Inevitável escrita por Nunah


Capítulo 1
Poucas frases que destroem o que anos construíram




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A garota olhou para todos os lados da Sala Comunal antes de sair pelo retrato que guardava sua entrada.

Apesar de ser monitora-chefe, não era bom quebrar as regras e sair pelos corredores vazios da escola tarde da noite, ainda mais nos dias em que não exercia sua função.

Depois de Voldemort ser derrotado e Hogwarts perder inúmeros combatentes – entre eles Lupin, Tonks e Fred – Minerva McGonagall havia se tornado diretora permanente da escola e declarado que todos aqueles que perderam seu último ano de estudo poderiam cursá-lo como se nada tivesse acontecido. Era o motivo de ela estar ali.

Em suas noites livres, Hermione Granger havia alimentado o estranho hábito de ir até a biblioteca e ler coisas da Seção Proibida, apesar de Harry tê-la avisado diversas vezes que aqueles livros pareciam ter vida própria.

 

Assim que se certificou de que ninguém a viu perambulando pelos corredores e entrando naquela salinha, Hermione soltou a respiração e trancou a porta novamente.

 A garota se sentou na pequena mesa de madeira e murmurou “Lumus”, fazendo a ponta de sua varinha se acender o suficiente para ela enxergar as inscrições nas lombadas dos diversos livros.

Passou os dedos por várias capas, fascinada com as cores vibrantes. Havia tantas coisas para se ler ali, tantos assuntos para escolher um livro apenas... Pena que já havia lido quase todos com uma avidez descomunal.

No final, Hermione acabou pegando cinco exemplares sobre Magia Negra, que era secretamente seu assunto favorito. Mesmo que a guerra já tivesse acabado e tudo estivesse bem, na medida do possível de se ficar bem após uma guerra devastadora, a garota gostava de ler sobre.

Ela se sentou na cadeira acolchoada e respirou fundo, pronta para mais uma noite absorta em seu vício.

Hermione não entendia como as pessoas não gostavam de ler. Os livros eram a porta para outra dimensão, para novos conhecimentos. Talvez, se as pessoas lessem mais, teriam tido mais chances na guerra e evitado tantas coisas. Mas não...

Depois de escolher um e abri-lo, um barulho interrompeu sua concentração.

— O que está fazendo aqui?! – exclamou a maldita voz. A voz que ela menos gostaria de ouvir num momento como aquele. Odiava quando interrompiam sua leitura. E odiava ainda mais saber que tinha sido descoberta por alguém tão mesquinho.

— O que você está fazendo aqui? – retrucou.

— É a minha noite livre, posso fazer o que eu quiser, e você não tem nada com isso.

De trás do livro, ela podia avistar o cabelo loiro platinado de Draco Malfoy.

— Pois digo o mesmo. Agora, vá embora. – disse ela.

— Por que você não vai embora?

— Você é um estúpido. – a menina revirou os olhos, irritada pela interrupção e pelo precioso tempo perdido com aquilo.

— Grande argumento, Granger. Você já foi melhor nisso.

— E você já foi melhor em ficar quieto, Malfoy. Não me admira não ter amigos. – Hermione continuou. Aquela última frase sua a fez entrar em uma sensação de nostalgia. Se se lembrava bem, Ron falara aquilo sobre ela há muito tempo.

Ao contrário do que pensava que ele fosse fazer, Malfoy se sentou na outra ponta da mesa. Claro que um sonserino nunca deixaria uma grifinória ganhar a discussão.

— Ridículo. – murmurou ela, voltando-se para o livro.

 

Quinze minutos se passaram e o garoto continuava a encará-la. Hermione, sem lhe dar atenção, continuava lendo suas pilhas de baboseiras. Aquilo chegava até a incomodá-lo.

Como se um Malfoy sangue-puro como ele um dia se importaria com o que a sangue-ruim da Granger faz ou deixa de fazer... A imaginação das pessoas, pensava ele, ficava ainda mais fértil de madrugada.

Mas não era coisa de sua imaginação. E ele sentia isso no fundo de seu ser. Corroendo-o, incitando-o e o deixando confuso e em negação.

O que ele não sabia era que sua presença a deixava, sim, desconcertada. Mas, depois de tantos anos sendo amiga de Harry Potter e guardando seus sentimentos para si com o intuito de não eixa-lo ainda mais preocupado, ela virou mestra em esconder as emoções.

— O que você quer, Malfoy? Me deixar louca, ficando aí como uma estátua e esperando que eu definhe nessa cadeira? – perguntou ela, suspirando e fechando o livro subitamente. Estava decidida e exasperada, pois enquanto ele continuasse ali ela não conseguiria se concentrar.

Nem que Merlin aparecesse apenas com as roupas de baixo para espantá-lo.

— Eu? Bem, eu não quero nada. Só estava tentando espairecer... O dormitório tem andado muito sem graça ultimamente. – respondeu ele, distraído.

Hermione se surpreendeu por receber uma resposta sincera.

— É um pouco tarde para espairecer... por que não está dormindo? – Hermione não sabia o que tinha despertado esse tipo de curiosidade por Draco Malfoy nela. E, assim que proferiu as palavras, sentiu-se hipócrita por estar se intrometendo, sendo que estava abdicando de suas noites e madrugadas para se esgueirar até uma parte proibida do castelo, coisa que não faria há anos atrás.

— Não sabia que se interessava por Magia Negra. – disse ele, indicando os livros e sorrindo, ignorando deliberadamente o questionamento. – Até a mais santa das santas tem seu lado obscuro, não é mesmo, Granger?

Claro que haveria uma piada logo após aquele lapso de civilidade.

— Não é nada disso. – respondeu ela, revirando os olhos. – É só que... A complexidade dos feitiços, os feitos desses homens... Não sei. É incrível.

Hermione engoliu em seco quando ele a encarou, impassível. Será que tinha dito algo errado? Ele não ousaria lançar-lhe um feitiço em plena Seção Proibida por algo tão bobo, não é? Bem, nunca duvidaria daquele garoto, que crescera cercado de Comensais da Morte e fazia parte daquela família macabra.

— Sabe, quando... – Malfoy desviou o olhar. – Quando eu estava reformando o Armário Sumidouro... Essa foi uma das poucas coisas que me chamou a atenção, realmente. A complexidade... O modo incrível como essas pessoas conseguem lidar com magia poderosa.

Quer dizer que eles tinham algo em comum, afinal? Algo que ninguém mais fazia ideia sobre eles... Hermione Granger se interessava por Magia Negra. Draco Malfoy podia ser impressionado pela complexidade de feitiços e estruturas mágicas. O mundo dava voltas.

— Foi muito ruim? – perguntou ela, hesitante. – Ter de fazer todas aquelas coisas... Com medo de que Você-Sabe-Quem fizesse algo contra sua mãe?

— Muito ruim? – ele repetiu, sorrindo com escárnio, encarando as mãos. Logo seus olhos perderam o brilho novamente. – Foi terrível. Eu vivia com medo. E quando Dumbledore pediu que eu me juntasse a ele antes... Antes de aquilo acontecer... Eu quase não resisti. Mas eu tinha medo que Você-Sabe-Quem me caçasse, e à minha mãe, mesmo com Dumbledore. E quando Snape apareceu... Eu queria morrer. Eu preferia a morte à punição que me esperava.

Quando terminou de falar, seus olhos estavam cheios de lágrimas. Mas ele não podia, não iria chorar na frente de Hermione Granger. Passado é passado. Ele não precisa mais ter medo.

— Eu tive de apagar a memória dos meus pais antes de viajar com Harry e Ron... foi como se uma parte de mim desaparecesse. – sua voz estava fraca e sua mente, distante.

A garota, que tinha fechado os olhos, encarou Malfoy com medo de que ele risse, falando que era tudo mentira e saísse, deixando-a pior do que antes.

— Deve ter sido. – disse ele, apenas.

Ao contrário do que pensava, Granger não era uma garotinha metida sem nada para fazer. Claro que, depois da guerra e de tudo pelo que passou, Malfoy acabou mudando seu modo de tratar e enxergar os outros, mas Granger sempre foi e sempre seria – pelo menos na sua mente – sua maior inimiga, se é que pudesse chamá-la assim.

O garoto se levantou da mesa, não poderia passar mais nenhum minuto ali, com ela.

Então, com um olhar rápido, Malfoy franziu os lábios e saiu pela portinha frágil.

Hermione assistiu o brilho de seu cabelo desaparecer, estranhamente querendo segui-lo. Estava preocupada com aquele garoto que, apenas com poucas frases, destruíra toda uma imagem construída em anos de convivência e xingamentos atravessados.

 

De manhã, Hermione Granger acordou se sentindo renovada. Depois de descer as escadas e dar bom-dia a todos os seus amigos, a garota saiu pelo retrato em direção ao Grande Salão, praticamente morrendo de fome.

Qual não foi sua surpresa quando novamente encontrou com Malfoy. Ele estava com roupas mais claras do que costumava usar e mantinha um sorriso sincero estampado. Assim que a viu, acenou e sorriu ainda mais.

— Ei, Gran... Hermione! – ela estacou quando ouviu seu primeiro nome sendo proferido por aquele... Malfoy. — Você vai com quem à Hogsmeade? Com seu namorado?

— Ahm. Bem, na verdade eu tinha desistido de ir. Ron e eu não estamos mais juntos, sabe... decidimos que o que sentimos é apenas amor fraternal, apesar de eu desconfiar que ele queira aproveitar a vida antes de se prender a algo ou alguém... – ela suspirou. - Não lhe tiro a razão. Por que a pergunta?

— Eu estava pensando se... Você quer ir comigo, entende? Talvez nós possamos conversar mais sobre aquela história de magia. – o garoto deu de ombros, desviando o olhar.

Hermione arregalou os olhos, muda.

— Mas se você não quiser, eu vou entender, é claro...

— Não. N-não é isso... É que... Bem, se você não estiver brincando, eu aceito.

Ele sorriu.

— Tudo bem então. Até mais tarde.

Depois de alguns minutos, a garota percebeu que estava sozinha novamente, parada no meio do corredor, com o mundo de cabeça para baixo.

Talvez não seja tão ruim.

Suspirando, ela caminhou lentamente até a grande mesa da Grifinória, um pouco vazia.

 

Eles tinham mais coisas em comum do que um dia poderiam imaginar... tudo aquilo que estava começando a acontecer, ou melhor, tinha começado a acontecer com eles na noite anterior, era estranho.

Era inevitável.


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Notas finais do capítulo

Feliz aniversário, Lice *---*