"Meu modelo com Harry era, na realidade, o dos veteranos de guerra,

que viram horrores e se os exigem que voltem a suas casas e as

reconstruam, e que voltem a suas vidas monótonas e cuidem de suas

famílias, ser pais ― especialmente ser um pai, que é um

trabalho muito difícil, em tempos conflituosos.[...] E creio que é algo

absolutamente heróico, voltar para a casa depois disso, e não voltar

um mercenário que vive eternamente congelado em um tempo de excitação

e perigo, sem ter força mental suficiente para voltar da guerra

e levantar uma nova geração com valores que esperamos que não leve a

outra guerra. […] Reconstruir é muito mais difícil

que destruir. […] Queria mostrar um homem que voltava com suas

mãos sujas e tentava reconstruir. Eu gostava disso."

J.K. Rowling

Era difícil descrever a sensação de fim de guerra. Ao mesmo tempo que sentiam uma grande alegria e alívio, a sombra gerada pela perda fazia a sensação boa parecer borrada, como se a felicidade estivesse dentro de uma enorme redoma de vidro fosco. Era como se de repente você tivesse vontade de pular de alegria e então se deparasse com a visão de um amigo morto aos seus pés. Você queria sorrir, mas era como se estivesse cometendo um crime ao fazer isso.

Tinham acabado de voltar do enterro de Fred, Tonks e Lupin. Todos os Weasleys estavam reunidos na sala da Toca, quase que imobilizados. Poderiam ser estátuas de cera que não faria diferença. O único ruivo que não estava presente era Jorge que trancara-se no quarto no momento que chegaram na casa e de lá não conseguiu sair mais.

Hermione, sentada a um canto mais afastado da sala, de repente se levantou e correu para o lado de fora. O único que reagiu ao movimento dela foi Harry, que olhou para os lados por um momento antes de seguir a amiga. Ela andou pelo quintal dos Weasley, passando por entre as galinhas espalhadas ali, e se afastava sem uma direção certa. Harry acelerou o passo até estar ao seu lado. Hermione olhou-o com os olhos chorosos e parou. Encarou-o por alguns segundos e então deitou na grama, um movimento que Harry imitou. Ficaram olhando para as poucas nuvens do céu claro, sem falar nada no primeiro momento. Mas então a garota disse:

― Preciso ir ― sua voz saiu rouca devido ao choro. ― Buscar meus pais.

Harry não disse nada. Hermione respirou fundo algumas vezes antes de virar o rosto de lado para olhar para ele.

― Devia fazer o mesmo ― disse ela.

Ele não entendeu.

― Os Dusrley. Devia procurá-los, dizer que está tudo bem agora, que eles podem voltar para casa.

A última coisa que Harry queria fazer no momento era encontrar os tios. Disse isso a Hermione.

― Posso mandar uma carta também ― tentou argumentar.

― Uma carta? ― riu Hermione. ― É, já é alguma coisa.

― Quando você vai? ― quis saber Harry. ― Eu posso ir com você.

A garota balançou a cabeça, sem olhar para ele, o rosto voltado para o céu.

― Vou amanhã, vou ficar hoje para ajudar a Sra. Weasley. E obrigada, Harry, mas preciso ir sozinha. É uma coisa que... tem que ser só eu. Entende?

― É, eu entendo ― ele concordou. ― Mas você vai ficar bem? A Austrália é tão longe e o feitiço não parece fácil.

Hermione olhou para o amigo com carinho.

― Vou ficar bem sim.

― É, bem, não existe realmente algum feitiço complicado que você não consiga fazer! ― riu ele, brincando.

A garota riu, mas quase imediatamente ficou séria de novo.

― Tenho um pouco de medo, sabe? O feitiço é mesmo complicado. E eu não posso errar, Harry. Um erro, um errinho só, e eu posso perder eles para sempre. E se eles nunca mais lembrarem de mim? Como vai ser?

O queixo dela tremeu ligeiramente e então ela levantou e sentou na grama, cobrindo o rosto com as mãos. Harry imediatamente sentou-se ao seu lado, meio sem saber o que fazer.

― Não fique assim. Vai dar certo! No seu segundo ano em Hogwarts você já conseguiu fazer uma poção complicada como a polissuco. Se alguém pode devolver a memória dos seus pais, esse alguém é você.

A garota tirou as mãos do rosto e abraçou o amigo. Harry deu palmadinhas desajeitadas em seu ombro.

― A partir de agora tudo vai começar a se ajeitar. Você vai ver ― Harry falou, não sabe se para si ou para Hermione.