Quando soube que Tristan havia me condenado a morte ao entregar o arco-flecha para Gabriel, não consegui dizer absolutamente nada, pois não havia nada que eu pudesse fazer para me salvar, eu tinha somente minha força, que nem mesmo sabia usar, para me defender, e mesmo que vencesse essa guerra, o que seria de mim?

Eu sabia que aquilo aconteceria, Bethany iria contar a Gabriel sobre o paradeiro do arco e Tristan teria que lhe entregar, ou seria considerado um traidor. Antes que pudesse complicar ainda mais a vida de Tristan, eu parti para Venus Cove, de todos os lugares aquele era o que me fazia sentir melhor.

Ao chegar me deparei com Molly, ela não me reconheceu, mas estava claro que Jake havia perdido sua alma para outro anjo qualquer, ela estava feliz e com a alma livre de qualquer grave pecado.  Procurei saber de Lisa, definitivamente o seu destino não era bom como o de Molly, talvez a amizade que ela tinha comigo, quando eu era Melanie, tenha feito mal a ela. O que mais me interessava era saber da minha antiga casca, onde estaria Melanie? Apostei que ela estaria numa clinica psiquiátrica qualquer, e acertei. Ela não estava muito bem, mas havia um anjo ao seu lado, e eu sabia que ela ficaria bem, mas sinceramente seu futuro não me importava, eu só queria saber do seu presente.

Andei por Venus Cove, visitei cada lugar por onde havia passado, aquela cidade representava a contradição em minha vida, hora eu fui um lindo serafim, hora eu fui um belo demônio, e o mais engraçado, era que eu fui feliz em ambas as situações. Visitei o ginásio da escola, estava do mesmo jeito de sempre, nada havia mudado, caminhei para perto do vestiário e parei quando senti que não estava sozinha.

- Não estou aqui para lhe fazer mal – Disse Gabriel, que estava na quadra do lado oposto a mim – Não ainda!

Quando me virei para olhá-lo enxerguei nele o que não via há muito tempo, aquele arcanjo maravilhoso e sábio, que eu admirava tanto.

- Senti sua falta Gabriel! – Disse a ele – Espero que acredite nisso!

- Foi trágico o que aconteceu – Lamentou ele – Sinto muito!

- Eu não vou me defender quando você for me matar – Expliquei a ele – Quando as coisas acabarem quero que saiba que admirei você, e ainda admiro!

- Como pode admirar alguém que foi incumbido de te matar? – Perguntou ele – Como pode fazer isso?

- Faço isso justamente por ser sua função – Repliquei – Você é correto e se manteve firme até mesmo para isso. Eu não conseguiria, não conseguiria fazer isso. Não seria um bom arcanjo, mas você é!

- Você foi um bom serafim, não se esqueça disso! – Disse ele, na tentativa de me consolar e melhorar as coisas – Eu não sou um arcanjo tão perfeito quanto imagina!

- Não? – Perguntei curiosa – E qual foi seu único erro?

- Um arcanjo correto nunca se despediria de um anjo caído, antes de matá-lo! – Ele disse sorrindo – Eu tenho que ir, nos veremos em breve!

- Espere um minuto! – Disse antes que ele partisse – Em nome da nossa velha amizade, responda algumas perguntas. Não quero partir sem saber algumas verdades.

- Acho que lhe devo isso! – Ele respondeu gentilmente – O que quer?

- Me conta o que houve com Savannah Compton! – Perguntei – O que houve de verdade com ela?

Percebi que Gabriel se entristeceu ao falar no assunto, seus olhos me contavam o que se passava em sua alma.

- Nas minhas primeiras missões, antes mesmo de você existir, Ulliel e Savannah me acompanhavam – Ele começou a explicar – Mas Savannah era jovem, assim como Bethany, e se apaixonou por um humano, e não quis mais voltar ao paraíso.

- Ela era de sua responsabilidade, assim como Bethany era de nossa – Conclui – Então ela caiu, assim como eu?

- Você não escolheu cair, ela sim! Então ela começou a usar seu poder, o de tirar a luz de qualquer ser, em humanos inocentes, ela foi dominada por uma força maligna que nem sabíamos de onde vinha, logo ela começou a matar seres das trevas e acabou ser tornando inimiga dos dois lados! – Gabriel explicava cuidadosamente.

- Então... O que aconteceu depois? – Me apressei em saber – Por que outro arcanjo não a matou?

- O meu “castigo” por não cuidar bem dela foi exatamente esse – Lastimou ele – Com o coração cheio de escuridão, não foi difícil matá-la, usamos uma flecha feita de luz, mas quando a lancei contra Savannah, algo ruim aconteceu.

- Eu já sei dessa parte – O alertei – Sei que ela foi banhada pela a escuridão, quando atravessou o corpo de Savannah, e atingiu outro serafim, o matando.

- Sim, isso mesmo. A flecha atingiu Ulliel, nosso companheiro de missões – Explicou Gabriel – Ulliel acreditava em outra opção, acreditava que podíamos salvar Savannah, e na tentativa de salva-la, ele acabou morrendo!

- Obrigada! – O agradeci sinceramente – Acho que já sei o suficiente!

- Não, você não sabe! – Gabriel me interrompeu – Há coisas que você precisa saber ainda!

- Eu sei que ainda há! – Respondi alegremente a ele, fiquei feliz por tudo ficar bem entre nós, mesmo sabendo que ele me mataria posteriormente – Mas meu coração quer ouvir a verdade de outra pessoa.

- Como quiser! Adeus Ivy! – Ele se despediu com um enorme sorriso no rosto, e ao ver aquele sorriso, estranhamente me senti em paz!

Gabriel desapareceu, eu estava sozinha novamente naquela quadra poliesportiva. Eu sabia que tinha que ver Luc novamente, só não sabia como fazer isso. Sentei-me num banco da arquibancada e pensei em toda minha historia com ele, para encontrar um meio de vê-lo, então me lembrei da catedral de Lakeville, não sabia se o encontraria lá, mas tentar era o que me restava.

Quando cheguei à catedral de Saint Penn, não avistei Luc, e percebi o quão ingênua fui de acreditar que ele estaria lá, a minha espera. Sentei-me no telhado e fiquei a pensar, minhas acolheram meu corpo, como um casulo, e fiquei ali por horas e horas.

Me senti mal novamente, meu estomago ficou embrulhado, aquela sensação ruim me fazia acreditar que lago estava por vir, então me encolhi ainda mais e esperei que aquela sensação passasse logo.

- O que faz aqui? – Luc disse atrás de mim – Por que está aqui?

Minhas asas se abriram e eu levantei rapidamente, meu coração palpitou ao vê-lo, mas logo se entristeceu ao ver o semblante ríspido de Luc.

- Jake quase me matou! – Disse a ele – Chegou bem perto!

- Não posso segurar as mãos deles, você fez sua escolha! – Luc usou um tom de indiferença – Fiz tudo o que podia por você!

- Eu vou morrer, em breve! Mas não estou triste com isso, na verdade eu quero que aconteça logo! – Me expliquei – Mas antes de tudo quero que me diga a verdade, aquela que você esconde de mim. Posso sentir isso!

- Você quer saber de Savannah! – Luc respondeu irritado - Pergunte ao Gabriel!

- Já fiz isso, e ele me contou uma parte! O restante, eu quero saber de você! – O afrontei – Só de você. Diga-me a verdade Luc! De uma vez.

Luc olhou para baixo, ele evitava a todo o tempo que nossos olhares se cruzassem, então ele me olhou nos olhos e me disse toda a verdade.

- Antes de ser um querubim, eu era um humano qualquer, e me apaixonei. Ela mudou minha vida inteira, nos amávamos de verdade, mas ela foi tirada de mim, por demônios! – A tristeza nos olhos de Luc fez o meu coração se apertar.

- Você se apaixonou por Savannah, não é? – Perguntei cuidadosamente – E eles a tiraram de você!

- Sim. Depois que a tiraram de mim, levei uma vida correta, me tornei padre e fazia o bem para as pessoas! – Ele voltou a se explicar, mas nunca olhava diretamente em meus olhos – Fiz tanto o bem que quando morri, fui para o paraíso e me tornei um serafim.

- Agora me responda, por favor! – Implorei por sua sinceridade – Qual foi o real motivo de sua queda?

- Eu acreditava que estava do lado certo, fui um bom querubim, até que descobri a verdade... Descobri que Savannah foi levada por arcanjos, por Gabriel especificamente, isso era um segredo, só os setes sagrados sabiam o que tinha acontecido a Savannah e ao serafim que havia tentado a defender, mas quando soube, só queria vingança! Por isso caí – Luc se mostrou muito amargurado.

Fiquei em silencio por alguns minutos, em respeito a dor que ele estava sentido naquele momento, naquele instante não o vi mais como um terrível demônio, eu o vi apenas como um humano com o coração ferido. Esperei uns minutos e disse:

- Este era o plano que Miguel falava... Você queria que Bethany se apaixonasse por um demônio, Jake, a historia se repetiria e essa seria a maior vingança que você poderia ter!

- Quase isso! Bethany seria ótima, mas conheci você, que era de longe mais poderosa que aquele anjo, e mais próxima de Gabriel! – Explicou ele – Você se interessou por Jake, isso tornou as coisas mais fáceis para mim. Eu só não esperava que você caísse por vontade deles, só depois que sua queda era parte do plano deles para tentar descobrir o meu, mas por azar já estava apaixonado por você.

Aproximei-me de Luc, eu queria abraçá-lo e beijá-lo, mas ele se afastou no mesmo instante.

- A história se repetirá novamente – Murmurou ele – Eles vão tirar de mim a coisa que mais Mao. Você!

Uma lagrima rolou pelo o meu rosto, ao senti-la eu percebi que naquele instante eu estava tão humana como ele. Senti sua mão tocar em meu rosto e secar a lagrima que corria em minha bochecha, o toque de sua pele me fez arrepiar.

- Amo você, Luc! – As palavras pularam de minha boca – Amo você, nunca se esqueça disso. Guarde-me em seu coração, como fez com Savannah!

Ele deu um passo à frente e me beijou, aquele beijo tinha um sabor diferente, um sabor de despedida, mas o que me confortava, era o que aquele beijo significava para ele e para mim, eu não tinha duvidas de seu amor e ele não tinha duvidas sobre o meu. Quando o beijo terminou, ele se afastou e me olhou bem nos olhos e disse:

- Não te culpo. Sempre soube que você não conseguiria escolher um lado, mas meu coração queria acreditar que você ficaria comigo. Então... Não se culpe!

Ele deu vários passos atrás e pulou do telhado da catedral, logo abriu suas enormes asas e voou para longe de mim, desaparecendo entre as arvores que cercavam a antiga igreja.

Fiquei sentada por mais algumas horas sob o telhado da igreja, quando a noite chegou resolvi encarar meu destino, estava preparada para o que estava por vir. Arqueei minhas enormes asas negras, e  voei para bem longe, enquanto estava pairando no ar, apreciei o vento tocar meu rosto e a luz da lua iluminar meu corpo pela ultima vez.

Olhei para baixo e avistei uma clareira aberta em meio à floresta que rodeava a cidade de Lakeville, desci calmamente e fiquei de joelhos bem no centro da clareira. Eu olhava para o céu, esperando que eles me encontrassem rapidamente, e foi o que aconteceu.

O céu ficou vermelho e parou de ventar, uma nuvem vermelha sangue cobriu a lua, deixando a noite ainda mais escura. Tudo ficou silencioso e senti uma ponta de medo surgir em minha alma, mas me mantive parada, embora minha alma começasse a gritar por fuga. O clima ao eu redor ficou sombrio.

Rajadas de vento começaram a surgir e foram ficando cada vez mais fortes, eu sabia que eles estavam chegando. Para minha surpresa, não eram anjos que desciam, eram demônios, o primeiro que avistei foi Xavier, ele caminhava em minha direção com um riso sombrio no rosto e parou na metade do caminho. Logo Jake apareceu, e com eles outros demônios, que desejavam minha morte e estavam felizes por presenciá-la. Olhei ao redor e não encontrei o que queria, Luc não estava entre eles.

Várias luzes brancas caíram do céu, dando vida a vários arcanjos, fiquei abismada em presenciar aquilo, arcanjos e demônio juntos, no mesmo lugar, e ambos querendo a mesma coisa. Será que Savannah sentiu o mesmo que eu estava sentindo naquele momento? Em poucos segundos já estava cercada por todos eles.

- Nunca imaginei que isso aconteceria! – Gritei para todos ouviram – Demônios e arcanjos unidos por uma mesma causa. E eu fiz tudo isso! Sem mesmo ter planejado!

Todos se mantiveram quietos.

- Então... Qual lado vai acabar com tudo isso? – Perguntei, minha voz soava destemida, mas no fundo eu estava apavorada e suplicando por ajuda.

Gabriel surgiu em meio a todos, a expressão de seu rosto era séria, e em umas das mãos ele carregava o arco e na outra a flecha. Ele não precisava me dizer nada, a conversa que tivemos foi muito esclarecedora e seu olhar já dizia tudo o que eu queria saber.

Ele armou lentamente a arma que me mataria e a apontou para mim. Fechei meus olhos e fiquei a espera, puxei todo o ar ao meu redor, a cada expiração que eu dava sentia que seria a ultima. Segundos se passaram e nada aconteceu, abri meus olhos e Gabriel ainda estava lá, apontando a flecha para mim, enquanto todos observavam.

- Faça! – Miguel gritou – Faça agora! É sua responsabilidade Gabriel!

Miguel esbravejou, mas Gabriel não conseguia lançar a flecha contra mim.

- Faça Gabriel! – Disse a ele – Eu já te perdoei por isso!

Passaram-se mais alguns segundos e Gabriel não lançou a flecha, deixando todos ao redor enfurecidos, principalmente os seres das trevas.

Impaciente Miguel se dirigiu a Gabriel, e arrancou o arco-flecha de suas mãos.

- Sabia que não conseguiria fazer isso novamente! – Miguel sussurrou no ouvido de Gabriel – deixa que eu mesmo farei!

Miguel apontou o arco para mim, eu sabia que daquela vez seria de verdade, mas fiquei feliz por não ser Gabriel a fazer aquilo, fechei meus olhos mais uma vez e esperei pela morte. Repentinamente senti uma presença diferente, abri rapidamente os olhos e vi Luc, assim como da outra vez, ele se colocou a frente da flecha para me salvar.

Tive apenas o tempo de olhar bem no fundo de seus olhos, que carregava todo o amor que ele sentia por mim. Enquanto a flecha atravessava seu corpo, pude ver a escuridão sair de dentro dele e sua casca se tornar cinzas, bem ali, diante de meus olhos.

A flecha atravessou Luc e prosseguiu em minha direção, ela estava banhado pelo sangue dele e logo seria banhado pelo o meu, mas algo aconteceu, algo que surpreendeu a todos. Tristan apareceu no ultimo segundo e interrompeu o curso da flecha ao absorver toda a luz que havia nela, tornando-a uma flecha comum e inútil.

Minha vida estava salva, pelo menos por enquanto, mas isso já não importava mais, caí de joelhos, as lagrimas tomaram conta de meu rosto, ele me amava, amava tanto que escolheu morrer em meu lugar. Minha casca estava integra, mas por dentro eu estava morta e vazia, olhei para o céu e gritei o nome de Luc, minha voz era tão ensurdecedora que deixou todos atordoados, usei todas as minhas forças ao implorar para que Luc voltasse.

Para que ele voltasse para mim, meu eterno demônio e razão de minha vida!