Memórias de Narcisa Malfoy escrita por Shanda Cavich


Capítulo 7
Capítulo 6 - Falsa Tragédia




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Na verdade, era só um começo. Lúcio voltou para mim, como previ. Minha casa passou a ser uma base de operações criminosas, de modo que minha família estivesse sempre presente em quaisquer que fossem os planos de nosso mestre. Poderia julgar isso como mais uma das tentativas vingativas de Milorde contra meu marido e meu filho. Entretanto, nada disso me incomodava realmente. Confesso que foi difícil ver Lúcio ceder sua varinha. E apesar da humilhação, tivemos que permanecer calados. Na realidade, era Milorde quem se sentia ainda mais humilhado. Afinal, os Comensais começaram a questioná-lo duramente, pois ainda que fossem apenas servos, exigiam de um Lord no mínimo uma vitória.

Por que Voldemort, sendo tão poderoso e experiente, não conseguia vencer de uma vez por todas um mero garoto de dezessete anos? Por que jamais conseguiu matar Alvo Dumbledore, a ponto de mandar que outro garoto de dezessete anos fizesse o serviço?

Na noite em que Potter foi levado até minha casa pelos seqüestradores, já tive a impressão de que algo daria errado. Depois da reação de Bella ao ver a espada de Gryffindor na bolsa da sangue-ruim, já supus que o objeto escondia um assunto muitissimamente mais importante do que aparentava, mas até então não imaginava o quanto. Depois da confusão que meu antigo e ingrato elfo criou, o Lord das Trevas ficou extremamente irritado. Tão irritado, que matou os guardiões responsáveis pelo cofre dos Lestrange na noite em que Potter o invadiu, e ainda deu ordens para que minha família fosse confinada na mansão até que chegasse o momento exato de irmos a Hogwarts.

Ainda mais do que eu, Bellatrix ficou chateada com a atitude tomada por Tom a respeito do confinamento. Talvez por ela ter passado tantos anos em Azkaban, repugnava a idéia de ser aprisionada novamente, onde quer que fosse. Fui até a sala de jantar e a vi chorando em frente à lareira. Não era um choro comum, não havia lágrimas. Mas seu olhar transparecia uma angústia tão expressiva, que era possível ouvir gritos saltando de seus olhos. Logo que me sentei ao seu lado, percebi que segurava uma garrafa de vinho, que por sinal, já estava vazia.

"Sabe, Ciça... " – Bella soluçou, dando uma risada aguda. Jogou a garrafa no fogo e me abraçou com a vontade que sentiu durante anos na prisão. – "Na verdade eu não tenho motivos para estar tão triste... Tudo o que Tom fez foi para nosso bem, entende? Por mais que às vezes ele se exceda, acaba por fazer o que é certo. Ele sempre está certo."

"Eu sei, Bella. Eu sei. Só me admira o fato de você ter esgotado meu vinho francês e ainda por cima rir depois do que aconteceu hoje."

"Tudo isso vai passar, acredite." – Bella soluçou novamente, como se nem me ouvisse. Sua feição demonstrava demência, ou algo pior. Quase caiu da cadeira, ao tentar levantar. – "Na verdade o motivo desta 'prisão' se deve ao fato de Tom estar cuidando para que eu não morra antes dele."

"O que disse?"

"Nada, Ciça. Creio até que já falei demais sobre o que não devia." – respondeu Bella, indo em direção ao corredor. Subitamente, seu tom de voz mudou para suave. – "Posso usar aquele seu anel de esmeraldas? Juro que devolvo."

Chegou o dia em que todos ficaram sabendo sobre a existência das Horcruxes. Pessoas como eu, ardilosas, não ficaram surpresas. Logo, o Lord das Trevas convocou seu exército de bruxos, gigantes, e as criaturas mais horríveis do mundo mágico para irem com ele até Hogwarts, a fim de cessar aquela guerra. E isso só aconteceria, quando Harry Potter estivesse morto. Meu filho, Draco, foi antes de todos nós, levando consigo a minha varinha. E antes que fosse, eu disse a ele para ao menos tentar entregar o garoto a Milorde, mas que se não conseguisse, fosse até a floresta, onde eu estaria o tempo todo esperando por ele.

Ainda que Lúcio e eu não estivéssemos guerreando, ouvíamos da clareira os inúmeros gritos de dor e de perda vindos da escola. Lembro-me até hoje da voz aguerrida de Rodolfo Lestrange vindo nos contar sobre a morte de Severo. E pouco tempo depois, o menino que sobreviveu aproximou-se de todos nós, decidido a morrer para salvar os amigos. "Típico!", sussurrou Lúcio em meus ouvidos, com uma nítida expressão de desdém. Na mesma hora em que Milorde lançou a maldição da morte contra o garoto, pensei em Draco.

"Você, examine-o! Me diga se está morto." – ordenou Voldemort, apontando o dedo para mim.

Eu disse que estava, e fiz com que todos ali presentes dessem um grande sorriso de triunfo. Sabia que eu só poderia entrar no castelo quando a guerra finalmente chegasse ao fim. E ao que se percebia, havia chegado. Como eu precisava procurar por meu filho, tive de ser rápida. Não me preocupei se a verdade viesse à tona, pois tive a certeza de que não suspeitariam de minha traição quando finalmente notassem que Potter estava vivo. Milorde já falhara outras vezes ao tentar matá-lo, portanto, não seria novidade alguma. Uma prova disto foi quando a guerra recomeçou, depois da suposta ressurreição do menino. O primeiro a ser nomeado culpado de alguma coisa foi Snape. Claro, já estava morto. É realmente muito fácil jogar a culpa em quem já morreu. Foi o que eu fiz naquele dia, e é o que eu faço até hoje.

Enquanto Lúcio e eu corríamos desesperados à procura de Draco, passando pelo pátio, notamos Bellatrix duelando com a traidora do sangue mais imunda da Grã-Bretanha, Molly Weasley.  Draco aproximou-se de nós no mesmo instante. Então segurei sua mão, para me certificar de que ele estaria comigo, em qualquer que fosse a nossa sentença depois de tudo aquilo acabar. Um jato de luz vermelha a minha frente me fez sentir um tremor. Bella, minha tão amada e querida irmã que antes estava rindo e saltando sobre os tantos que assassinara naquela noite, acabou despencando sobre o chão de pedras em função do feitiço estuporante de Molly. Voldemort deu um grito.

Eu também tive vontade de gritar. Mas ao invés disso fiquei paralisada, aliviada, como se aquilo que eu via fosse um sinal de que tudo iria ficar bem. Draco estava furioso, ao mesmo tempo em que sofria ao ver sua tia ser derrotada daquele jeito por uma Weasley. Lúcio abraçou-me com força, de modo que toda a sua energia se fixasse a mim, como uma chama se prende a uma vela. Não demorou muito até que chegasse a vez de Tom cair. Quando foi impelido para trás, ainda mais pálido e mais seco do que antes, os gritos de vitória soaram tão altos que chegaram a machucar. Não só aos ouvidos, mas também ao sentimento de orgulho que cismávamos em manter.

"Sempre quis saber como é estar perto da morte." – eu disse, reparando como os olhos semi-abertos de Bella ainda brilhavam.

"Que loucura é esta que está dizendo, mãe?"

"A morte tem sua hora, Draco. Poucas pessoas se aproximam dela e sobrevivem. Bem poucas."

Por um momento, pensei que estivesse sonhando. Minha família e eu, de mãos dadas, andando entre os sobreviventes do lado inimigo, no grande salão de Hogwarts. Ninguém nos olhava, nem mesmo repudiava. Estavam todos tão felizes com a morte de nosso mestre, que só mesmo os aurores se importavam com seus seguidores. Aos poucos os Comensais eram abatidos, principalmente os que davam continuidade aos ataques. Entretanto, os Malfoys, ficaram invisíveis de qualquer condenação.

"Eles abandonaram a guerra! Não os vi matando e nem prejudicando ninguém." – concluiu o professor Horácio Slughorn, diante de Minerva.      A futura diretora de Hogwarts nos lançou um olhar de plena desconfiança. A lágrima que eu havia segurado minutos atrás se deixou cair bem naquele momento, para que todos pudessem notá-la. – "Posso estar errado. Mas penso que essa família se arrepende de tudo o que fez."

Que noite foi aquela! Uma noite em que várias verdades se transformaram em mentiras. A felicidade foi falsa, a tristeza também. A guerra não havia acabado. Ela nunca acaba. Nada era o que parecia ser. Porém, bastava acreditar. Papai sempre me disse que enquanto se acredita no bem, o mal adquire o poder de torná-lo falso. E eu menti muito para alcançar o bem. Os Malfoys mentiram. Como quando Draco insinuou relutância, e até mesmo medo ao tentar matar Dumbledore até que ganhasse tempo, e fazer com que Snape assumisse a tarefa, sem levantar suspeitas. Ou então como Lúcio e eu mentimos durante anos, com muito sucesso devo dizer, para escaparmos da prisão ou da morte quase certa.

Contudo, é maravilhoso saber que Severo morreu no lugar de meu filho, ou como todos ingenuamente crêem que o Lord das Trevas se foi.  Lúcio, que por estar sem sua varinha, não correu o risco de morrer em batalha. Essa foi a melhor conseqüência que já houve, por deixarmos Voldemort tão irritado. Ainda por cima, mantivemos o que queríamos: a liberdade. Meu filho e meu marido foram inocentados, assim como eu. Uma tragédia dessas, graciosamente irônica, me faz sentir ainda mais viva e mais orgulhosa. Queria tanto que mamãe estivesse comigo para me aplaudir no momento em que falsamente salvei Harry Potter. Depois desse meu feito, o garoto ao menos tentaria esquecer o mal que lhe fizemos.

Não posso dizer que a realidade é perfeita. Está longe disso. Mas estou conformada, e até mesmo feliz com ela. Slughorn estava errado. Os Malfoys jamais se arrependeriam do que fizeram.  Afinal, um Malfoy não deixa de ser o que é por simples caso. O fato é que decidimos honrar o nosso sangue, nem que para isso devêssemos apoiar um homicida. Continuamos odiando sangues-ruins e traidores, isso nunca vai mudar. Não importa que tipo de inferno somos obrigados a suportar, o importante é se lembrar de colocar uma máscara. Lúcio diria que a máscara nada mais é do que um sorriso, ou uma lágrima construída para uma jogada específica.  Eu sabia que as coisas seriam mais difíceis, mas de maneira alguma deixaria minha família sofrer por causa disso.

Cá estou eu em um barco a vela, navegando sob os mares mais lindos e perigosos deste mundo, entre uma sociedade hipócrita e o realismo sombrio da mansão em Whiltshire. Ao lado dos dois homens mais importantes da minha vida, com espectativas de um dia rever minha única irmã, eu passo a sorrir todos os dias. Pois acredito que ela voltará para casa em breve, e de queixo erguido. Seu corpo desapareceu do pátio no fim da guerra, logo existe um sinal de que pode ter escapado da morte, como seu mestre muito bem lhe ensinou. Posso estar sendo tola, mas tenho esperanças de que ela ainda virá devolver o valioso anel de esmeraldas que herdei de nossa mãe. Ela jurou que iria devolver.

Há mais de trinta anos atrás, jovens irmãs estavam sentadas no que é chamado de círculo. Mas como elas eram só três, formou-se um triângulo. Duas juntas de um lado. Uma sozinha do outro.

"Ontem vocês duas me assustaram! – a irmã do meio encarou a mais velha, desta vez com uma pitada medo. – "Vou contar pra mamãe sobre o que você anda ensinando à Ciça!"

"Fingir de morto é só uma brincadeira, Andie. É você quem enxerga maldade onde não existe."

A mais velha rira.

Então a mais nova aprendeu a mentir.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?Tentei fazer um final que desse uma conclusão a mente fria, e ao mesmo tempo emocional de Narcisa. =DEu poderia pedir humildemente para que recomendassem? Se tiverem gostado, é claro.Beijos ;**