Meu nome é Hatsune Miku, 16 anos, e essas são minhas ultimas memórias deixadas para o mundo. Desculpe caro leitor se a minha letra está incompreensível e borrada e se o papel está sujo de sangue e de lágrimas. Aposto que sabe como é escrever uma carta às pressas. Nessa carta eu vou narrar sobre como me deparei com esta situação desesperadora e como começou a história de minha morte, já tão próxima na flor de minha juventude.

 Estava indo buscar água pra minha amada e querida mãe quando, enquanto olhava a água pura e cristalina do poço, eu escutei duas belas vozes, tão hipnotizantes e doces que larguei o balde em cima do poço e fui andando completamente envolvida pela música, completamente atraída pela melodia. Não tinha letra, eram apenas duas belas vozes perfeitamente harmonizadas uma com a outra.

  Estava já dentro do bosque negro,onde sempre me alertaram que viviam espíritos maus e demoníacos, mas ignorei, devia ser só pra me assustar não é?

 Apenas fui me aprofundado no bosque cada vez mais enevoado, cada vez mais, estava perdida, mas a música só me fazia querer continuar. De repente a música cessou bruscamente e eu vi um garoto ao meu lado esquerdo, loiro de olhos azuis claros, muito bonito, trajava as roupas da época e tinha orelhas e rabos de gato preto. Eu nem achei estranho no momento.

 Ele segurou minha mão e a beijou, estava hipnotizada pela sua beleza, mas não pude deixar de reparar em como seus lábios eram frios, desumanamente frios, então ele me disse “anda, anda, queres vir mais adentro no coração da floresta?” e sorriu como quem já soubesse que eu aceitaria, reconheci uma das vozes que cantava,estava bastante relutante em segui-lo, por um segundo me lembrei que seria melhor ir embora logo.

 Então apareceu uma garota ao meu lado direito, tão bela quanto o outro, com as mesmas características físicas e vestimentas(mas estas eram femininas), inclusive as orelhas e o rabo de gato, ela também se inclinou e segurou minha mão beijando-a, seus lábios eram extremamente quentes, então falou “depressa, depressa, venha o mais rápido que as tuas pernas podem correr no escuro!” parece estranho, mais seu rosto também me hipnotizava, era a outra voz que ouvi,ela tinha razão.Estava escuro e eu podia ver a lua cheia acima das altas árvores do bosque negro. Ambos os jovens se posicionaram à minha frente, e com um sorriso felino disseram em sintonia “anda, anda, vai começar uma divertida brincadeira!”, quando disseram isso eu me senti como se já os conhecesse, e pensei seriamente em sair correndo, mas estava escuro e eu me lembrei de que estava perdida assenti com a cabeça sem pensar muito a respeito.

Quando olhei para frente novamente ambos se encontravam em frente a um grande portão de madeira negra e com uma corrente dourada prendendo. Como eu não havia percebido esse lugar antes?  Cada um deles abriu um lado do portão e abriram sorrisos largos e estranhamente assustadores, lutei contra o mau pressentimento e entrei na mansão.

 Senti o portão se fechar violentamente atrás de mim. Mal sabia eu que a partir daquele momento o meu destino estava selado. Eles seguraram minhas mãos e me encaminharam para um grande sofá roxo estilo vitoriano e me sentaram nele. De repente a casa inteira se iluminou, sem dúvida era um lugar muito bonito se não fossem os móveis escuros e as velas espalhadas por todo o ambiente. De súbito apareceram xícaras de porcelana girando ao meu redor. Então o garoto pegou uma delas e me deu, tinha um xarope muito doce dentro que eu bebi de imediato, ele me entregou um pau de canela e falou-me “este pau de canela é uma varinha mágica!”, então encostou o dedo no meu nariz e sorriu encantadoramente, me senti corar, então a garota me disse “basta girá-lo uma vez e a xícara se enche novamente!”, ela tirou delicadamente a varinha de minhas mãos e a girou, como num exemplo, fazendo a xícara se encher de melado, um pouco respingou no meu rosto e ela tirou e lambeu. O que foi um comportamento estranho para uma pessoa normal, mas claro, isso eles não são.

 “Dentro de sonhos tão doces! Esqueces que já enfrentou a tristeza!” sussurrou a garota ao pé do meu ouvido, me senti como se não houvesse nada de errado, como se não estivesse assustada, como se não quisesse voltar pra casa, ver minha mãe, como se ela não estivesse preocupada, como se não houvesse nada além de mim e os meus anfitriões.  

“Protegida pelo toldo adormece profundamente!”, senti meus olhos pesarem imediatamente, simplesmente não podia me agüentar de sono, se olharam cúmplices e então me guiaram até uma grande cama macia com panos de seda e travesseiros perigosamente confortáveis, tinham chocolates, doces e bichinhos de pelúcia por toda a cama, ambos os jovens me fitavam com aqueles brilhantes e hipnotizantes olhos azuis, fechei os olhos, segundo erro desde que aceitei entrar naquele lugar.

 “Mas os sonhos são apenas bons se estiverem cercados por alucinações!”, ouvi a voz de a garota cantarolar, estava em minha forma infantil novamente, ela me vendou os olhos e disse “Se tirar essa venda que cobre os olhos o sonho deixa de ser tão agradável”, quando ela o fez tudo pareceu tão mais convidativo, mais bonito, queria permanecer ali para todo o sempre, meu terceiro erro foi deixar que ela me vendasse.

 Ela me empurrou levemente e senti a mão do garoto segurar as minhas enquanto ele me dizia com a voz aveludada “Cuidado por onde andas! Vamos! Deixa que eu te guio pelas mãos!”, eu deixei , e acho que foi meu quarto erro, me senti como se estivesse andando em abóboras flutuantes ou coisa assim, de repente Lembrei de como meus familiares deviam estar preocupados por eu ter levado tanto tempo para buscar água, como minha mãe deveria estar desesperada.

 “Se entregue a nós de corpo e alma! Vamos!” Ela abriu um pouco a venda e me deixou vê-los (talvez para me hipnotizarem ainda mais ou coisa assim) estavam com os rostos colados, e olharam pra mim em uma súplica, novamente me pareciam muito familiares, não gostava desse sentimento, mas assenti também, e vou parar de contar meu número de erros porque foram muitos a partir desse. Ela fechou a venda novamente e recomendou que eu não abrisse pro conta própria, assenti também.

  Começou a tocar uma música triste ao fundo, suas vozes ecoavam no salão e eles me guiavam em uma dança, ora o garoto, ora a garota, podia saber qual era qual porque o toque do garoto era gélido enquanto o da garota era quente, essa música também não tinha letra, mas me fazia sentir como se tivesse de lembrar de algo, queria desesperadamente saber do que eu precisava lembrar.

 De súbito a música parou e o garoto me disse para sentar na cadeira para o descanso, escutava suas risadas ao fundo e o calor de uma lareira.

 A dúvida e a desconfiança se revelaram como uma fala de dois gumes, e eu não resisti em querer espiar por trás da venda.  Pela cena que se seguiu eu soube que um amor impecável não existe, não há sentimento mais perfeito nessa vida.  Através de um buraco por entre as ataduras da venda vi o que não imaginava ver.

 O que meu assustou não fora os sorrisos sádicos ou os olhares que agora mostravam malícia, mas sim as sombras, vislumbradas pela luz do fogo da lareira. Como eu não percebi isso antes? São as sombras pequenas, como miniaturas, sãos as sombras de meus bonecos. Aos cinco anos eu tinha um casal de bonecas que havia encontrado no chão perto do bosque, dois loirinhos gêmeos de olhos azuis, Rin e Len! Os nomes escritos em suas roupas claras.

  Eram minhas maiores alegrias! Foram tão lindas as tardes brincando com eles, pareciam até ter sentimento! Mas, então eu pedi à minha mãe “Me dás isso? Por favor?” e então me foi entregue uma linda boneca de cabelos róseos e olhos azuis que vi numa prateleira, e que chamei de Luka, nem me dei mais ao trabalho de me lembrar que tinha outras bonecas, nem mesmo percebi quando Rin e Len sumiram do meu baú de brinquedos. Coisas de crianças né?

  Podem bonecas serem almadiçoadas? Terem ressentimento? Eu não dei devida atenção a eles e isso aconteceu? A negligência de amor não pode existir. Não se deve privar ninguém de amor.

 “Ora, ora, criança malvada já acordou?” Disse Len, que me percebeu e abriu seu sorriso angelical e mostrou seus olhos brilhantes. Voltando ao seu teatro. O horror podia ser visto em meu olhar.

 “Se não quer se vendada será que prefere a cegueira?” Falou docemente Rin com a mesma face de seu irmão, tapando-me os olhos com as mãos.

“Anda e faz um sorriso! Deixa-me ver essa face bonita!” Ela falou forçando-me um sorriso com as mãos e me olhando suplicante.

 De repente seus olhos se tornaram laranjas, de uma laranja forte que até doía, seus rostos ficavam cada vez mais próximos do meu.

  Me senti aterrorizada, não pude nem ao menos correr ou gritar. Len se aproximou do meu rosto tão próximo que poderia até me beijar e então disse “Por que está á tremer como um rato assustado?” Pude ver em minha mente alguns flashes de momentos meus quando criança, brincando com meu par de bonecas. “Está tudo bem? Queres que eu te traga um copo de leite quente?” Falou preocupado, me senti tão culpada! Eles pareciam mesmo que ainda me amavam depois de tudo que fiz. Vi um flash meu trocando eles por Luka. Fechei os olhos e depois me senti abraçado pro trás, era Rin.

 Ela me falou “Vamos! Anda! Venha conosco! Saia dos sentimentos tristes! Que é bem quente aqui...Fique conosco...Pra sempre!”  Vi um flash de minha memória, duas bonecas de pano, eles, como lágrimas descendo aos olhos de botão.  “Isso que tens no seu peito deve ser o suficiente!” Disse ela puxando o laço de fita que tinha no meu bolso do peito, bem no coração.

 “Dá-me, dá-me! Me dá isso agora! Não o tire mais de mim! Vamos! Me dê isso agora!” Disseram em conjunto estendendo as mãos pra mim. Eu entendi, eles mereciam. Era deles e eu privei o meu amor de ambos!

 Seus olhos me eram suplicantes como se cada minuto sem ele era como tortura para ambos. Mas eu ainda não queria.

 “Não perguntes por que! Quando nem onde! Apenas nos dê sem perguntar como! Precisamos dele!” Disseram em coro estreitando os olhos e ainda me estendendo as mãos.

 Entrelaçaram suas mãos e continuaram me estendendo as outras duas enquanto diziam ainda em harmonia “Nossa hospitalidade tinha sim segundas intenções! Mas agora o tempo está acabando! Direito à escolha é capricho que não há!” senti minha cabeça girar e então me disseram de novo suplicantes “Dá-me agora! Hey, me dá isso! Agora me dê!” Minha cabeça estava confusa, doía , de repente assenti sem pensar em mais nada. Isso faria a dor cessar, a minha, a deles. É melhor assim não é?

Uma mão veio por trás de mim, não pude dizer se era de Rin ou Len, mas ela puxou-me o coração pra fora do meu corpo com uma velocidade e força incrível.

 Quando dei por mim novamente eu estava no bosque negro e envolta pela névoa, um buraco no meu peito, sangue escorrendo pela minha boca e meus dois bonecos agarrados a mim desesperadamente e fortemente, ainda em sua forma humana, com olhos cheios de lágrimas, mas inanimados como bonecos. Então eu comecei a escrever essa última carta, esse ultimo alerta escrito rapidamente, enquanto eu não sei quanto tempo ainda me resta, espero ter ensinado essa lição pra você...Sabe qual é ela? Ela é...