To Die, To Love escrita por Blue Dammerung


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/148771/chapter/1

Não que ele afastasse as pessoas por querer, bem, na verdade queria sim, mas não era como se ele sempre tivesse querido aquilo... Ou melhor, ele sempre, pelo menos desde que se conhecia por gente, quisera aquilo.

Mas não era como se sempre obtivesse sucesso, pelo menos isso era verdade. Porque, não importou quantas vezes ele tentou, alguém sempre era muito idiota para se aproximar dele, ou quem sabe muito masoquista mesmo, porque ele sabia que a única coisa que sabia fazer “torturar” os outros a seu modo.

Seu nome era Mozart, não o grande Mozart compositor, mas alguém cujo a mãe gostava muito de música clássica e lhe deu esse nome. O pai, falecido, também gostava muito de música clássica, tanto que em memória dele a mãe insistiu em levar o jovem filho para a escola de música tão logo ele começou a andar.

E assim o jovem Mozart cresceu, o porte alto, os longos cabelos loiros e tocando piano tão perfeitamente que até apresentações já tinha feito, concertos e, claro, composto tantas músicas que não demorou para que seu nome se espalhasse pelo mundo inteiro como o novo Mozart.

Até que quando fez 16 anos, sua mãe faleceu e ele foi morar sozinho, estudando e ganhando dinheiro para pagar as despesas apenas com sua música. E, sinceramente, ele não sentia falta de nada. Não que sua mãe não tivesse sido boa para ele, mas ela nunca esteve muito presente, o que dificultava sentir uma enorme falta dela em sua morte.

Além de que Mozart já estava praticamente feito na vida. Seu talento era enorme, ganhava dinheiro fazendo o que gostava e sem precisar obedecer a ninguém. As pessoas viajavam milhares de quilômetros apenas para assistir a um dos seus concertos.

Ele não poderia ter uma vida mais perfeita do que aquela.

E quem sabe, diante de tanta perfeição, tudo tivesse assumido um tom tão pesado como macabro. Nenhuma música mais soava em sua mente, nada de novas ideias, coisas cinzas, pesadas, morte.

Não sabia dizer o porquê, ele apenas sentiu vontade, uma vontade tão forte que não pode negar. Poderia ser a pressão, poderia ser a solidão, poderia ser muitas coisas, mas naquela noite quando ele chegou em casa vindo da faculdade de música, jogou as coisas no sofá, pegou um banco alto e subiu no mesmo, amarrando sua própria gravata ao seu pescoço e então a base do ventilador desligado.

Ele até pensou em desistir, não mentiria. Suas células todas lutavam para sobreviver, seu cérebro tentava lhe impedir usando todas as formas possíveis, mas ele estava determinado, e antes que se passassem dois segundos, ele pulou do banco.

Muitos iriam se questionar o porquê, principalmente quando ele tinha tudo. Mas a verdade era que ao mesmo tempo que ele tinha tudo, não tinha nada. Era arrogante, como já falei antes, não tinha amigos, não tinha ninguém que o ligasse nos finais de semana, nenhum parente, ninguém para lhe esperar em casa.

Então era como se fosse apenas uma existência morta, quis morrer. Afinal, quem iria sentir sua falta? Ninguém, e se ninguém iria sentir sua falta, para quê ficar? Não havia sentido. Pelo menos morto não precisaria ter que fitar a janela sozinho nos dias de chuva, e nem esperar por ligações que nunca viriam.

Mas se ao menos ele tivesse morrido, se ao menos um de seus vizinhos não tivesse passado em frente a sua casa e olhado pela sua janela, avistando toda a sala, bem na hora que ele pulou do banco, talvez ele tivesse morrido com sucesso.

Polícia, ambulância, repórteres, mídia, fofocas, era o fim de sua brilhante e rápida carreira. Foi mandado a uma espécie de clínica porque precisava ficar sob observação e não tinha parentes para ficarem de olho nele.

E é neste momento que chegamos então ao presente. O jovem Mozart, 19 anos, os longos cabelos loiros ondulados, tão longos que quase chegavam até sua cintura. Os olhos apagados, como quem já não espera por nada senão a morte, o fim do sofrimento. As roupas brancas cobrindo grande parte de sua pele alva, e nada mais do que raiva no coração.

Raiva de muitas coisas. Raiva dele mesmo.

E o pior que ser alvo de milhares de fofocas, piadas de mal gosto, de cansativas conversas com psiquiatras não eram o bastante para acabar com qualquer traço da sua vida perfeita. Quando ele tentou se enfocar, o choque em seu pescoço acabou por deixá-lo paraplégico e, enfim, fora reduzido a nada.

Apenas um ser humano que mais se assemelhava a uma planta, amargurado, preferendo muito mais ter morrido do que ter sobrevivido, não recebendo nada mais do palavras sem emoções das enfermeiras e enfermeiros, gente que o olhava de cima, gente também amargurada.

E naquele dia faria aniversário, 19 anos, como eu dissera. Convidados? Nenhum. A data só não se igualava as outras porque ao invés de sopa no almoço, ele ganhou um pequeno pedaço de bolo, aqueles bolos que vendem nas padarias.

Preferiu no comer, indo direto para o jardim, ficar sob as árvores enquanto o vento mexia com seus cabelos. Aquilo, de certa forma, diminuía sua dor e sua raiva, mas apenas diminuía e não extinguia.

Se lembrou de que alguns médicos lhe disseram que sua paraplegia não era definitiva. Que, se ele quisesse, entre um período de dez e vinte anos, com acompanhamento, fisioterapia e medicamentos, ele poderia voltar a andar.

Mas também não quis. Para quê andar? Tudo iria ser tão igual como antes. Ele estava ficando pobre, todo o tratamento estava engolindo seu dinheiro. Sua faculdade estava incompleta e em breve, em quem sabe um ano, seria transferido para uma clínica pública porque não poderia mais pagar, e se uma particular era daquele jeito, imagine uma pública.

Mas era Outono então, e era de tarde, por volta das 15 horas. As árvores pareciam compartilhar aquela sua sensação de morte, as folhas alaranjadas caindo. No jardim também havia outras pessoas, a maioria idosos. Os drogados, quero dizer, aqueles dependentes químicos ficavam sempre em seus quartos. Aqueles que tinham suas manias e fobias ficavam em salas especiais, e os visitantes, geralmente adultos, eram as poucas exceções.

Todo aquele lugar era como se fosse um pré-cemitério. Grande parte das pessoas que estavam ali iriam ou queriam morrer, ou então queriam fazer qualquer coisa que provavelmente iria lhes levar a morte. Quem sabe isso acabasse por afetar seu estado e... Ah, poderia dar uma música, quem sabe.

Não, não, nada de música. Há muito tempo ele não ouvia sequer uma nota, embora às vezes se pegasse murmurando uma melodia qualquer, como se relembrasse os tempos em que se considerara feliz, antes de tudo aquilo cair sobre suas costas.

Suspirou, prevendo que todos os dias durante vários anos seriam assim, parados, cansativos, chatos, torturantes. Letárgicos.

“É preciso que qualquer coisa abata esta letargia...”

É preciso que qualquer coisa abata esta letargia, sim, sim, como tinha lido uma vez num livro que há muito tempo esquecera o título. Mas o livro era bom, tanto que de vez em quando essas frases surgiam em sua cabeça e ele tinha certeza serem do mesmo livro... Ou, voltando ao assunto da letargia, não, seria melhor que nada viesse a alterar sua parada vida.

Apenas respirar, inspirar e expirar, inspirar e expirar até os fim dos seus dias. Nada mais, nada menos, apenas isso.

E poderia ter sido assim. Poderia realmente ter continuado naquela mórbida nostalgia, fitando as folhas caindo aos seus pés, sentindo o vento mexer com seus cabelos, não esperando nada nem ninguém, mas então... Então seus olhos azuis viram, assim, de relance no começo para então tomar uma forma enquanto cada vez mais se aproximava.

E a cada passo, a cada centímetro vencido, ele, Mozart, ficava cada vez mais assustado. A figura que se aproximava era um rapaz, quem sabe da mesma idade dele ou um pouco mais jovem, e sorria. E isso assustava o ex-compositor e músico porque sorrisos ali eram infinitamente raros.

E isso o deixou desconfortável, o desagradou imensamente, o deixou de mau humor, tanto que rapidamente uma carranca surgiu em seu rosto, como se aquela cara feia pudesse lhe proteger de qualquer coisa que aquele rapaz pudesse lhe trazer, qualquer oportunidade que tivesse começado a se desenvolver. Matar, impedir antes que crie raízes.

-Oi, eu vim visitar meu avô e estou perdido... Você sabe aonde fica a ala dos idosos por aqui?-O rapaz perguntou, um sorriso tímido no rosto, uma das mãos nos cabelos e a outra nos bolsos, os olhos também azuis pedindo desculpas por qualquer intrometimento.

Mozart o fitou de cima a baixo, estreitando os olhos. Precisava mandá-lo embora e já.

-Eu tenho cara de quem trabalha aqui?-Perguntou, a voz ácida.

-Ah, não, quero dizer... Desculpe. É que eu achei que...-O rapaz tentou se explicar, desajeitado. Na verdade, Mozart sabia aonde ficavam todas as alas daquela clínica, ele apenas não queria dizer, apenas queria que aquele rapaz fosse embora logo de uma vez.

-Achou errado. Vá embora, não quero perder meu tempo com alguém tão medíocre quanto você.-Disse, abusando do orgulho que sempre teve, como se resgatasse toda a arrogância dos tempos em que era “famoso”.

O rapaz se virou, andou alguns passos para longe daquele rapaz loiro antipático mas então parou, apertou as mãos em punho e voltou a se virar, marchando até o ex-pianista e tendo no rosto uma expressão diferente.

-Ei, qual o seu problema?!-Exclamou o rapaz.-Eu só quero saber aonde é a ala! Eu nem te conheço!

-Meu problema é que você está me incomodando, e enquanto a conhecer, devemos permanecer desconhecidos.

-Você...! Seu...! Ah, não, espera, você é aquele cara!-O rapaz exclamou, trocando o semblante de raiva por um mais surpreso.-O pianista... Mozart, não é? Aquele que tentou se matar...

-E você é só mais um imbecil, mas, vejamos, eu já te mandei ir embora? E se eu mandar você sumir da minha vista, tem algum efeito?

O rapaz mudou de expressão novamente, cruzando os braços e estreitando os olhos como se ponderasse o que dizer agora, mas tudo que ele apenas disse, antes de dar as costas e sair, foi:

-Ah, deixa para lá então... Já estou vendo que tipo de gente vou ter que aturar por aqui.

E tão logo ele já deixava o jardim, Mozart se sentia mais seguro em sua fortaleza, em seu mundo, em sua morbidez sem fim, embora a fala do rapaz tenha saído um tanto suspeita. Aturar gente? Mas ele não tinha vindo apenas visitar o avô? Ou será que...

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

No dia seguinte, depois de tomar café, Mozart foi levado ao mesmo lugar por um dos enfermeiros das clínica, deixado então debaixo da mesma árvore, como fazia todos os dias. Gostava principalmente daquela hora da manhã dentre todas as outras horas do dia. Era frio, mas não tanto, além de ser calmo e de ventar mais.

Fechou os olhos de leve para tentar ouvir o vento, procurando alguma melodia escondida, mas parou. Não, nunca mais nenhum tipo de música entraria em sua vida. Música não mais lhe trazia boas memórias, era apenas outro tipo de tortura.

Abriu os olhos então, já avistando os idosos que perambulavam por ali para então sempre pararem no mesmo banco ou na mesma cadeira de sempre, abandonados pelos parentes naquela espécie de asilo ou sem ter nenhum lugar para ir mesmo.

Bem, não que aquilo lhe provocasse qualquer sentimento de pena ou algo relacionado, longe disso. Era vergonhoso ao longo da vida se tornar tão dependente, e teria passado mais tempo pensando na vida e no que vem depois dela se, ao longe, ele não tivesse visto uma cabeça nem calva nem com cabelos brancos e nem pintados (como os dependentes químicos faziam). Eram cabelos escuros e, céus, do mesmo dono do dia anterior. E ele estava indo na sua direção. E vestia uma roupa de enfermeiro e... Merda.

-Não me diga que você está fazendo estágio aqui, por favor, me diga que é mentira.-Disse Mozart quando o rapaz se aproximou com uns remédios e um copinho com água.

-Estou mesmo estagiando aqui... E eu terei que ser o seu enfermeiro particular, aliás, aqui estão seus remédios... Ei!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Parabéns! Se você chegou até aqui, eu presumo que tenha lido o chap inteiro! Se você gostou, pode mandar uma review, e se não gostou, também pode mandar uma review! É de graça e não dói nada, olha que coisa boa!

Esta fanfic é uma shortfic, então terá 3 chaps ~~

Kisses!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "To Die, To Love" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.