Clarisse até a morte

Quando ela se corta ela se esquece
Que é impossível ter da vida calma e força
Viver em dor, o que ninguém entende
Tentar ser forte a todo e cada amanhecer.

Cansada

Estava no fim daquela bela manhã ensolarada de Quinta-feira. Quinta-feira, geralmente o dia mais chato e cansativo na escola, geralmente o dia das aulas mais chatas, geralmente o dia em que você se cansa da vida e quer acabar com ela por causa do tédio, da angústia... do sofrimento dos dias anteriores ao dia do tédio.

Para Clarisse era comum querer acabar com tudo. Sentia-se cortar por dentro, com o coração sempre dilacerado, carregava uma depressão vinda de onde ninguém – nem ela mesma – sabem explicar.

Perdeu o pai ainda muito nova, namorados a usaram e abandonaram, amizades falsas surgiram, pessoas cruéis a apontavam, julgavam...

... mas ninguém, ninguém é capaz de entender, ninguém sabe da vida dela, e duvido que fiquem sabendo, seus amigos mais próximos conhecem sua casa, seu quarto, seus gostos mas não sabem de suas angústias, medos e anseios.

Clarisse está cansada de viver e queria que entendessem.

A cada dia que passa, as roupas são de mangas mais longas, cobrem maior parte do corpo, não importa o quão quente esteja, não dá pra mostrar a pele marcada.

Para cada Segunda-feira sem ânimo, a cada Terça de angústia, Quarta de desgaste mental, Quinta de cansaço, há uma Sexta-feira de punição.

Aos fins de semana está com os amigos e familiares, finge que tudo está bem, e depois volta a ser o que sempre foi.

O tempo começa a passar e as punições tomam freqüência, e gradativamente aumentam, o sangue que corre pelos braços, a essência de uma vida imatura sendo desperdiçada, uma vida... tudo isso se perde, tudo isso vai se esgotando a cada dia.

Um dia para, um dia ela se recupera, se não for da melhor maneira, será da pior.

Algo me diz que será da pior.

Os julgamentos não param, as línguas não se calam, pessoas não tem bom senso e nunca sabem quando parar, nunca enxergam quando estão começando a ferir alguém... ou melhor, nunca enxergam quando essa pessoa está ferida o suficiente para não querer mais viver.

Não há razão para que ela queira tirar a própria vida, não há razão para que sua pele ganhe novas marcas a cada noite, não há razão para chorar!

Não há razão?

O que é a razão para quem é perseguido? O que é a razão para quem tem medo e é julgado, apontado, massacrado... ? Onde está a razão para isso? Quem é dono da razão e por que será que existe a razão?

Perguntem-se: Onde Clarisse se perdeu?

Eu respondo: Quando ela tentou ganhar asas e voar.

Quando lhe disseram “Seja você”, quando ela pensou ter superado uma perda e partiu para a vida real, quando ela tentou reverter à situação tudo piorou e me digam por que?

Por que ninguém queria a ver sorrir, ninguém suporta a felicidade alheia, todos pensam apenas no próprio nariz e tem inveja.

Não foi ela que se perdeu, mas vocês a tiraram do caminho a força!

Ela gritou, ela lutou, mas não foi suficiente, agora notam o quão hipócritas vocês foram?

Não  são os cortes profundos nas coxas e nos braços da garota que acabam com sua vida, mas sim as pessoas que estão ao seu redor, as que fingem se importar, as que a julgam.

Um dia, Clarisse chega em casa, angustiada sem demonstrar, desesperada por dentro, indiferente por fora, um dia, ela pegou uma faca na gaveta da cozinha de casa, se trancou no banheiro e por lá mesmo tirou a própria vida, antes disso fez o máximo de cortes profundo que podiam ser feitos em sua própria pele, até no rosto.

Morta, agora ela está morta. E foi Clarisse da vida até a morte.

Clarisse só tem 14 anos...