Como deixar de ser idiota em 30 dias.

Capítulo 6:

– O que você está fazendo? – Perguntou Charlie retirando o olhar de seu livro pela primeira vez em quase duas horas para me olhar.

– Lendo. – Respondi inocentemente, ignorando seu olhar irritado.

– Você está na mesma página a pelo menos quarenta minutos. – Disse ele, agora mais irritado ainda pela minha resposta, enquanto marcava a pagina em que parou no livro e o guardava em sua mochila.

– É que as letras são muito pequenas, então eu demoro para ler. – Se existisse algum prêmio dado para “a pior desculpa do ano”, eu teria ganhado-o agora.

– Eu estou lendo o mesmo livro que você, logo eu também deveria estar na página doze pela sua lógica. – Respondeu cínico.

– Tecnicamente não, já que você já tinha passado da pagina cem quando eu comecei a ler. – Acho que eu não me importaria de só continuar irritando ele. É muito fácil e ele fica uma gracinha todo estressadinho! Parece até uma criança mimada fazendo birra... Mas se eu continuasse ele poderia ir embora e não escutar o resto do que eu tinha a dizer, então achei melhor dar uma pausa de suspense e depois ir direto ao assunto.  – Certo, eu só estava imitando você.

– Do jeito que você fala faz até parecer normal... – Suspirou indiferente, enquanto se abaixava para amarrar o cadarço de seu tênis que havia se desamarrado. É né, para ver como ele está prestando atenção no que eu estou falando...

– É que eu... Queria ser como você... – Falei isso bem baixo, mas com certeza ele escutou, pois na mesma hora parou com o que estava fazendo e se virou para mim. Quando tive essa idéia na livraria, não imaginei que falar isso com ele seria tão constrangedor. Mas é.

– Você por acaso é idiota? – Perguntou com um tanto de raiva na voz. – Esquece, você é sim idiota, mas é tão idiota assim? – Nossa! Isso me anima muito em continuar!

– Por isso mesmo... Que eu queria ser como você. – Murmurei abaixando um pouco a cabeça, mas não o suficiente para cortar nosso contato visual.

– Sinto muito ter de informar, mas ler o mesmo livro que eu não vai te deixar mais parecido comigo. – Respondeu entediado, como se estivesse dizendo a coisa mais obvia do mundo e eu não estivesse entendendo.

– Eu não comprei o livro por causa disso. Eu estava lendo para você perguntar o que eu estava fazendo. – Percebi que ele não entendeu porcaria nenhuma do que eu falei, até porque, realmente não faz muito sentido, então tentei explicar. – Você me ignora abertamente, então se eu só chegasse do nada e pedisse para você me ajudar a não ser mais idiota você só ia fingir que não escutou. Então eu fiz isso para você falar comigo, porque se você começasse o diálogo não ia ter como fugir dele depois. – Conclui.

– De onde você tirou isso? – Perguntou um pouco assustado com minha fala repentina. Eu sei que do jeito que eu disse ficou parecendo algum plano maligno da máfia ou coisa parecida.

– Em algum gibi da turma da Mônica, não lembro direito. – Ele não se preocupou em conter um riso.

– E como você espera que eu te ajude? Não é como se eu tivesse algum manual ou coisa do tipo, sabe... Você já é idiota há 17 anos, pode muito bem continuar assim! – É, vai ser difícil convencer ele. Mas eu já cheguei bem mais longe do que imaginava. Na verdade quando saí da livraria eu pensava que quando me sentasse do lado dele e abrisse o livro ele ia se levantar e ir embora me ignorando. Não poderia culpá-lo se fizesse isso, afinal, acho que eu faria o mesmo em seu lugar.

-Não sei... – É, eu não tinha pensado nisso ainda. Se tivesse pensado, não seria eu. – Sei lá, acho que só te seguir já é um bom começo, daí eu posso fazer observação do seu comportamento para imitá-lo ou coisa parecida.

– Do jeito que você fala faz eu parecer um animal de zoológico. – Respondeu cínico. Já estava sentindo falta do cinismo dele. Bem, é melhor do que o tom entediado que ele estava usando antes.

– Desculpe, não foi essa a minha intenção. – Disse antes que ele fosse embora ofendido. – Eu entendo se você não quiser me ajudar...

– Porque você está pedindo desculpas? Eu estava brincando, tonto. E seja mais firme nas suas afirmações! Encheu o meu saco pedindo ajuda e agora está praticamente desistindo? Prove que mereceu o tempo que fez eu perder! – Disse autoritário.

Merecer o tempo que fiz ele perder? Minha vontade inicial era mandar ele ir para o Afeganistão morrer em um ataque terrorista de homens-bomba, mas se fizesse isso eu perderia o tempo que usei para tentar convencê-lo, sem falar no dinheiro do livro.

Acho que também não escolhi a melhor maneira de provar que ele não perdeu tempo, mas o que mais eu podia fazer? Ajoelhei-me e comecei o suplicar que ele me ajudasse. Claro que meu estardalhaço não durou muito, pois assim que o susto diminui, ele pisou na minha mão e me chutou para longe.

– Você ficou doido, moleque? – Disse me repreendendo. Bem, ele pediu mais convicção da minha parte, não pediu? Estou apenas insistindo!

– Por favor! Eu preciso muito de ajuda! – Continuei com meu apelo melodramático, enquanto me levantava e massageava levemente a mão pisada, que estava um pouco dolorida.

– Para que você quer tanto deixar de ser idiota? – Perguntou. Certo, nada mais justo ele saber, se for me ajudar. Mas contar isso para o Max é uma coisa, falar para o Charlie é outra bem diferente. É extremamente constrangedor. Mais do que qualquer outra coisa que eu já tenha dito para ele.

– Não é só deixar de ser idiota, tem que ser em 29 dias! – Enrolei tentando fugir do assunto.

– Por que tem que ser em 29 dias? – Para que ele quer tanto saber isso? É só deixar eu andar com ele e anotar umas dicas... Não mata ninguém... A não ser que eu caia de alguma escada e me segure nele levando-o junto, mas aí já é um caso a parte.

– Na verdade era para ser em 30, mas eu já perdi o dia de ontem... – Nossa, melhorei muito a descrição! Não.

– Para de enrolar! Se for mais uma idiotice eu não vou ajudar! Tem que me dar um bom motivo! – Exigiu. – E vamos sair daqui que graças a você metade do shopping está olhando para cá.

– Okay... – Disse me levantando e seguindo-o.

Ficamos um bom tempo apenas andando sem um rumo aparente por aqueles corredores movimentados. Prestei atenção em algumas vitrines, mas não encontrei nada que chamasse muita da minha atenção. Bem, vi um all star de verniz preto no qual eu babava há meio século – mas nunca teria dinheiro para comprá-lo mesmo, então nem perdi tempo observando-o. Certo, perdi sim, mas logo me apressei quando vi que estava sendo deixado para trás.

– E então? Não vai falar nada não? Ainda estou esperando... – Quebrou o silêncio. Quer dizer, não exatamente silêncio, porque a nossa volta existiam várias mães fazendo compras com as filhas e casais passeando, todos fazendo barulho, mas acabou com o silêncio entre nós. Para que eu perco tempo explicando isso mesmo?

– Bem, na verdade isso é por causa de uma garota... – Disse meio tímido desviando meu olhar para o chão. Ai! Trombei com uma pilastra. Droga! Aposto que amanhã quando eu acordar vai ter uma marca vermelha enorme na minha testa! Isso só acontece comigo, fala sério...

Escutei algumas vendedoras comentando sobre a queda que o “o garoto da estante” tinha levado. Que ótimo! Agora eu vou virar “o garoto da pilastra”.

– Que garota? – Perguntou ignorando o meu tombo e continuando a andar. Apressei o passo para alcançá-lo, mas a dor não ajudou muito. Já não era suficiente a minha mão doendo, agora a cabeça também... Tem alguém muito sacana conspirando contra mim, não é possível! Às vezes eu tenho a sensação de estar sendo seguido, pode até ser verdade...

– A Zoey... – Respondi, mas agora sem olhar para o chão. Nunca se sabe quando eu posso trombar de novo com uma pilastra, melhor me precaver.

Continua...