Um Casal de Dois escrita por Liz03


Capítulo 11
Porque às vezes as coisas ruins ameaçam as boas




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A manhã abriu os olhos e  se espreguiçou. Como estava faminta! Agora sim ela estava oficialmente comendo por dois, Dona Pérola lavou os pratos e ela enxugou. Foram se aprontar para a consulta, chegaram cedo, melhor esperar do que se atrasar, já estava ali de graça . Uma garota esperava sentada do outro lado, muitas mulheres viam com seus maridos, a menina estava sozinha. Não tinha mais que 18 anos de jeito nenhum, cabelo loiro e brilhante, parecia uma versão da boneca Barbie que vem com um acessório especial: a barriga de gestante. A jovem, de pernas cruzadas, balançava o pé freneticamente. Cecília desviou o olhar para a revista de decoração que lia, ou passava as folhas para fazer o tempo andar. Passados alguns (muitos) minutos (que somaram horas), seu nome foi chamado e Dona Pérola a acompanhou. A médica era uma jovem senhora com cabelos prateados, jaleco branco e um sorriso que refletia experiência e educação. Fez sinal para que sentassem.

A drª Renné fez perguntas como: Quantas semanas de gestação, se sentia algum tipo de dor, qual era a rotina dela, a alimentação, etc. Hora de fazer um ultra-som, podia sair do consultório e seguir até o fim do corredor, depois voltasse que ela analisaria. Assim o fez. A ultrassonografista era uma mulher morena e alta, muito simpática. Cecília acomodou-se, levantou a blusa, a drª Hélen passou um gel frio pela barriga da gestante. Passou o instrumento pela barriga, o monitor mostrou traços cinzas em meio a imensidão preta. A médica apontou um contorno cinza que se formava na tela, sim ela já tinha visto aquela imagem mais de uma vez, não, não poderia deixar de se emocionar de novo e de novo. Via-se a cabeça, o corpinho curvado, e perninhas da pessoa que ela mais amava no universo e nem tinha nascido ainda.

- Agora ouça isso – drª Hélen apertou um botão no monitor.

Som. Um som acelerado e perfeitamente ritmado. Era o coração dele, a melodia mais bonita que alguém poderia ouvir. Sorriu. Algumas lágrimas, fugitivas de seus olhos, percorreram seu rosto apostando corrida. Enxugou-as com a palma da mão. De repente tudo estava na mais perfeita harmonia, tudo parecia certo, suas decisões e atitudes. Olhou para o lado, dona Pérola fungava com a mão na boca e quando percebeu que Cecília a olhava disse com a voz embargada: “Na-não é lindo?” . Sim, era. A coisa mais linda. Voltaram para mostrar o exame para a obstetra, ela analisou e disse que estava tudo bem. Voltaram para casa, Cecília queria ir de ônibus, mas a dona da pensão insistiu que elas fossem de táxi. Deixasse para ir de ônibus nos outros dias.Percorreu o corrimão com os dedos, subiu os degraus com uma alegria incontrolável. Quando foi mesmo a última vez que se sentira assim?

A resposta era clara. Nunca.  Ressalvando aquela vez que seu pai lhe dera uma boneca de pano de presente de aniversário de 8 anos, a primeira e única. Sua confidente e amiga  durante tanto tempo. Quando o pai estendera o embrulho e ela viu os olhinhos de miçanga preta, seu coração foi inundado por um sentimento tão bom e tão forte que chegava a ser indestrutível. Era mais ou menos assim que se sentia agora, a diferença era que com 8 anos Cecília não bebera quase nada da amargura da vida, muito diferente da mulher de hoje.

Acariciou a barriga incontáveis vezes. “Que chegava a ser indestrutível”. É verdade, mas também era que essa sensação de fortaleza às vezes parecia distante, uma aflição queria aparecer e dizer que aquele equilíbrio era frágil. Uma grande bolha que com um toque poderia....Não. Melhor não pensar nisso. Melhor manter a sensação de plenitude.

As roupas ficaram na bancada de mármore da pia. As gotas de água percorreram agilmente seu corpo. Essa noite pôde finalmente aconchegar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. Segunda-feira acordou cedo e pegou o ônibus até o trabalho.  Sua primeira tarefa era limpar a recepção. Outras pessoas trabalhavam na faxina. Havia uma bem simpática chamada Roberta, que lhe ajudou com alguns detalhes.

Passara os últimos anos sem trabalhar, ele não permitia. Talvez por isso e também pelo peso extra da gestação, chegada a Sexta- feira estava cansadíssima. Eram 19:30 p.m Cecília esfregava com afinco uma mancha no box do banheiro que persistia em ficar ali. Ajoelhada no chão o suor escorria aos poucos pela testa. Parou por um instante para esticar um pouco a coluna, suspirou. Voltou a esfregar a mancha. Batidinhas na porta. Olhou para Roberta que se abaixou um pouco para ver a mancha.

- Deixa que eu tiro essa danada daí – A moça pegou uma das escovinhas e começou a esfregar também

- Ah não, pode deixar, quero dizer obriga, mas eu posso terminar

- É que tem alguém querendo falar com você, Cecília

-Comigo? Quem?

- Disse que é seu parente, falou alguma coisa em primo ou sei lá

- Primo?

- É. Ou sei lá – Roberta sorriu com o canto do rosto e ergueu as sobrancelhas – Ou será que é namorado, ein?

- Não. Isso eu garanto que não é

- Então vai ver e depois me diz, e deixa que isso aqui eu termino em dois tempos

Ela se levantou com a ajuda da mais nova amiga.  Lavou as mãos, passou naquelas máquinas que sopram ar quente. Zuuuuum zummmmm. Primo? Seus primos estavam no interior, por que um deles viria até ela? E mesmo que quisesse como ele a encontraria? Zuuum. Enxugou as mãos ainda úmidas no uniforme. Essas máquinas nunca secam realmente. Andou apressada pelo corredor, esquecera de perguntar a Roberta o essencial: Onde o tal primo (ou sei lá) estava. Mas decidiu que tentaria seguir a lógica. Primeiro, recepção. Ninguém, nem as recepcionistas estavam mais lá. Foi até a sala dos funcionários dois andares a cima. A porta estava apenas encostada. Lá estava. De costas, olhando pela janela que mostrava um céu sem lua, mãos nos bolsos. Cecília apertou o interruptor para ligar a luz. Ao mesmo tempo que dizia um “boa noite” para avisar que estava ali.Ele se virou rapidamente. Levi.

Congelou. Seu corpo tremeu, suas pernas vacilaram de medo, o temor se apoderou do corpo dela. Uma avalanche de pensamentos veio fulminante. Virou-se e correu o mais rápido que pôde, a respiração lhe falhava, precisava encontrar alguém qualquer pessoa, não podia era ficar sozinha com ele. Ouviu passos que vinham atrás dela, cada vez mais próximos. Tentou acelerar a corrida, mas seus pés se chocaram desastrosamente e tudo que conseguiu foi cair com impacto. Uma dor alfinetou sua barriga de dentro para fora, gritou instintivamente. Levi segurou em seu braço. O pânico tomou conta de Cecília, mexeu-se e conseguiu se soltar, tentou levantar. Ledo engano. A alfinetada ficou mais aguda.

“Não me machuque por favor’’ . Lágrimas saíram compulsivamente de seus olhos, não importava para que lado ela olhasse, só via dor e sentia angústia. “Eu não quero atrapalhar você, só me deixe em paz” .

- Eu...- O homem voltou a tocar seu braço

- Não. Toque. Em mim! – Cecília debateu-se gritando

- Eu não vou machucar você – Levi a soltou e ela se afastou ainda sem conseguir se levantar – Me deixe ajudar você... – Ela tentou levantar mais uma vez, gemido de dor, definitivamente não podia ergue-se – O Rui está lá fora, lembra dele? Eu po-posso chamá-lo para ajudar vo-você se, se, se quiser...

Silêncio. Uma torneira mal fechada pingava em algum lugar. As lágrimas no rosto de Cecília brilhavam. Como ela não disse nada ele pegou o celular e discou. “Pode vir até aqui por favor. Segundo andar....Vem rápido , tá?” . Guardou o telefone no bolso do paletó. Ela olhava assustada, como um animal acuado por seu predador. Levi levantou e se afastou para que ela se sentisse mais segura, porém não pôde parar de observá-la. O pânico que pintava o rosto daquela mulher era o reflexo do monstro que ele representava. Um Rui ofegante e nitidamente preocupado não demorou a encontrá-los.


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Notas finais do capítulo

E ai? Vamos comentar ein! Bjous