Eternal Flame escrita por bandolinz


Capítulo 35
3x08 - Terremoto




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Uma semana se passou desde que eu e Lefroy nos beijamos e, para meu completo alívio, o que eu mais temia não aconteceu; nossa amizade não foi abalada.

Claro, tivemos uma conversa muito séria antes que as coisas fugissem de controle e estabelecemos que nossa amizade ficaria acima de qualquer eventualidade entre nós. Gabriel sabe dos sentimentos que ainda guardo por Jacob e por isso entendeu quando eu o pedi que não mergulhasse nessa de cabeça.

Ele não sabe, porém, sobre verdadeiras razões que motivaram meu pedido, o porquê de eu evitar um envolvimento sério com ele. Lefroy não pertence ao meu mundo e nunca irá pertencer. Se algum dia ele chegar a desconfiar da realidade sobre minha família, a vida dele imediatamente estará em risco. Por essa razão eu evito ao máximo recebê-lo na mansão Cullen, o mesmo para Catherine. Quanto menos eles souberem da nossa rotina, melhor.

Por outro lado, eu não conseguia evitar a avalanche de sensações que me atingia e borbulhava dentro de mim, me fazendo despertar para emoções que eu julgava esquecidas.

Eu não era capaz de comparar o que Gabriel despertou em mim ao que senti por Jacob. As lembranças daquela época estavam completamente fora do meu alcance e eu já não me esforçava mais para resgatá-las. Tudo o que eu sabia era que esse era o momento mais feliz que eu vivia em anos. Eu estava viva novamente.

A opinião da minha família sobre o assunto estava dividida, contudo nenhum deles interviu, pois eles sabiam tanto quanto eu que isso era algo feito para não durar.

Mais quatro anos, no máximo, e nós iríamos embora de Ketchikan. Ainda que eu e Lefroy quiséssemos estender nosso envolvimento, seria impossível. Logo ele estaria envelhecendo, enquanto eu permaneceria a mesma. Imutável pela eternidade.

Nós não éramos compatíveis, mas de alguma forma isso estava funcionando.

Então por que não aproveitar ao máximo o agora?

Cheguei à casa dos Lefroy para a pintura do quarto de Catherine. Gabriel me recebeu com um abraço e me convidou para entrar. O que me fez lembrar, Lefroy tem sido o mais compreensivo agindo normalmente comigo. O fato de nós não agirmos como um casal me deixava confortável perto dele e, especialmente, perto de Cat.

– Ness, que bom que chegou! – a menina desceu as escadas correndo para me cumprimentar.

Abaixei-me para abraçá-la.

– Perdeu a parte divertida, sentar nos móveis enquanto o Gabe os tirava do quarto. – ela sorriu amplamente, parecendo já estar no ápice da diversão.

Bastou olhar uma vez para o rosto de Catherine e logo entendi porque Gabriel se esforçava para manter essa tradição.

– Vai aproveitando enquanto pode. Mais três anos e você vai estar pesada demais para esse velho carregar. – Lefroy disse.

– Está dizendo que eu vou ficar gorda? – Catherine franziu o cenho.

– Não, apenas crescer, bobinha. – Gabriel passou pela irmã, bagunçando o cabelo dela e indo para o quarto de Cat.

Nós duas o seguimos.

Eu já havia estado na casa dos Lefroy algumas vezes. Em nenhuma delas a doutora Miranda Lefroy estava presente e hoje não seria diferente.

Ao subir as escadas já se podia ver os móveis do quarto de Catherine acomodados pelo caminho. Pilhas de jornais e latas de tinta completavam o cenário.

– Já escolheu as cores? – perguntei.

– Sim! – Cat respondeu.

O entusiasmo emanava de sua voz enquanto ziguezagueava pelo quarto dançando na ponta dos pés.

– Vou querer azul e amarelo. Mas aqui a gente pode fazer algum desenho. – explicou, apontando para uma parede.

– Ótimo! Podemos começar? – Lefroy intimou, soltando dois baldes de tinta no canto do quarto.

– Eu quero pintar com o rolo de tinta maior! – Cat exclamou, correndo para pegar seu objeto de desejo.

Eu continuava parada no meio do quarto, admirando a alegria da garotinha à minha frente, entretida em coletar o que lhe era de interesse na grande caixa que estava na entrada do quarto.

Ouvi Lefroy aproximar-se sutilmente atrás de mim.

– Por que não vai escolher o seu? – Gabriel sussurrou em meu ouvido, os lábios triscando em minha pele, uma mão envolvendo firmemente minha cintura pelo mais breve instante, porém tempo o suficiente para abalar meus sentidos.

Afastei-me dele em um salto, um arrepio ainda correndo pela espinha.

Dei uma checada rápida em Catherine que permanecia distraída na porta do quarto e olhei para Gabriel, ainda alarmada, censurando-o pelo atrevimento.

Ele apenas abaixou a cabeça rindo consigo mesmo e foi ao encontro da irmã.

A manhã passou rápido, como era de costume quando eu estava com eles. A pintura do quarto ainda se encontrava pela metade, contudo isso não passava de um detalhe, comparado à diversão que estávamos tendo.

– Gabriel, pode me dar o balde de tinta azul? – pedi no topo de uma escada quando minha porção de tinta acabou.

– Só um minuto. – ele murmurou concentrado na pintura que fazia na parede oposta à minha.

– Deixa que eu pego! – Catherine se prontificou, largando rapidamente o que fazia para pegar o balde de tinta que era claramente muito pesado para ela.

– Não precisa, espera que eu mesma pego. – me apressei, descendo às escadas ao notar a dificuldade da pequena em caminhar com o peso.

– Está tudo bem... – ela disse orgulhosa para logo em seguida tombar para frente, derramando praticamente toda a tinta em cima de mim.

O quarto ficou em silêncio enquanto Catherine me olhava com seus imensos olhos azuis assustados como eu nunca vira antes. Logo a risada de Gabriel preencheu o cômodo.

– Oh, meu Deus! Desculpa Nessie. Eu vou pegar algo para limpar... – Cat começou.

– Não tem problema. Essa roupa era velha de qualquer modo. – tentei tranquiliza-la.

– Eu sinto muito. – ela repetia em desespero.

– Está tudo bem, Cathy! Não precisa se preocupar. O que é uma pintura sem alguma bagunça? – sorri para ela.

Ela pareceu se acalmar um pouco.

– Vou pegar um pano para enxugar o chão. – concluiu, saindo em disparada do quarto.

Lefroy voltou a gargalhar assim que ela saiu.

– Poderia ter evitado isso se tivesse pegado a tinta quando eu pedi. – murmurei fechando a cara para ele.

– Desculpe se a vossa majestade não pode esperar. – ele se levantou vindo em minha direção com ares de deboche. – Mas o que é uma pintura sem alguma bagunça? – finalizou repetindo minhas palavras.

– Rá, rá. – passei a mão na minha calça coberta de tinta e atirei os respingos na direção dele.

– Hey! – exclamou.

– Agora você já pode dizer que fez parte da bagunça.

– Então é guerra? – os olhos de Gabriel faiscaram e seus lábios se curvaram em um sorriso perigosamente maligno, quando ele pegou um pincel encharcado de tinta amarela e o estendeu na minha direção, pintando meu braço.

Soltei um protesto agudo, misturado a uma risada. Avancei na direção de Lefroy, tentando sujar o rosto dele, mas ele segurou minha mão e tentou revidar. Desviei dele apenas para logo em seguida escorregar na poça de tinta que cobria o chão e, ao me apoiar em Gabriel, acabei derrubando-o comigo.

Nós dois passamos a rir descontroladamente. Aproveitei que as mãos de Gabriel estavam ocupadas, apoiadas no chão para evitar que seu corpo pesasse sobre o meu, para deslizar minhas mãos cobertas de tinta no rosto dele.

Lefroy gemeu enquanto eu me divertia com sua cara pintada.

– Quem está coberto de tinta agora? – assinalei triunfante.

Ele ergueu as sobrancelhas olhando para mim sugestivamente.

Eu estava deitada sobre uma poça de tinta. Era possível sentir a umidade fria sendo absorvida pelas minhas roupas. Além disso, eu estava quase certa de que agora havia tinta por todo o meu cabelo.

– Ok. Você venceu. – suspirei.

Ele sorriu amplamente, os dentes brancos rasgando o mar de azul que agora era seu rosto. Os olhos brilhando vividamente no tom mais celeste que eu já vira e, de algum modo, eu conseguia ver meu reflexo neles.

Aos olhos dele, eu estava feliz.

– Renesmee... – Gabriel sussurrou seu semblante de repente sério e intenso.

– O quê? – murmurei, vendo a dúvida nublar seus olhos translúcidos.

– Eu estou me esforçando tanto para fazer a coisa certa, mas isso está acabando comigo! Eu não quero ir devagar com você. Quero mergulhar nessa de cabeça, quero andar de mãos dadas, quero te conquistar só para mim. Quero poder te beijar todas as vezes que eu tiver vontade, e acredite, são muitas. Eu quero me tornar especial para você.

– Você é especial.

– Não o suficiente. – seus lábios se comprimiram em uma linha reta.

Os olhos dele se fixaram em minha boca, e só então me dei conta de que eu inconscientemente mordia meu lábio inferior.

– Dói em mim sempre que você me pede para ir com calma, porque no fundo eu sei que você está lutando desesperadamente para não se apaixonar outra vez. Isso não é justo, bailarina. Não posso lutar uma batalha perdida. – confessou.

– Não é nada disso. Você quem está mal acostumado a ter qualquer menina caída aos seus pés.

Ele fez uma careta engraçada de quem não tinha a menor ideia do que eu estava falando.

– Vai me dizer que nunca percebeu todo o colégio se desfazendo em suspiros quando você passa? – soltei, duvidando da ingenuidade dele.

– Falou a garota que está coberta de tinta e ainda é a criatura mais perfeita que eu já vi.

Ele riu e foi inevitável não sorrir junto.

– Sério, se você não me parar agora eu vou acabar te beijando. – disse com uma nota do atrevimento que lhe era tão característico.

– Ninguém está te impedindo. – soprei e no instante seguinte nossos lábios estavam conectados.

O cheiro de tinta era tão forte que eu quase sentia o gosto da mesma, mas não me importava. A sensação do corpo dele sobre o meu roubava a atenção de todos os outros sentidos e me fazia deseja-lo mais perto de mim.

Lefroy apertou minha cintura, a mão firme deslizando por dentro da minha blusa com uma curiosidade lenta, deixando uma trilha de tinta fresca pela lateral do meu corpo. Me contorci embaixo dele, um arrepio de prazer percorrendo minha espinha. Gabriel deu um meio sorriso malicioso, gostando da reação que provocara em mim.

Escutei os passos curtos e rápidos de Catherine subindo as escadas, contudo eu ainda não estava pronta para me afastar dele. Meu corpo queria muito mais e se recusava a ouvir a voz da razão.

Girei ficando por cima dele, lhe dando um ultimo beijo antes que Catherine chegasse. Gabriel me encarou positivamente surpreso, até eu passar minhas mãos repletas de tinta pela sua testa, deslizando até o cabelo. Só então ele se deu conta de que agora era ele quem estava deitado na poça de tinta.

– Acho que eu venci. – pisquei para ele, levantando-me logo em seguida.

– Uau! O que aconteceu aqui? – Catherine exclamou, alarmada ao ver nosso estado.

– Pelo menos o chão está limpo. – Gabriel comentou bem humorado, ao se levantar.

– Claro, parece que vocês dois rolaram nele até ficarem mais azuis que um smurf. – a pequena alternava olhares entre eu e Lefroy, incrédula.

– Seu irmão estava se divertindo com a minha situação. Não tive alternativa a não ser fazê-lo pagar. – dei de ombros.

– Ela acabou comigo. – Lefroy completou.

Os grandes olhos azuis de Cat nos analisaram com certa desconfiança por um minuto.

– Espera aí... Vocês dois estavam... – um sorriso sapeca cresceu lentamente em seus lábios finos. – Eu sabia! – ela gritou animada antes que pudéssemos falar qualquer coisa. – Eu sabia que vocês dois estavam namorando!

– Não, nós não estamos... – comecei, mas fui praticamente silenciada pela euforia dela.

– Ainda não... Quero dizer, não estamos necessariamente namorando. – Gabriel explicou me fitando incerto do que dizer.

Catherine começou a dar pulinhos, girando pelo quarto.

– Eu só não abraço vocês dois porque ambos estão muito sujos. Mas isso era tudo o que eu mais queria. Eu estou tão feliz! – ela confessou com o mais genuíno sorriso estampado no rosto.

Gabriel voltou-se para mim, seu semblante era preocupado. Eu mesma me sentia um pouco hesitante. A última coisa que eu queria era decepcionar Cat, ainda assim seria mentira dizer que eu e Lefroy não estávamos juntos. De certa forma nós estávamos.

Encolhi os ombros e quando Gabriel novamente tentou argumentar com Catherine, acenei para que ele deixasse para lá. Para quê desapontá-la desse modo, negando nossa ainda indefinida proximidade?

Catherine me emprestou um vestido da doutora Miranda, o qual eu tentei recusar, contudo não estava em condições de voltar para casa manchada daquele jeito. Tomei um banho rápido, na suíte de Catherine, apenas para tirar o excesso de tinta, me vesti, engolindo todo o constrangimento. Sequei o cabelo e desci para encontrar Cat sentada no sofá e Gabriel, já também banhado, conversando com ela.

– Eu estou tão feliz. – Cat sussurrava.

– Eu sei. Eu também. Dá pra acreditar nisso? Acho que já estou apaixonado por ela. – Gabriel respondeu com uma alegria contida, inconsciente da minha presença.

Fiquei estremecida por aquelas palavras, ainda que não ditas diretamente para mim. Foi um baque e eu recuei, refazendo meus passos de uma forma mais barulhenta dessa vez.

Era fim de tarde e decidimos comer algo na lanchonete perto do porto, onde um senhor simpático sempre nos convidava para passar algum tempo no jardim projetado do qual ele se orgulhava nos fundos do estabelecimento.

Tudo corria como o de costume, entretanto uma sensação estranha passou a me incomodar assim que deixamos a casa dos Lefroy e, no instante em que saí do carro, eu soube – nós estávamos sendo seguidos.

Olhei em volta tentando localizá-lo, mas foi apenas quando o vento soprou que pude identificar a direção de onde vinha o cheiro ligeiramente familiar.

– Vocês podem ir em frente. Eu preciso ver uma coisa antes. – falei rapidamente.

– O que? – Catherine indagou.

– Um filme... Eu quero ver quais os filmes em cartaz no cinema aqui ao lado. – despistei com a primeira coisa que me veio à mente.

– Tudo bem, nós vamos com você – Lefroy se ofereceu.

– Não. É melhor vocês irem entrando. Eu volto logo. – disse firme, com certa urgência.

Gabriel me olhou desconfiado, contudo não insistiu.

– Ok. A gente te espera na mesa de sempre. – ele pegou a irmã pela mão e entrou na lanchonete.

Respirei fundo. A tensão dominando meu corpo a cada passo obstinado que eu dava em direção ao local de onde vinha o cheiro de meu perseguidor, a despeito dos conselhos de Jasper para que eu fizesse exatamente o oposto.

Alguns passos adiante e ele surgiu por trás de uma das colunas do cinema. Vestindo um longo casaco preto, a expressão serena, Joham abriu um sorriso nefasto ao me ver.

– Olá, querida Renesmee. – disse em uma voz aveludada.

Limitei-me a encará-lo a alguns passos de distância. Eu desprezava aquele ser diante de mim. O modo como ele me olha, como ele pronuncia meu nome, me dá calafrios. Tudo o que eu queria era manter distância e, nesse caso, descobrir o que ele fazia em Ketchikan.

– É um prazer finalmente nos reencontrarmos. Devo dizer que crescestes em beleza e graça desde nosso último encontro, cuja situação era tão adversa. – disse com um tom acolhedor. – Vejo que não está surpresa em me ver.

– O que faz aqui? – cortei me sentindo desconfortável com a presença dele.

– Apenas passeando pela cidade. Aproveitei para ver como você estava. – falou casual.

Os óculos escuros mascaravam parcialmente sua expressão e eu não poderia dizer se ele estava sendo sincero.

– Me espionando? – indaguei.

Ele riu levemente, sem humor.

– Óh, eu não teria motivos para fazê-lo, graciosa Renesmee. Você deve estar se referindo à Serena. – ele girou o tronco para trás, gesticulando sutilmente para uma garota parada uma quadra adiante.

Flashes de memória invadiram minha mente. Serena, a semivampira. Filha primogênita de Joham que praticamente criou as outras irmãs. Candy me falara sobre ela, sempre a definindo como a mais implacável e séria entre as irmãs. A mais sedutora também. Nahuel, na única vez em que citou a irmã mais velha, limitou-se a descrevê-la como “versão feminina de Joham”.

Ele a despreza, quase tanto quanto despreza o pai.

Isso já me diz bastante sobre Serena.

– Perdoe a indiscrição de minha filha, creio que ela apenas estava curiosa, após ouvir nossa Cadence falar tão bem a seu respeito. Eu também, claro, tenho apenas as melhores palavras para me referir a você, jovem Cullen. – explicou – Entenda o interesse dela como algo natural.

Observei a mulher parada ao longe. Ela permaneceu indiferente. Alta, longos cabelos com cachos selvagens, semelhantes aos de Candy, porém de um castanho mais claro e cinzento.

A presença de uma semivampira explicava porque Alice não conseguiu ver Joham ou a própria Serena. Com a habilidade de se aproximar sem ser notado, e sem Alice prevendo seus movimentos, Joham poderia ser muito mais perigoso do que eu imaginara.

– Não vai me convidar para lanchar com seus amigos? – questionou inocentemente.

– Não. – respondi rápido.

Imaginar Joham perto de Catherine era simplesmente apavorante.

– Por quê? É uma chance única para eu e você nos conhecermos melhor. – ele pausou e se corrigiu – Para você me conhecer, eu já sei o bastante a seu respeito.

– Não tenho interesse. Obrigada pela oferta. – tentei ser educada e esconder meu desespero para que eles fossem embora, mas a verdade era que eu estava detestando o rumo dessa conversa.

– Deveria. Afinal, você não tem a menor ideia do que eu sou capaz. – disse.

Engoli em seco. A ameaça velada não me passou despercebida ainda assim, agi da forma mais natural possível.

– E quando vão embora? – perguntei.

– Falando desse modo me dá a falsa impressão de que quer se ver livre de minha presença. Assim magoa meus sentimentos, Renesmee. – declarou com um falso penar.

– Não é impressão, eu realmente prefiro que fique longe de mim e da minha família. – assinalei categórica.

Joham tirou os óculos escuros, revelando sua íris de um vinho profundo e logo se aproximou de mim, um olhar petrificante. Um breve tremor correu minha espinha e eu instintivamente dei um passo para trás.

– Você não tem medo de mim, tem? – ele perguntou, parando bem próximo a mim, sua estatura alta o fazendo me olhar de cima.

– Não. – minha voz soou mais convincente do que eu imaginava ser capaz.

– Então não se mova. – ordenou.

Congelei, não pelo pedido dele, mas pelo meu pânico crescente.

– Vejo que você e o transfigurador continuam separados. – ele disse enquanto tirava lentamente uma de suas luvas de couro – Impressionante. Isso me deixa otimista.

– Otimista? – perguntei engolindo o repúdio por ter aquele imortal tão próximo a mim.

– Sim. Dessa forma não haverá derramamento de sangue até eu completar minha missão. – falou com uma voz suave, contudo seu olhar parecia insano.

Ele inclinou na minha direção e tive o reflexo de me afastar, contudo as mãos de Joham imediatamente alcançaram meu rosto e com o seu toque, uma tempestade de imagens invadiu minha mente. Era como receber uma amostra do que o meu próprio dom era capaz.

Que imenso presente para Nahuel seria se eu fosse o responsável pela reunião de vocês dois.

A voz de Joham falou diretamente em minha cabeça.

Únicos em uma espécie rara. Destinados a complementarem um ao outro dando continuidade aos fascinantes semivampiros. Semideuses. Ainda mais impressivos do que um vampiro qualquer, pois possuirão a habilidade de gerar vida, com os encantos e mistérios dos imortais. Eu estaria finalmente perdoado e Nahuel me respeitaria como pai e líder de nosso clã. Meus estudos por fim, avançando de maneira significativa. Podemos dar início a uma espécie que dominaria o mundo.

As imagens vinham bagunçadas, mas a ideia era bem clara. Em todas elas eu e Nahuel figurávamos o quadro da família perfeita, crianças correndo de todos os lados. Pilhas de corpos humanos à medida que elas se alimentavam de seu sangue. Um laboratório. Joham. Eu em uma maca numa sala branca, grávida. Mais sangue.

– Nessie? – reconheci a voz de Catherine chamando atrás de mim.

Afastei-me de Joham completamente atordoada. Perturbada tanto pela sua habilidade quanto pelas ideias distorcidas que ele acabara de me apresentar.

– Renesmee, quem é ele? – Catherine chamou novamente, dessa vez bem próxima.

Virei-me com um primeiro instinto de mandá-la correr para bem longe. Ou eu mesma pegá-la no meu braço e escondê-la dos olhos obcecados de Joham. Mas eu estava encurralada em meu disfarce humano.

– Sou um amigo. Me chamo Joham e você?– o vampiro respondeu os óculos escuros novamente cobrindo seus olhos.

– Catherine Lefroy. – ela respondeu esticando a mão para ele.

Joham a cumprimentou com um sorriso satisfeito no rosto.

Gabriel chegou logo em seguida.

– Renesmee, o que está havendo? – ele questionou, olhando para Joham com desconfiança.

– Nada, apenas um velho conhecido da minha família que me encontrou por acaso e parou para dizer oi. Ele já está de saída, não é? – forcei.

– Claro. – Joham concordou educadamente, ao passo em que observava Gabriel. – O que há entre esses dois? – ele sussurrou para Catherine.

– Eles estão namorando! – Cat anunciou alegremente para meu desespero.

– É mesmo? Interessante. – comentou se demorando em cada palavra com uma fixação bizarra.

Tudo em Joham gritava “bizarro” para mim agora. Ele era sem dúvida o vampiro civilizado mais assustador que conheci. A presença dele me aterrorizava mais do que Aro e eu seria incapaz de passar mais um minuto com ele tão próximo dos Lefroy, sem surtar.

Toquei a mão dele apressada.

Somos apenas amigos. Não leve a sério a imaginação de uma criança.

Uma dupla de amigos muito talentosos você tem aqui, Joham alegou, ao apertar minha mão como gesto de despedida.

– Até mais ver, Renesmee. Mande lembranças aos Cullen. – ele disse, antes de partir, se juntando à filha em uma caminhada sob o céu cinza.

– Que cara estranho. – Lefroy murmurou. – Você realmente o conhecia?

– Preferia não conhecer. – suspirei.

Voltamos à lanchonete, mas eu não conseguia relaxar. Eu queria ir para casa o quanto antes e contar à minha família que Joham estava aqui. Do que ele era capaz.

Comemos e em seguida Gabriel me deixou em casa. Subi as escadas correndo e Edward já me esperava com o semblante preocupado na sala.

Os outros Cullen se aproximaram e eu mostrei o que havia acontecido, deixando todos pasmos.

– Mas... Como é possível? Pensei que o dom de Renesmee era único. – Bella disse.

– Era o que todos pensávamos. Pelo visto, nos equivocamos. – Carlisle ponderou.

– Não creio que estejamos vendo isso da maneira certa. – Edward discordou. – Na clareira, com os Volturi, eu não fui capaz de ver os pensamentos de Joham. Era como se ele tivesse um escudo mental exatamente igual ao de Bella. Agora ele projeta imagens do mesmo modo que Renesmee é capaz. Isso não pode ser coincidência e nenhum vampiro seria tão incrivelmente dotado.

– Está sugerindo que... – Alice começou.

– Sim. – Edward disse austero. – O dom de Joham é replicar o dom de outras pessoas.

Houve um instante de silêncio enquanto todos processavam a teoria de Edward.

– Como Aro deixaria algo assim passar? Se for verdade, Joham seria uma arma ideal para os Volturi. – Rosalie protestou.

– Não sabemos qual o relacionamento deles. Mas Aro com certeza está ciente, afinal, Joham estava com os Volturi, nove anos atrás. – meu avô apontou.

– E Aro o poupou, a despeito de seu experimento com humanas para criar uma nova espécie. – meu pai acrescentou.

Eu estava boquiaberta com essa possibilidade.

– Quer dizer que, se estiver próximo da nossa família, Joham pode esconder os próprios pensamentos, ler os nossos e ainda manipular nossas sensações? – arfei.

– É apenas uma teoria. – Carlisle me acalmou. – Uma teoria muito pertinente.

– Eu e Rose juntamente a Esme e Carlisle podemos alternar patrulhas para descobrir onde esse cara está se escondendo. – Emmett disparou. – Não temos nenhum dom especial, então ele não pode tirar proveito disso.

– Eu também quero ajudar. – Bella se ofereceu. – Apenas porque ele possivelmente pode replicar nossos dons, não significa que ele possa nos atingir.

– Ok. Vamos nos revezar até encontrarmos Joham e expulsá-lo daqui. – Edward proferiu.

– Ou podemos acabar com ele, caso insista. – Emmett sorriu.

– Agora você, Renesmee, se expôs demais indo ao encontro dele. – Esme falou.

– Joham e sua filha têm me seguido há semanas. Se eles quisessem me fazer algum mal, já teriam feito. – respondi, porém o pensamento voando longe, preocupada com Cat e Gabriel.

– Você acha que Joham tem algum interesse neles? – meu pai indagou.

– Não. Ele deixou bem claro qual era o seu interesse. – murmurei – Mas me preocupo com os Lefroy. Queria Joham longe daqui o quanto antes.

– Nós vamos resolver isso, querida. – Bella afagou minhas costas.

– Bem, vou dormir. Foi um dia cansativo. – me levantei indo até as escadas.

– Renesmee, – Bella chamou suavemente e eu parei para ouvi-la – você enviou alguma carta para Jacob esse mês?

Meu queixo caiu ao constatar que eu havia esquecido completamente de escrever para Jacob esse mês. Eu deveria ter enviado a carta dois dias atrás.

– Escrevo amanhã. Ele nunca me responde mesmo. – dei de ombros – Alguns dias de atraso não farão diferença.

Fui para meu quarto e dormi um sono sobressaltado, repleto de pesadelos onde a figura de Joham era sempre a personagem central.

Nos dias seguintes não saí de casa, a não ser para caçar com meus pais. Edward julgou não ser seguro eu sair sozinha, o que me incomodou, uma vez que, desde que chegamos a Ketchikan, liberdade foi um ponto sempre a meu favor.

Não fui concluir a pintura do quarto de Catherine e justifiquei minha ausência com uma gripe que me fez faltar quase uma semana inteira de aula nos dias que se seguiram.

Gabriel me ligava duas vezes ao dia para saber como eu estava. O que era muito gentil da parte dele. Nós acabávamos passando quase uma hora ao telefone.

Aproveitei para passar esses dias me entregando aos mimos de minhas tias. Especialmente Rosalie, que reclamava da minha ausência desde que comecei a sair com o Lefroy. Contudo, ela parecia gostar dele.

Apesar das buscas, Joham não apareceu. Disseram que seu rastro ia até o oceano e depois desaparecia, ainda assim, Edward não estava convencido e preferiu continuar vigiando por mais algum tempo antes de me liberar.

Eu conversava com Rose quando ouvi a gargalhada barulhenta de Emmett ainda longe de casa. O som estava cada vez mais próximo e Rosalie revirou os olhos para todo o estardalhaço característico do meu tio. Ele conversava animadamente com alguém, provavelmente Jasper.

Bom, isso foi o que eu pensei, até um perfume inconfundível invadir meu sistema como um vírus, me deixando completamente alerta.

Levantei subitamente assustando Rosalie. Meu coração apertado, como se eu estivesse sendo esmagada por uma bola de ferro imensa e eu esqueci como respirar.

– Renesmee! Rose! Todo mundo. Venham ver quem eu encontrei! – Emmett gritou do jardim.

O semblante de Rosalie ficou sério quando a consciência de quem estava com Emmett a atingiu, tardiamente. Ela olhou para mim esperando alguma reação.

Não pensei duas vezes antes de sair do quarto em disparada.

Isso só pode ser um sonho. Isso só pode ser um sonho. Eu repetia para mim mesma enquanto tremia meu caminho pelas escadas até a saída. Minha visão estava turva, meus pés pareciam desconhecer o chão em que pisavam, mas eu fui adiante, não confiando na silhueta que as paredes de vidro já me permitiam ver.

Parei no topo dos poucos degraus para o jardim, sem acreditar no que meus olhos viam.

Jacob Black deu duas batidas no ombro de quem quer que estivesse ao lado dele e avançou alguns passos em minha direção, seu olhar terno e intenso, fixo no meu.

O tempo parou e eu também.

Permaneci imóvel diante dele, incapaz de mover um dedo sequer, enquanto Jacob me avaliava da cabeça aos pés, logo prendendo seus olhos nos meus; Deus sabe por quanto tempo.

Uma corrente de sentimentos fluiu das profundezas de seus olhos castanhos até os meus, varrendo minha alma, sacudindo minhas emoções.

Jacob reapareceu como um terremoto. Sem preparo, sem aviso. Apenas uma força bruta da natureza. Abalando todas as minhas estruturas, destruindo as milhares de barreiras que meu coração levou anos para construir, movendo tudo de lugar, me desestabilizando sem deixar pedra sobre pedra. Trazendo de volta do pó emoções que a tanto custo consegui enterrar. Fazendo meu coração martelar louco, rasgando meu peito, enviando adrenalina pelas minhas veias, me fazendo querer correr para bem longe, sem qualquer destino. Eu precisava me livrar dessa inquietação avassaladora que ele me trouxe.

A simples visão de Jacob levou por terra o mundo que eu batalhei para construir baseado em sua ausência. Eu não tinha escolha de deixá-lo entrar ou não. Ele simplesmente rasgou o seu caminho de volta para mim.

E meu mundo estava à mercê dele novamente. Deixando-me com os frangalhos do que eu julgava seguro, estável. Jacob redefiniu todas as estradas e todas elas, absolutamente todas, entre rachaduras e abismos, me levavam de encontro a ele.


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