Mundo dos Sonhos escrita por Trezee


Capítulo 54
Changes




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Pensei que veria raiva e fúria nos seus olhos, mas Dora apenas esboçava um olhar vítreo e sem rumo. Ela arrastou os pés em minha direção e se sentou de baixo da única árvore que existia ali, bem ao meu lado.

Eu não queria dizer nada, mas meu lado humano falou mais alto.

– Você está bem?

Ela apenas inclinou a cabeça para o lado, mas não me olhou. Manteve os olhos fixos no chão.

– De que te importa saber? – murmurou.

Realmente, não me importava de nada saber. Na verdade eu gostaria de saber que ela estava um caco. Se sentindo a pior criatura. Porém era estranha a sensação que estava dentro de mim. Vendo-a daquele jeito tão vulnerável. Era como se dessa vez eu pudesse mata-la a qualquer instante que eu quisesse, mesmo não tendo os mesmos poderes que ela. Só que eu não queria matar ninguém.

– Não me importo em saber. Você quem sabe se quer ou não falar. – disse. – É que sua postura está um pouquinho diferente de alguns minutos trás. – mirei-a de cima a baixo. Ela estava sentada em forma de bola.

– Me deixa em paz! – pediu entre os dentes. – Já não me basta Ania, e agora até um verme eu tenho que aturar. – retrucou. Sem ar de superioridade, sem prepotência. Era mais um lamurio.

Fiz então o que ela me pediu. Ficamos ali sentados o resto da noite. Um dia e mais uma noite. Apenas sentados. Logicamente acordados, pois não é possível dormir dentro de um sonho. Mas quietos, sem olhares ou tentativas de comunicação.

De repente meu corpo começou a sentir as alfinetadas. O dono do sonho estava acordando. Dora acordou do transe com pressa. Segurou minha mão e fomos encobertos pela nuvem preta.

Quando abri meus olhos, esfreguei-os com força. Era tudo familiar e real novamente. Eu estava no meu quarto? Como?

Sentei, pois eu ainda estava deitado na minha cama. Levei as mãos a cabeça e comecei a pensar. Não era pra eu ter acordado. Era para eu ter ido para outro sonho com Dora. Afinal, eu me lembrava da névoa que nos rodeara.

– Interessante. – murmurou uma voz a minhas costas.

Virei-me rapidamente, assustado, pois até onde eu sabia, eu estava sozinho no meu quarto. Dei de topa com uma garota sentada em minha poltrona, olhando fixamente para as mãos, como se seus dedos fossem uma grande novidade. Olhei para seus cabelos e tentei olhar por debaixo deles, para ver seu rosto.

– Dora? – conclui aflito.

Ela então olhou para mim. Seus olhos azuis eram um misto de espanto e curiosidade. O rosto limpo, sem nenhum símbolo, nem tatuagem. Sua roupa não era um manto, mas sim um short e uma camisa normal. Normal de mais para um Arauto, na verdade.

– O que está acontecendo? – perguntou-me, por fim.

Eu gostaria de saber também. Havia ali duas possibilidades. Primeira, teoricamente provável: talvez nós houvéssemos infiltrado um sonho de alguém que me conheça, ou melhor, que me conheça muito bem, pois consegue sonhar com meu quarto inteiramente detalhado. Segunda, teoricamente impossível: Eu estava acordado e Dora no Mundo Real.

Passei a mão no meu colchão, no meu travesseiro, nas minhas roupas. Minhas roupas! Eram as exatas mesmas roupas que eu estava usando antes de infiltrar nos sonhos. Não era nada possível então. Tudo bem eu ter acordado, mas o que Dora estava fazendo ali! Arautos Natos não conseguem ficar fisicamente no mundo Real, pelo menos não em forma humana, de carne e osso, digamos assim, visível a qualquer um.

Em um pulo me levantei da cama. Não me importava quanto tempo eu havia ficado dentro daquele quarto, menos ainda me importava o que meus pais iriam pensar. Só sei que eu peguei a mão de Dora e a puxei. Sai desesperado do quarto a procura da primeira pessoa que surgisse na minha frente.

– Mãe? Pai? Alguém? – gritei, mas minha voz ecoou escada abaixo e ninguém me respondeu. Estávamos sozinhos em casa.

Desci rápido, pulando de dois em dois degraus e arrastando a garota atrás de mim. Abri a porta e sai na rua.

– Vamos, alguém, alguém... – sussurrei para mim mesmo, olhando freneticamente para os dois lados da rua.

Finalmente avistei. Era uma senhorinha que morava há umas três casas de mim. Ela estava varrendo a calçada. Era meu alvo perfeito.

– Hei, hei! – gritei, correndo em sua direção.

Ela parou espantada e ficou olhando para mim. Eu não fazia a mínima o que dizer. Na verdade qualquer coisa que saísse da minha boca já era lucro.

– Bom-dia, a senhora poderia... ajudar ela? – disse fadigado, apontando para Dora.

A senhorinha, então, seguiu meu dedo. Não fez nenhuma cara de “oh meu Deus, que criatura é essa na minha frente”. Apenas perguntou normalmente.

– Minha jovem, você precisa acalmar seu namoradinho, ele está muito aflito! Mas diga-me, no que posso ajuda-la?

Pronto, estava tudo errado. A gente estava, de fato, no Mundo Real. E Dora podia ser vista como uma humana normal. Parecia até minha namorada. Impossível. Ela não é gente. Ela nunca foi humana. Isso não existe!

Penso que minha cara de indignação estava assustando a senhorinha. Olhei para ela e sua vassoura ainda se apoiava sob seus braços. Murmurei um “muito obrigado” tímido e puxei Dora de volta para minha casa.


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