Eu não queria que o dia amanhecesse porque eu não havia dormido, ou melhor, eu não me lembrava de ter dormido. Minha última lembrança era que eu havia fechado os olhos e os aberto com a surpreendente luz que inundava meu quarto. 

                 O sono não estava ali, então julguei que por mais estranho que fosse, eu havia dormido. O relógio também não me enganava porque oito horas se passaram desde que eu o olhei pela última vez. Eu não tinha motivos suficientes para entrar em pânico por apenas ter dormido uma boa noite de sono. Sem sonhos, pesadelos, pensamentos teimosos que não me deixavam. Era muito bom por um lado que a noite tivesse passado literalmente em dois segundos, pois eu estava descansada e o que eu mais precisava nesse meu dia era ter animo e muita vontade de enfiar a cara nos livros.

                 A semana de provas estava logo ali, estacionada na frente do meu nariz, berrando e me mandando estudar. Eu queria ir muito bem para fechar tranquilamente o bimestre. Esta era a melhor forma de conseqüentemente fechar o ano tranqüila, porque um semestre bom tornava o outro muito mais fácil.

                 E foi exatamente isto que eu fiz, providenciei um segundo semestre mais fácil.

                 Estudei tanto até meus miolos racharem. Eu reli duzentas vezes história do Brasil porque minha vontade de esfregar um dez na cara do professor Emmanuel era imensa. Mas não foi só nessa matéria que eu providenciei uma boa nota. Procurei me esforçar a cada página que eu lia para estimular minha mente estranha. Vai que ela transforma essas minhas lembrancinhas naquelas lembranças mutantes que nem fez com Física.

                  Por falar em Física, bem, nesta eu já estava garantida de todos os lados. Minha facilidade e outras ajudinhas a parte me levaram a conclusão de que eu nem deveria estudar Física mais, usando esse tempo extra para dar mais uma relida em História.

                    E assim foram minhas horas preciosas e minuciosamente aproveitadas de Domingo. Eu parecia um zumbi estudante vagando pela casa. Meus pais até me pouparam de perguntas desnecessárias por ficarem observando atentamente meu mecanismo de ir e vir do meu quarto até a cozinha, onde eu apenas tomava um copo de água, beliscava alguma bobeirinha e voltava para meu casulo de informações, para literalmente enfiar a cara nos livros.

                    Dia um tanto que exaustivo, claro, mas eu estava muito esperançosa de ter uma boa recompensa por de trás de tanto esforço. E era tão bom se esforçar, encher a cabeça de coisa útil para pensar. Pelo menos assim não sobrava tempo para inutilidades e questões toscas que insistiam em voltar mesmo depois de terem sido praticamente banidas da minha cabeça.

                    Tudo era tão simples. Só precisava tocar a vida normalmente, rotineiramente que nada parecia estar afetado. Praticamente um roteiro pré-escrito, com apenas algumas mudanças. Meros detalhes enfim. Nunca foi difícil fazer isso, nunca deu medo acordar no dia seguinte, pelo contrario, sempre foi muito prazeroso. Nada deveria mudar, nada havia mudado. Custava sim entender tão forçadamente isso, mas era preciso. Não precisava complicar o óbvio e o natural. Só precisava aceitá-los como verdade.

                     E o melhor de tudo é que nós mesmos escolhemos nossos próprios dogmas.