A Brave New World escrita por Maria Salles


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

"- É apenas mais uma mulher em casa... Ele viveu a vida toda sendo o único homem, por que se incomodaria agora?
— Rose o problema não é ter uma mulher a mais na casa. O problema é especificamente você. Ele está morrendo de ciúmes!"



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Dimitri tinha razão, a mãe dele era incrível. Quando chegamos ela assumiu todo um ar serio e profissional que não imaginava que ele poderia assumir. Mandou que me levasse pra cima, no quarto e colocasse o pé pra cima e desceu novamente mandando Vik fazer alguma coisa em russo. Dimitri ficou comigo no quarto, sentado na cama da irmã.

 - Eu estou com algum tipo de doença mortal? – perguntei assim que estávamos sozinhos – Ou essa torcidinha está pondo minha vida em risco? Por que, sério, a reação da Olena está me assustando, Dimitri.

Ele sorriu e recostou na cabeceira da cama, esticando as pernas compridas no colchão.

- Ignore isso, Rose. Minha mãe, acho que já percebeu, às vezes é uma exagerada. – seus olhos brilharam em carinho, e eu não pude deixar de sorrir com isso – O que foi?

- Nada. É que acho interessante ver você falando da sua família. Você fica... diferente.

- Diferente como?

- Ah... não sei. Diferente. – ele me olhou esperando por mais respostas e eu suspirei me ajeitando na cama – Seus olhos brilham, sabe? Fica explicito o quanto você as ama e quer bem.  E você fica mais relaxado, quase com ar sonhador. A voz fica cheia de admiração e lembranças. Eu poderia jurar que sempre que fala na sua mãe, na sua vó ou irmãs você se lembra de algo do passado e agora quem está me assustando é você com esse seu olhar. – emendei na mesma frase - Por que me olha assim?

Dimitri não sorria mais, e tinha um olhar estranho, me esquadrinhando. Era como se estivesse chocado e surpreso, e um pouco descontente. Tudo com  a mesma coisa, que eu sabia que me envolvia.

- Eu disse algo...?

- Não. – ele se apressou a dizer. – quero dizer... de certa forma... é que...

Sua resposta foi interrompida com a chegada de Olena e Vik, que traziam um arsenal de coisas desconhecidas. Vik se posicionou na cabeceira da cama ao meu lado e Olena se concentrou em meu tornozelo.

- Vik vai limpar seu corte na testa antes que infeccione, enquanto isso eu vou cuidar da sua torção, okay querida? – ela sorriu gentilmente e me deitei no travesseiro para que ficasse melhor pra Vik.

- Eu nem sabia que tinha machucado a testa.

Murmurei arfando quando o algodão tocou minha pele. Pela ardência, ali havia mesmo um corte.

- É por causa do tornozelo.  – explicou Dimitri - A dor lá era maior e pior que o corte então o cérebro se concentrou apenas nele.

- Disse o doutor. – eu ri e agradeci por Vik ter terminado de limpar o corte e limpar agora somente o sangue – Então, Olena, qual o estrago?

Eu não vi o que ela havia feito com meu tornozelo. Senti mãos rápidas e ágeis na minha perna, senti algo quente e depois frio, e por fim ela enrolou alguma coisa bem firme. Foi a única vez que doeu, mas ela disse ser necessário.

- Ficará uns dias sem treinar, e sugiro que fique com o pé pra cima sem força-lo. Eu sei que você não vai me ouvir, então eu vou te fazer um chá para ajudar na dor e na recuperação, pra ver se vai mais rápido. Não gosto da ideia de te fazer subir e descer escadas, mas também não quero te deixar lá em baixo sozinha, e nem no sofá... E sei que você se recusaria dizendo estar bem, portanto não há o que discutir aqui. A senhorita não sai de casa e não fica andando de um lado pra o outro. Sentada e em repouso. Entendeu? – wow, ela era firme. Mas como eu poderia ficar parada no meu canto? – Rosemarie Hathaway, você entendeu?

Opa, ela disse meu nome inteiro. Seria melhor acatar suas vontades a medida do possível.

- Sim, senhora! – bati continência e ela sorriu – Obrigada Olena. Não posso prometer nada, mas vou me esforçar. Ficar parada é algo extremamente difícil pra mim.

- Eu sei, querida. Por isso nenhuma de nós vamos deixar você fazer algo. – eu revirei os olhos provocando risada de todos no quarto – Vou lá em baixo pegar uma xicara de chá pra você.  Descanse um pouco que eu venho de chamar para o almoço, okay?

Assenti com a cabeça e ela e Vik saíram. Dimitri se sentou na cama e me olhou por alguns instantes. Ele parecia divertido e aliviado.

- Como está o tornozelo?

- Não está doendo tanto. Incomoda, mas eu sobrevivo.

Ele riu e se levantou da cama, se sentando ao meu lado. Por que meu coração tinha que acelerar? Por que ele fazia isso sempre que Dimitri se aproximava, ou falava ou quando sentia o perfume dele?

- Eu me sinto culpado por isso.

- Hey, a estabanada aqui sou eu, lembra, camarada? Quem foi a cega idiota que olhou pra frente e não para o chão fui eu. Como pode ser sua culpa?

- Por que eu te provoquei. – disse simplesmente – Eu poderia ter te estimulado de uma maneira diferente. Aquele não era um lugar hábil pra uma competição.

Minha mente meio que viajou quando ele disse que poderia ter ‘me estimulado de uma maneira diferente’. Ah, sim, Dimitri. Tenho muitas ideias de como você poderia me estimular. Poderia começar com você abaixando a cabeça e me beijando. E depois, bem... deixemos rolar.

- Era uma brincadeira. Não precisa se sentir culpado. Estou ótima. Eu acho que mereci isso, depois da forma que te tratei hoje de manhã... – abaixei os olhos para as minhas mãos, brincando com meus dedos. – me desculpe. Fui rude. Não precisava ter agido daquela forma. Minha noite não foi uma das melhores.

Ele fez um barulho estranho, e olhei pra cima para olha-lo. Ele sorria, mas tinha um ar controvertido.

- Rose, eu sei como você é. Já me acostumei com essa sua gentileza. – Revirei os olhos, fazendo-o rir – eu não me senti, ou me sinto, ofendido. E sua natureza dizer o que pensa e ser irônica. Ninguém aqui em casa pensa mal de você por isso. Na verdade, faz você ainda mais querida. Você é honesta, e a ironia é uma forma de defesa. Mas você lida com o Paul de uma maneira que alegra Karolina. E é a melhor amiga de Vik em pouco tempo. E ajuda sempre minha mãe quando ela precisa, quer ela queira ou não. E suporta minha avó, o que por si só já é um grande feito.

Nós dois rimos e encostei a cabeça em seu ombro. Ele passou o braço por baixo de mim, envolvendo minha cintura em um meio abraço com todo o cuidado.

- Obrigada pelo voto de confiança.

Dimitri suspirou e encostou a cabeça na minha. Senti o sono vir devagar. Eu havia dormido mal esta noite e acabei acordando mais cedo que gostaria. Corri sei lá quantos quilômetros e acabei me machucando. É, foi uma manhã agitada e estava cansada. Olena mesma disse que poderia descanar, dormir até, que na hora do almoço ela me chamaria.

- Não há pelo que agradecer.

Meus olhos estavam cansados e pesados, e eu já não estava mais cem por centro presente no quarto. Por isso acho que devo ter imaginado o beijo que ele me deu no alto da cabeça e outro demorado na testa. Pois logo que senti seus lábios quentes na minha pele, o sono me embalou.

***

Eu acordei sozinha, com o sol entrando na janela e clareando todo o quarto. Não saberia dizer que horas eram, mas estava bem mais disposta e bem humorada que antes. Meu tornozelo não doía tanto, e consegui mancar até o banheiro sem morrer de dor.

Antes de lavar o rosto, me analisei no espelho. Estava corada e se não fosse pelo curativo no lado esquerdo, poderia dizer que nada tinha acontecido. Estava ótima. E talvez esse ‘ótima’ não fosse por estar me sentindo menos machucada, e sim por que havia sonhado com Dimitri.

Começou com a gente treinando no galpão, ele me elogiando, dizendo que estava incrível e letal. Eu realmente me sentia a sim no sonho, bloqueando seus golpes e o acertando pra valer. Me sentia poderosa. E então tudo mudou. Foi um errinho de cálculo que deixou uma abertura pra ele me pegar e me derrubar no chão. Dimitri estava perto demais, seu cabelo roçava meu rosto e seu perfume me inebriava. Não queria mais saber do treino, queria ele e seus lábios pressionando nos meus. E assim ele vez. Foi como se uma onda de calor estonteante passasse por todo meu corpo. Seus lábios se moviam com fome e suas mãos percorriam meu corpo me fazendo arfar e sentir coisas que nunca havia sentido. Ele movimentou os lábios para meu pescoço e eu gemi em meio um arfar. Dimitri tirou minha blusa larga que geralmente usava pra treinar, e eu fiquei apenas com o top preto. Sua boca desceu pelo pescoço indo pelo colo, o vale entre os seios e a barriga para depois voltar para a minha boca. Eu estava tirando sua blusa quando acordei. E o que mais me deixou pasma não foi o sonho. Foi o quanto queria que ele fosse verdade.

Joguei agua gelada no rosto tentando apagar o rastro de fogo que parecia ter vindo junto. E rezei pra que não tivesse murmurado algo comprometedor. Ou, pior, ter gemido dizendo o nome dele. Já foi ruim o bastante ter dito o nome de Adrian enquanto dormia, isso seria embaraçoso demais. E como explicaria?

Desci as escadas bem devagar, procurando tocar meu pé machucado o menos possível no chão. Estava no meio da escada quando justamente Dimitri chegou e me olhou exasperado.

- Nunca vi alguém tão teimosa quanto você.

Ele subiu as escadas de três em três degraus e rapidamente envolveu o braço na minha cintura suportando todo o peso do meu corpo com facilidade. Droga, estava sensível por causa do sonho que meu corpo respondeu acelerando o coração e descarregando uma carga elétrica em meu corpo. E acho que não fui a única a sentir, pois Dimitri tencionou ao meu lado.

- Tá tudo bem? – ele murmurou descendo os ultimo degraus.

- Tá, tá. Tá tudo ótimo. – afirmei tentando mais me convencer que a ele. – Pode me soltar agora.

- Não seja ridícula. Te levo até a cozinha. – ele parecia desconfortável, embora não entendesse o porquê – Ai você vai ficar sentadinha quietinha ali. O almoço tá quase pronto.

- Você quem manda.

A proximidade dele era uma tentação. Desde o dia no bar eu queria saber como que era o beijo dele. Como era seu toque e lábios quentes, como seria sua língua na minha. Mas quando cheguei aqui as coisas mudaram um pouco de situação, e ele estava mais sério e controlado que quando eu o conheci. Eu atribuía isso ao fato de estar na casa dele e com a família dele e também por estar sóbrio.

- Ah, já acordou!

Olena e Yeva estavam no fogão, a mesa já estava posta e o cheiro delicioso como sempre. Dimitri me soltou e me sentei na cadeira de frente. Para minha surpresa, ele sentou-se ao meu lado.

- Coitadinha. – continuou Olena, virando vez ou outra para me olhar – quando cheguei com o chá já tinha dormido. Eu acho que demorei demais...

- Não, imagina Olena. – neguei com um sorriso – eu que estava cansada demais. Acho que a dor meio que me dopou...

- Amanhã cedo você estará melhor. – garantiu Dimitri – daqui a três dias voltamos os treinos. Pra que tenhamos certeza que está cem por cento.

Eu esperava que ele estivesse correto. Sabia que ele e Yeva, principalmente ela, iriam pegar firme comigo depois de dois dias sem treinar.

Sonya e Karolina almoçariam na cidade, então esperamos Vik chegar para comermos. Talvez tenha sido toda a confusão que a manhã fora, mas por algum milagre da natureza, não estava com muita fome. Era como se tivesse algo embolando em meu estomago que o deixasse cheio e mal humorado. Não passou despercebido aos olhos de ninguém da mesa, mas quem falou primeiramente foi Dimitri.

- Sabe, uma parte importante da recuperação é se alimentar bem. E comendo nada vai te deixar fraca e te deixando fraca vai demorar mais para que seu tornozelo volte ao normal. Não importe quantas vezes minha mãe faça chá ou sua mistura de ervas, ele não vai se curar sozinho.

Dimitri, apesar de preocupado, ainda tinha um ar meio hostil, meio distante, que começava a me incomodar pra caramba.

- Eu estou comendo. – me defendi erguendo as sobrancelhas – só não estou comendo aquele absurdo de comida que costumo comer, qual o problema?

- Problema nenhum. Não pra mim. Quem vai ter que se esforçar mais depois vai ser você, não eu.

- Eu como mais depois. Eu só não quero comer agora. Me deixa, Belikov.

- Eu sou seu mentor, e, como se mentor, estou de instruindo e apontando o que você está fazendo de errado.

- Não preciso de mais um na minha vida fazendo isso, obrigada. – zombei virando meu olhar pra ele – Já me basta todo mundo que eu conheço, não preciso agora de um estranho fazendo isso também. Não importa quem tenha dito que é meu mentor.

- Rose, não seja imatura. Você está errada, e sabe disso, não venha por a culpa em mim.

- Agora eu sou imatura?

Eu estava me referindo à noite no bar, quando ele flertava descaradamente comigo, e eu respondia à altura. Se não fosse por Pavel, teríamos tido um belo de um amasso na parte mais vazia do bar. E sabe-se lá como o Dimitri se reagiria ao me ver aqui, na casa dele com sua família. Acho que não seria uma boa reação.

Nunca realmente falamos sobre a tal noite. Não era como se fugíssemos dele, mas sempre que tentávamos conversar, alguém aparecia. E nem ele nem eu queríamos que mais alguém soubesse daquela noite. Bem, por mim não tinha problema. Se ele quisesse me dar uns amassos, eu não ligaria. Mesmo. Mas eu entendia, era a família dele e eu estava ali de favor. Não seria um tópico muito bem visto.

- Sério, Dimitri, qual é o seu problema? Estava tudo ótimo até ontem, e de repente você ache como um babaca! – eu esperei por uma resposta, e ele se limitou a continuar a comer. Bufei e afastei o prato sobre a mesa – Mesmo, e dizem que as mulheres são complicadas? Quem foi o idiota que disse isso? Deve ter sido um homem.

Sai da mesa sem olhar pra trás. O clima estava pesado entre mim e ele e nem sequer sabia o que tinha feito de errado. Ninguém nem se atreveu a se meter entre nós. Ficaram num silencio que achei até confortável demais, mas não fiquei ligada nisso. Dimitri era quem me tirava do sério!

***

Fiquei na sala, folheando um daqueles livros velhos e bonitos da estante. Não entendia uma linha do que estava escrito, mas os desenhos eram bonitos e bem feitos, serviam para distrair. Não sei quanto tempo fiquei ali, sentada com o pé machucado apoiado na mesa de centro, mas o almoço já havia acabado, pois Yeva veio se sentar comigo. Okay, não comigo mas em uma cadeira confortável e inclinável que tinha próxima do sofá.

- Meu neto é um ótimo guardião. – começou ela, sem olhar pra mim, apenas lendo algo que acho ser jornal – Mas é péssimo quando o assunto é ele. Tem dificuldades em mostrar seus sentimentos para alguém de fora. Odeia demonstrar fraqueza. Ele é muito parecido com você, embora seu autocontrole seja mil vezes melhor que o seu. O que, neste caso, é um problema.

- Eu não entendo o que a senhora quer dizer.

Yeva sorriu complacente e se levantou. Como imaginava, ela veio ali apenas para conversara comigo.

- Você ainda vai entender, Rose. – afirmou e com um sorriso soturno, subiu para o seu quarto.

Mas que diabos a velha tava falando?

***

Quando a gente não tem nada pra fazer, e está louca para que algo aconteça, a vida é filha da mãe e passa devagar e tediosa na nossa frente. Foi assim que a tarde passou.

- Arght! Não aguento mais ficar dentro de casa, com o pé pra cima sem poder fazer nada!

Exclamei quando era umas quatro horas da tarde. Dimitri havia saído com Olena. Yeva cuidava do jardim e Sonya e Karolina estavam trabalhando. Sobrando Vik e eu fazendo nada, deitadas na cama. Paul era muito novinho e tinha imaginação de sobra pra fazer de uma tarde tediosa, uma aventura pelo espaço sem sair da sala. Como era bom ser criança.

- Me sinto culpada por te prender aqui. Você devia ir sair com seus amigos, Vik. Logo suas férias acabam e você vai ter passado ela toda ao meu lado.

- Rose, você é muito dramática. Sairemos juntas. Assim que você puder andar. Dimitri disse que amanhã você estará bem melhor. E mama disse que daqui a três ou quatro dias você pode treinar. Então enquanto você estará de folga desses carcereiros, podemos aproveitar e sair por ai. Você ficou treinando e ajudando vovó e minha mãe o tempo todo. Nem deve conhecer Baia direito.

Isso lá tinha seu fundo de verdade. Quando não estava sendo nocauteada por Dimitri, Yeva e Olena me fazia ajudar nos trabalhos mais bizarros em casa e nos vizinhos. Ainda tem tive tempo de visitar Marks e Oskana como havia prometido a eles. E tinha tanto que queria saber! Poderia aproveitar mesmo esses dias de folga e fazer o que estava pendente. Sair como uma turista para a felicidade de Vik. Visitar Mark e Oskana. Tentar falar com Abe pra então conseguir falar com Lissa. Esse último item era o que mais hesitava em fazer. Seria muito difícil pra ambas, mas se Adrian disse que pode melhorar o estado de animo dela – fazendo assim [i]eu mesma[/i] melhorar e parar de pegar tanto sua escuridão, então teria que enfrenta-la.

- Tudo bem, amanhã então saímos. Vou estar mancando um pouco, mas melhor que nada. Isto é, se sua mãe não me prender em casa.

Vik riu e veio se deitar ao meu lado, sentando na cama com cuidado pra não balançar muito.

- Ela não precisa deixar. Você já tem 18 anos.

- Mas estou sobre a responsabilidade dela. Além do mais, você a conhece. Se ela quiser me prender em casa, ela prende.

- Aah, Rose! Não aja como uma adulta chata! Você nem precisa pedir permissão pra ela! Eu peço, ela me deixa sair e você simplesmente dá tchau e vem atrás de mim. Simples assim.

Eu suspirei. Sabia que ia acabar cedendo, mas tinha que parecer que não era tão fácil assim ser convencida. Se não o que seria de mim? Seria dada como manipulada, quando na verdade era manipuladora. Mas o que fazer se não resisto a desafios? Fingi pensar profundamente por alguns segundos, e por fim resolvi prolongar mais minha resposta.

- Amanhã veremos. Depende de como eu acordar.

Vik sorriu, já sentindo sua vitória, sem trocadilhos. Como dizer não a ela? Sorri de volta e me sentei na cama, já agoniada por estar a tanto tempo sem fazer nada e parada.

- Arght! Não aguento mais ficar assim, Vik! Tem certeza que não tem [i]nada[/i], nadica de nada pra eu fazer?

- Nada. Desculpa. – ela sorriu e se levantou da cama, estendendo a mão pra mim – Vamos lá no jardim, nos sentar e conversar. Ainda tenho muitas perguntas pra te fazer. Ai você se distrai.

- Não era exatamente o que eu tinha em mente, mas tudo bem.

Me apoiei em sua mão e me levantei tentando forçar o mínimo possível meu tornozelo. Eu sei que poderia ir até Oskana e pedir que me curasse em dois tempos, mas depois de tudo que passei com Lissa e o Espirito, poderia aguentar essa torçãozinha numa boa.

Vik me ajudou a descer as escadas e eu manquei pelo jardim, me sentando em um banco de gesso. Vik se sentou a minha frente, e fez várias perguntas. A maioria sobre minhas tatuagens. Eu acho que não era segredo pra ninguém naquela casa sobre tudo o que eu passei nos últimos anos, mas Vik era a única que indagava sobre meus feitos.

Antes mesmo de me formar eu havia fugido e passado dois anos fora com Lissa – um feito pra lá de espantoso -, prendi um príncipe que tentou matar minha melhor amiga, lutei e quase morri com um strigoi que costumava ser uma Moroi legal, fui sequestrada por outros dois e os matei, vi meu melhor amigo ser morto, estive em batalha. Sem contar o que elas não sabia. Que eu, literalmente, morri e voltei a vida e com isso criou-se um laço entre Liss e eu. Se sua própria mente pode ser confusa, imagina ter uma outra pessoa na sua cabeça?

- Rose, agora me conta. – os olhos dela brilharam, e vi que era a pergunta que ela queria ter feito desde o começo – E esse Adrian? É mesmo seu namorado? Quem é ele? Ele é bonito? Quantos anos ele tem? Como ele é? Conta tudo!

Eu ri com a confusão que me meti. Mas eu era solteira e desimpedida, e Adrian não iria achar ruim se eu puxasse saco. Além do mais, não era uma inteira mentira. Ele não era exatamente meu namorado, mas éramos muito próximos e nos beijávamos. Era além do que apenas um casinho de jovens. Não que eu o amasse. Isso não. Eu gostava [i]muito[/i] dele, mas não era... o tipo certo de amor. Sentia-me culpada por não corresponder seus sentimentos tão profundos que tinha por mim, por isso fazia umas semanas que decidimos sermos  apenas amigos.

- Adrian é um amor de pessoa. É um Moroi, um Ivashkov. – Vik arregalou os olhos e eu alarguei meu sorriso – Sim, da realeza. Não, isso não é legal. É um saco. Todos de olham, todos não aprovam. Mas admito que gosto das vantagens. Uma vez ele fez uma mesa ser posta no restaurante pra gente.

- Ai meu Deus! – Vik exclamou se aproximando de mim.

- Sim, Deus. Ele é lin-do! Tem olhos verde, cabelos castanhos que ele teima em deixar bagunçado. É mais alto que eu, porém mais baixo que Dimitri. A tia vaca dele não gosta de mim, mas estou pouco me lixando. Ela não gosta de ninguém, na verdade.

- Quem é a tia dele?

- Tatiana. A rainha... – revirei os olhos – na verdade, não que isso importe, ninguém da família dele aprova muito nós dois. A mãe dele gosta de mim, mas sabia que seria passageiro, então ela não liga. Não é como se fossemos casar e criar uma família sabe?

- Para tudo! Você namora um Ivashkov, que é sobrinho direto da rainha? Rose!

- Hey, eu não disse ‘namorar’, disse? A gente meio que ficou junto, mas não deu certo pra mim. Ele me ama demais. E eu de menos...

- Uma pena... – ela deu nos ombros, ainda sorrindo – convide-o para vim te visitar! Quem sabe ele não acaba se apaixonando por uma russa, hein?

Eu ri da insinuação dela.

- Quem sabe... – pisquei divertida pra ela – Você ia gostar dele. Ele é atencioso, e adora atos românticos. Ele realmente entende você, sabe? Pelo menos, ele foi quem mais me entendeu em toda a minha vida. Lisssa é legal e tudo o mais, mas às vezes ela não vê o que está na cara dela. Adrian nunca deixa algo passar. Sempre está atento. Bem... quase sempre. Às vezes ele divaga e fala algumas coisas sem noção, mas, qual é, ninguém é perfeito!

- Acredite, Rose, [i]ele[/i] é perfeito.

Vik precisava urgente de um choque de realidade. Ficar em Baia a deixava ingênua e inocente demais. A forma que seus olhos brilhavam e ela se animava com cada adjetivo que atribuía a Adrian beirava a sonhador. Ela era apenas uma jovenzinha inexperiente neste mundo, e isso me preocupava um pouco.

Agora que ela me fez pensar em Adrian, eu senti fisicamente sua falta. Mas por incrível que pareça, não de uma forma romântica ou sexual – não que eu tivesse uma vida sexual -, mas sentia falto do meu amigo. Ele me entendia e reconfortava. Era com ele que eu desabafava esperando ouvir verdades e ao mesmo tempo conforto. E por mais que seus beijos e nossos amassos fossem bons, eu não conseguia mais me imaginar com ele. E antes o que era prazeroso, agora me parecia errado. Como se estivesse algo faltando... talvez um sotaque Russo ou olhos castanhos escuros. Ou talvez os dois vindos embrulhados numa capa de cowboy.

Oh, Deus! Estava ficando louca! Insana! Desde quando Dimitri estava na conversa? Estávamos falando de Adrian e do nosso curto relacionamento nos Estados Unidos! E não de flertes que nunca dava em nada. Mas, ah, como queria que tivesse dado em algo.

- Mamãe está chamando vocês pra dentro.

A voz que havia acabado de imaginar sussurrando obscenidades em meu ouvido me tirou do transe. Virei-me pra trás e me deparei com um Dimitri sério e inexpressivo. Mas havia algo ali, bem no fundo de seus olhos. Era raiva, irritação e descontento. Era um olhar que já havia visto, está manhã mesmo. E ainda me deixava confusa por não saber de onde vinha e por ser dirigido a mim.

- Está anoitecendo e esfriando, Rose. Ela te fez chá, e o jantar está quase pronto.

- Ah, tá bom. – respondi dando um sorriso que não foi correspondido. – Vik, me ajuda a levantar?

- Ah, Misha, ajude ela, sim? – pediu Vik fazendo um beicinho brincalhão – eu a trouxe até aqui, agora você leva.

- Hey! Não estou pedindo pra me levarem no colo, eu sei andar! Só preciso de ajuda pra me levantar por que não quero forçar o... – mas Dimitri já havia se abaixado e envolvido o braço em minha cintura, sustentando meu corpo – Ah, tá bom. Já que não estão me perguntando nada, irei me abster em minha insignificância.

 Vik riu alegremente e nos seguiu com passos leves e tão lerdos quanto o nosso. Assim que entramos no conforto, e bem quentinho, lar, ele me soltou rapidamente e lançando um rápido olhar pra gente, ele saiu pra sala.

- Ahn, eu sei que ele é seu irmão e tudo o mais, mas Dimitri age estranho às vezes. E apenas comigo. Por que tenho a impressão que ele não está confortável comigo?

- Por que ele realmente não está. – ouch, poderia ter ido dormir sem essa – Não estou sendo chata nem nada, mas ele está lidando com alguém que é novo pra ele.

- É apenas mais uma mulher em casa... Ele viveu a vida toda sendo o único homem, por que se incomodaria [i]agora[/i]?

- Rose o problema não é ter uma mulher a mais na casa. O problema é especificamente você. Ele está morrendo de ciúmes!

Estávamos sussurrando agora, para evitarmos sermos ouvidas. Vik tinha um ponto. Antes era ele o motivo da agitação de Vik. Era ele quem ela importunava a noite toda e o dia todo com perguntas interessantes e pedindo histórias e querendo saber absolutamente tudo que aconteceu, interessante ou não, na vida. Agora era eu quem assumia esse posto. Eu não queria roubar o lugar dele como ‘irmão mais velho foda’, mas parece que era isso que ele via em mim: um adversário em potencial.

Vik riu me olhando, balançando a cabeça como se não acreditasse no que visse. Ela pareceu pegar meu pensamento no ar, pois fora bem especifica em sua resposta.

- Rose, para alguém tão vivida e perceptiva, tem certas coisas que você não enxerga mesmo!

- O que? Por quê?

- Se você não entendeu, não serei eu quem vai explicar. E você nem acreditaria se eu contasse. Você vai descobrir com o tempo. Aliás, vocês dois. Dimitri às vezes é tão lerdo ou mais neste assunto que você.

Ela falava em códigos como a avó! Que legal! Qual era o problema de me dar uma resposta direta e reta sobre o que estava acontecendo? Pra que mais enigmas? Droga de família complicada, viu!

- À noite, no quarto, te dou umas dicas. – Vik sorria e neste sorriso cheio de dentes havia muitas respostas ocultas que eu iria descobrir! – Agora vem, vamos comer que estou morrendo de você, e sei que você também.

Ainda tentando compreender o que ela e Yeva estavam me tentando dizer o dia todo, me deixei ser guiada pra mesa para jantarmos, todos sentados como uma grande e unida família feliz.


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Notas finais do capítulo

Hm, as coisas estão melhorando, hehe'

"Parecia que horas havia se passado com ele me olhando daquele jeito que me fez arrepiar. Depois da nossa conversa... bom, do monólogo dele, mais cedo, nos encontrarmos assim era uma provocação aberta do destino."