sei se desejam cooperar na busca dele.”

 

Sehriel desviou os olhos, preferindo encarar um ponto qualquer da tenda.

 

Ouvira do vampiro Masiel (enquanto pensava se esse era mesmo seu nome. Provavelmente, não) que eles estavam ali procurando uma grande fonte de poder. A maior e única fonte de poder real era o Alarum. Talvez, eles estivessem procurando-o. Se fosse assim, teriam muitos problemas.

 

Afinal, tal objeto era cobiçado por soberanos e nobres desde o princípio. Ninguém jamais conseguiu aproximar-se dele: diziam que um protetor muito bem armado, o mais forte protetor, o guardava só para si, esperando uma criatura de bom coração e alma justa que o usasse para o bem, uma vez que a História era cheia de fatos egoístas e caóticos que antecederam este guardião usando tamanho poder.

 

Daniel era um barão muito justo, porém a vingança que nutria por Rianna era um agravante. Se ele desejasse usar o Alarum para tal, muito provavelmente o guardião desgostaria dele.

 

E, mais provavelmente ainda, o guardião era um Godsibb. E, uma criatura que sobreviveu milênios com aquele poder para si, afastando até mesmo guardas reais de outros países e reinos, merecia o mínimo de consideração. Um respeito diante de uma entidade muito superior à média.

 

“...Acredito que uma parceria aumentaria as chances de vitória, não?” – o mago perguntou, mais numa afirmação indireta.

 

“De fato.” – assentiu.

 

“Desculpe, senhor barão... Mas não está preocupado com o fato de ter de nos ceder uma parte do poder do Alarum, caso consigamos obtê-lo?”

 

Parecia estranho. Souma não conseguiu segurar-se, diante daquele desprendimento. Não parecia normal.

 

“Metade dele já é mais do que o suficiente para cumprir meus objetivos.” – Daniel respondeu. – “Afinal, estamos falando do Alarum.”

 

(Bem, parecia que os problemas reduzir-se-iam bastante, se era assim).

 

“Barão!”

 

Diante daquele chamado tão firme, todos os presentes prestaram atenção.

 

Um dos guardas da comitiva, um homem alto de pele levemente morena, aproximou-se, arfante. Apenas pela expressão do rosto já se podia ler, em letras monumentais, alto e claro: Problemas.

 

“O que aconteceu?” – Daniel retesou o corpo.

 

Sehriel levantou-se de novo, pressentindo muito mais do que os estranhos que algo sério estava acontecendo.

 

Porém, Mausi também o sentiu desde que ouviu um fluxo bastante anormal de pessoas e vozes do lado de fora da tenda.

 

“Um intruso... Um intruso, barão!” – anunciou. – “E está na sua tenda!”

 

Como se um raio houvesse caído-lhe direto na cabeça, Daniel engoliu em seco. A única imagem nítida e reconhecível que conseguia formar diante de si, dentre as tantas que apareceram, foi a de Rousse. Ela estava na tenda. Com Richard, mas..

 

Estava sem Daniel. Ainda sim, estava sozinha.

 

“Senhor...” – Sehriel chamou-o.

 

Assentindo, ele seguiu em disparada para o lado oposto. O Godsibb acompanhou-o com a mesma velocidade.

 

Souma foi o primeiro a levantar. – “Vamos lá. Precisamos ajudá-los!”

 

O mago assentiu.

 

“...Parece que a situação está bastante séria por aqui.” – comentou, ao ver todos os curiosos, homens e mulheres, que ora se afastavam, ora se aproximavam mais do epicentro da tragédia. – “Será um Godsibb...?”

 

“Só pode. Eu não ouvi nenhum passo sugerindo aproximação por terra.” – o vampiro disse.

 

“...Maldição, os desgraçados voam mesmo.” – Souma suspirou.

 

Mausi revirou os olhos. – “Ora, fale por você! Quem tem que fingir que é um deles e lutar sou eu, Soumazinho!”

 

 

 

[ xXxXx ]

 

Nunca quis que aquilo acontecesse. A verdade é que ninguém o deseja, mas a vida não é perfeita. Disso ele sabia bem. Era um paradoxo, entretanto; um filho de um próspero duque conhecer a amargura e a decepção assim tão bem. Não eram pessoas em sua posição que desfrutavam da felicidade eterna?

 

Não. Desde o momento em que desejou sua irmã como uma mulher, aquilo deixou de ser verdade. Alexei Claymor já não era mais feliz.

 

Jehanie queria noivar. Queria muito aquele rapaz. Quem não desejava tal destino era ele. Diversas vezes tentou sabotar seus sonhos, desviá-la daquele ideal. Chegou a ameaçar o noivo (o que não tinha problema, já que De Vesey[11] era-lhe tudo, menos alguém cuja opinião considerasse importante). Mas nada daquilo funcionou.

 

A viagem que planejara aconteceu; apenas o resultado foi diferente.

 

Tudo que restou na memória foi o grito dela. O alvoroço do ataque surpresa. E, enfim, a cama vazia. Jehanie Claymor sumira.

 

A comitiva dos Claymor organizou uma busca, mesmo os bandidos tendo espantado seus cavalos, à procura da lady dos cabelos de fogo. Alexei clamou por seu nome diversas vezes no coração. Mas não obtiveram nenhum sucesso: a garota havia, simplesmente, sumido junto com algum deles.

 

Estranho, pois pareceu que todos foram devidamente aniquilados. Certamente, um patife conseguira fugir. Mas ele receberia sua lição.

 

O grito de Jehanie continuava ecoando em sua mente.

 

Ela era uma mulher. Não tinha uma beleza marcante, mas era um corpo limpo, bem cuidado e exótico. Raptada por um ou mais homens.

 

O que já podiam ter feito com ela até então...?

 

Alexei estava preparado para o pior. Certamente, a manteriam como uma reles prisioneira, espancariam a pele de veludo e estuprariam-na, muito provavelmente, até a exaustão.

 

Mas tinha uma réstia de fé, um desejo tolo de que nada disso acontecesse. Ou que, ao menos, não passasse disso.

 

Não suportaria a notícia de sua morte.

 

Se isso acontecesse, o loiro morreria com ela. E, mesmo se não o acontecesse fisicamente, uma parte dele iria embora.

 

“Alexei...” – chamou-o uma melodiosa voz.

 

Erguendo os olhos azulados para a dona da voz, ele percebeu-a. Uma moça de cabelos ruivos e olhos decididos. Ela sempre lhe lembrou a irmã.

 

E, talvez, foi por isso que ele sentiu os olhos, subitamente, arderem.

 

“...Marie.” – devolveu.

 

A moça foi uma prostituta no passado. Ela e Sophie[12], a morena do sorriso de cristal. Alexei conhecera ambas em uma orgia de uma famosa cafetina da capital. Desenvolvera com ambas, além do desejo ardente, uma forte amizade, que perdurou igualmente com o passar do tempo.

 

Trouxera-as para a casa dos Claymor e, então, elas passaram a ser as damas que cuidavam com todo o esmero de Jehanie, sua preciosa Jehanie. As duas também amavam sua senhorita, com o carinho de irmãs mais velhas.

 

Por isso, a dor da perda também se abateu sobre elas.

 

Sophie era muito mais frágil para tal; Marie é quem continuou firme, apoiando-os e chorando lágrimas silenciosas que jamais chegou a dividir de fato.

 

“Sua Godsibb já retornou...?” – perguntou, numa cautela sussurrada.

 

“Ainda não.” – meneou a cabeça. – “Em breve retornará, acredito.”

 

As manobras do loiro eram-lhe desconhecidas. Marie pouco sabia o que ele estava fazendo desde que descobriu que Jehanie sumira.

 

Apenas sentia a dor de todos e imaginava, pensando na dor dele, em quais seriam seus passos. Acertara, de fato, quando supôs que a Godsibb teria um papel decisivo nas buscas pela lady, mesmo que continuassem buscando-a também pelo solo.

 

Ele suspirou, num tom exausto.

 

“Não consegui outra vez.”

 

Marie deixou as mãos caírem sobre o colo.

 

Alexei havia acabado de voltar de mais uma das buscas pelas redondezas. Absolutamente nada, como sempre.

 

“Você irá conseguir.” – ela disse-lhe. Havia, de fato, a confiança absoluta de que ele o faria, sem dúvidas. – “Jehan está viva. E está lhe esperando.”

 

“Algo em mim...” – confessou, mas calou-se subitamente.

 

O herdeiro Claymor pareceu absorto em pensamentos dolorosos. As mãos caídas sobre os joelhos crisparam-se em impotência. A ruiva sabia o quanto seu senhor não gostava de tais sensações.

 

Aproximou-se dele com vagar, pousando a mão pálida sobre o ombro largo. Ele estremeceu de leve, mas não mais se moveu.

 

Continuou calado, observando o teto. Tinha ânsias de montar em seu cavalo e partir mundo afora, e só voltar quando encontrasse seu tesouro mais precioso, sua pequena dos olhos azuis brilhantes. Mas não podia; infelizmente, não podia fazê-lo. Seu amor não era capaz de mover montanhas.

 

“...Algo em mim não parece acreditar nisso.” – confessou, por fim.

 

E, mais uma vez, sentiu a pungente dor em ter, enfim, registrado com palavras aquele pensamento que lhe tirava o sono.

 

Marie jamais confessaria que também, no fundo de sua alma, tinha a mesma sensação incômoda. Só o fato de Alexei Claymor ter-lhe confessado tal disparate era uma prova cabal de sua confiança. E apenas um fato casual, algo que ela jamais devia trazer à tona de novo.

 

“Jehan está viva.” – ela disse, somente.

 

As buscas continuariam enquanto aquela esperança pairasse sobre os olhos cianos como as lagoas tranqüilas da montanha.

 

Continuariam, até o baque da verdade desmoronar aquela ilusão.

 

 

 

[ xXxXx ]

 

Ela sempre tivera uma curiosidade incontrolável. Desejava conhecer a pequena duquesa que roubara o coração de seu senhor e de seu futuro senhor. Era uma mulher e tanto para tal feito inédito.

 

Como nem Albert nem Adam importavam-se com a mesma no início, não tinham nenhuma familiaridade com as peculiaridades dela. Não sabiam onde ela podia estar, onde gostava de ir, até quando sentia prazer em permanecer lá.

 

Deste jeito, por mais que, ultimamente, estivessem bastante protetores (mais o duque do que seu fiel ex-cavaleiro), foi fácil interceptá-la nos corredores da morada dos Claymor.

 

A pequena bruxa era somente uma menininha. Ruiva, de olhos azuis como os do pequeno Alexei. Era diminuta e pálida como uma ovelha.

 

“Olá.” – saudou-a.

 

Jehanie Claymor encolheu os ombros diminutos. Tinha a impressão de já ter visto aquela menina antes.

 

Era a loira das asas rubras que andava sempre com os homens.

 

“Me chamo Remliel.” – continuou. – “Você é a filha daquela falecida, não?”

 

...O que diabos Adam, Albert e Alexei viram naquela menininha? Para Remliel, parecia apenas uma criança normal. Nenhum atrativo, nenhuma empatia.

 

“Sou a Godsibb do seu pai.” – em situações comuns, a garota abusaria de uma linguagem formal calculada. Naquele momento, porém, não se preocupou com tal. – “Sinto que devíamos nos conhecer. Afinal, um dia, também ficarei com seu irmão.”

 

Enfim, uma reação diferente do medo.

 

A silenciosa Jehanie Claymor arregalou brevemente os olhos, numa surpresa óbvia, porém eternamente muda.

 

“Qual o seu nome, milady?”

 

Lentamente, Remliel encurtou a distância entre as duas. E num movimento breve e delicado, deslizou uma madeixa do cabelo rubro como suas asas, tão vermelho quanto o sangue das batalhas, por entre os dedos.

 

“Jehan!”

 

Virando-se, desgostosa, encontrou Alexei Claymor.

 

O futuro duque tinha o dom de ser irritante em relação à meia-irmã. De muito longe se farejava o amor fraternal...

 

Mas havia um pequeno, muito sutil toque de malícia.

 

O loiro também não confiava na Godsibb. Via-a freqüentemente com o pai e os cavaleiros, recebendo ordens com um sorriso de satisfação no rosto. A visão de uma criança impúbere vestindo armaduras era, talvez, a coisa mais assustadora e mais intrigante que viu até então.

 

Alguma coisa na aura de Remliel fazia Alexei ter sempre cuidado. Era um mal profundamente enraizado. Como se fosse um tédio homicida.

 

Consideravam-na o soldado perfeito (para a humilhação dos homens). E, por este motivo e por outros, o loiro não gostava da presença dela perto de Jehanie. Era como uma afronta àquela pureza angélica.

 

“O que está fazendo perto dela?” – Alexei, de imediato, abraçou protetoramente a pequena figura de cabelos de fogo.

 

“Irmão!” – exclamou, tomada de alívio.

 

Igualmente satisfeito por ter chegado em tempo, o loiro inclinou-se e afagou os cabelos da pequena infante.

 

“Não se preocupe, Jehan. Estou aqui.” – sossegou-a. – “...E você, Godsibb. O que está fazendo perto dela? Deveria estar com meu pai.”

 

“Acabei me perdendo, milorde.” – ela disse, simulando inocência.

 

“Trate de achar-se. E não se aproxime de lady Jehanie de novo.”

 

...Moleque’, rosnou em pensamento.

 

Aquela era uma batalha de puro status. Contra Alexei Claymor, neste sentido, Remliel não tinha a menor chance.

 

“Sinto muitíssimo, milorde, por isso.” – reverenciou-os.

 

Ela se afastou, como o ordenado. E podia ouvir, com um princípio de gozo sádico, a voz do futuro senhor.

 

“Não precisa mais ter medo. Eu estou aqui.” – possivelmente acalmando-a do susto, ele continuou: – “Eu a amo...”

 

A mesma presença daquele dia. De sempre.

 

Jehanie, assim como todos os homens, mulheres, animais e plantas com os quais conviveu, exalava um cheiro diferente, tinha uma presença totalmente distinta da do resto das pessoas. A presença dela, por infelicidade, estava impregnada naquele lugar.

 

O cheiro irritante de uma Claymor enchia aquele acampamento de uma aura que lhe dava asco.

 

Ignorando qualquer olhar que se pusesse sobre ela (e se alguém tentasse pará-la, bastaria matar), Remliel abriu caminho por entre aquele local, procurando cautelosamente um corpo. Porque, se a presença estava assim tão forte, havia um sinal físico dela ali. Um vestido, um colar, um pedaço de cadáver. Qualquer coisa que lhe desse uma pista.

 

As ordens de Alexei foram claras: buscar Jehanie E Hugh. Um bandido de quinta seria mais fácil de encontrar que a lua numa noite estrelada.

 

O problema era a maldita milady. Ela estava sendo um desafio e tanto.

 

Mas... Não mais. Agora, ali estava o cheiro da ruiva.

 

Estranho que ninguém correra e a impedira. Será que estavam com medo dela? Geralmente, o brasão dos Claymor em seu peito afugentava os que conheciam o poderio militar dos mesmos. Mas, era estranho um invasor, mesmo um invasor Godsibb, não ter sido ao menos surpreendida com algum grito de guerra, algum ataque inútil e desavisado de um pobre camponês.

 

Deu de ombros. A loira não perderia seu tempo com essas trivialidades; era, na verdade, até melhor que continuasse tranqüilo assim.

 

Sua mão estendeu-se, tateando o pano sujo e úmido da tenda. Ao levantá-lo, o ar abafado de dentro invadiu suas narinas. Suspirou, forçando os olhos. Debaixo de um cobertor de peles, plácida como um anjo, estava ela.

 

Jehanie Claymor.

 

Respirando. Dormindo. Vivendo, afinal.

 

O sorriso de vitória brotou nos lábios pálidos, mas foi substituído pelo tédio ao constatar, ao lado dela, um humano. Moreno e de aparência mediana.

 

Tão envolva estava em seu gozo particular que sequer o notara antes.

 

Richard cerrou os punhos ao perceber aquela presença inumana bem diante de si, ameaçadoramente.

 

“...Ora.” – ela articulou sua surpresa.

 

Era apenas um humano. Podia cuidar dele facilmente.

 

O servo dos Trent pôs-se à frente da cama improvisada de peles que cobria o corpo adormecido da ruiva.

 

“Quem é você?” – perguntou, encarando-a e falando com ela numa firmeza que não lhe era característica.

 

“Apenas uma curiosa de passagem.” – respondeu, com um riso jocoso.

 

Deu mais um passo. Estava a centímetros de seu alvo, enfim...

 

“Espere um momento!” – e uma voz impediu-a de entrar e conferir mais de perto o tormento, para seu deleite pessoal.

 

Virando o rosto e esquecendo daquele objeto de cabelos negros dentro da tenda por um momento, Remliel arqueou a sobrancelha.

 

Um segundo rapaz moreno, dois jovens de cabelos loiros e outro de cabelos brancos como a neve espessa das temporadas frias... E um Godsibb.

 

Todos ali, numa ‘festa’ que prometia ser inesquecível.

 

“O que está fazendo, invadindo e perturbando minha comitiva?!” – bradou Daniel.

 

A loira retesou-se, aquietando a voz, enquanto a mente trabalhava em mil maquinações que sempre pareciam ter um erro.

 

Ainda ouvia o som da respiração descompassada do rapaz que escondia Jehanie, e o som do arfar contínuo e ritmado dela.

 

Eles não iriam a lugar nenhum, mas...

 

Enfim, como previa, começaram a aparecer as aberrações que a atrapalhariam.

 

Sem maiores escolhas no momento, virou-se lentamente e percebeu seu acerto naquele ato ao ver o rosto de surpresa.

 

O tal chefe da comitiva e o Godsibb... Ambos engoliram em seco.

 

“Mas aquela é...” – o loiro sussurrou.

 

“A insígnia dos Claymor.” – o moreno completou, abismado.

 

 

 

Continua...

 


 


 

 

 

Notas:

 

[1]Deusa que integra a série Los. Personagem da fanfic “Phönix” (Akane Kittsune).

 

[2]Literalmente, ‘Metempsicose’ em grego. Doutrina que dita que uma mesma alma pode animar sucessivamente vários corpos (animais ou vegetais). Inspirado no robô Omega-Metempsychosis, do game Xenosaga III.

 

[3]Literalmente, ‘Água de Cereja’ em alemão. É o nome de uma famosa bebida destilada bastante apreciada no Inverno. Também é um nome retirado, originalmente, do game Xenosaga III.

 

[4]Personagem que aparece, originalmente, em “A Insígnia de Claymor” (Josiane Veiga). Na obra, também é um ex-cavaleiro e atualmente padre que serve aos Claymor.

 

[5]Personagem da fanfic “A Insígnia de Claymor”. Originalmente, também é um cavaleiro e atual chefe da guarda dos Claymor.

 

[6]Cultura lingüística’s time (XD): ‘Senhor’ em alemão.

 

[7]Personagem de “A Insígnia de Claymor” (Josiane Veiga). No original, também é a falecida irmã de Daniel Trent, que foi seduzida por Alexei Claymor e suicidou-se ao engravidar do mesmo.

 

[8]Personagem da fanfic “A Insígnia de Claymor”. De fato, no original, ele também mantém uma amizade profunda com Rousse e é o fiel servo e braço-direito (?) de Daniel.

 

[9]Mais cultura lingüística: ‘Conexão’ em latim (essa era óbvia a lot u.u).

 

[10]Combo de cultura lingüística: ‘Mestre’ em francês arcaico.

 

[11]Garreth De Vesey é um personagem de “A Insígnia de Claymor”. Na original, o noivo de Jehanie. Sua participação é muito mais ativa na mesma, uma vez que ele viaja com os Claymor à procura da ruiva.

 

[12]Sophie e Marie são personagens de “A Insígnia de Claymor”. Também, na obra, são duas ex-prostitutas que servem Alexei como companheiras de Jehanie.


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez, obrigadíssima aos leitores. Amo vocês. (L)
E também agradeço à Josy e à Kane-ou... Minhas musas queridas. *O*



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