Hora do Chá escrita por Nightnyu


Capítulo 1
Hora do Chá




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A loucura se misturava ao cheiro forte das folhas escuras
Elas rolavam entre os dedos ora calmos, ora trêmulos, em espasmos.
A chaleira sorridente esquentava a água em seu interior, que já demonstrava sinais de irritação.
Os olhos autistas viajavam entre o silêncio, aguardando o sinal da realidade.
O relógio tocou sem emitir som algum.
Era a hora.

Encarou em orbes arregaladas os ponteiros do relógio de bolso, como uma caixa de Pandora.
Em um movimento instintivo, a mão movimentou-se até o vapor, soltando as folhas no interior da chaleira.

Quantas vezes já fizera aquilo?
Por um momento, questionou-se se realmente havia água na chaleira.
Talvez não tivessem nem folhas em suas mãos
Ou um relógio dourado sobre seu colo.

"Sinto que já está pronto!''
Mumurou entre os questionamentos, quando o tempo antipático o alertou.
O líquido esverdeado agitou os cubos de açúcar dentro da porcelana, retirando-os da inércia.
Talvez houvesse muito cubo para pouco chá
Ou muito chá para pouco cubo?
Tanto faz, ele se sentia um cubo e um chá.

"Doce, por favor."
Pediu polidamente para si mesmo.
Girou a colher assim como os olhos pelo tempo que o relógio parado não acompanhou.
Um sorriso amarelo nos lábios secos dizia tudo para o nada.
Mas ainda assim, a borda da xícara beijou-os com ternura.
O líquido duvidoso dançou entre a língua e dentes, descendo facilmente pela garganta em alta temperatura.
O estômago vazio acalmou-se, mas o esôfago ardia.
Se o estômago nada disse, talvez não estivesse tão quente assim.

"Esôfagos são sempre exagerados.''
Concluiu, concordando consigo num movimento de cabeça.
Exagerado ou não, logo bebeu todo o chá.
O hálito, aliviado, subiu como uma pequena nuvem.
A xícara escapou dos dedos finos e caiu no chão, quebrando-se.
Tudo bem, ela já havia cumprido sua função.

Ele olhou para o relógio imóvel
Tentando se lembrar sobre o que faria a seguir.
Os olhos azuis femininos e inocentes lhe vieram à mente
Acompanhados por belos cabelos dourados.
O último gole do chá subiu-lhe a garganta com a contração do estômago.
Sabia que ela não voltaria, assim como a xícara quebrada.
Riu para o nada, questionando-se desta vez se aquilo era um sonho.
Um sonho dela.

Preferiu acreditar que não.
Apegou-se na hipótese que o desespero que sentia era causado por sua ausência, não por sua autoria.
O relógio alertou para o nada,
Mas sua mensagem foi compreendida.
Um relâmpago de lembrança rompeu-lhe a mente por baixo do chapéu.
"Como pude esquecer? É hora do chá!''
E a chaleira com água foi posta sobre o fogo mais uma vez.


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