Nada, eu repito, nada poderia me preparar para o que iria acontecer no café da manhã. Eu tive uma noite ótima, sem nenhum sonho, acordei do mesmo jeito que dormi, tomei meu banho, fiz minha higiene pessoal, depois fiquei na praia observando o mar, pensando na Annie e fui para o refeitório quando ouvi o som da concha. Era um início de dia perfeito. Mas, é claro, sorte de meio sangue não dura, ou melhor, não existe.

Eu havia acabado de sentar na minha mesa, depois de verificar como Annabeth estava, quando Quíron entrou acompanhado de uma mulher. Ela era a personificação da beleza, seus cabelos e olhos tinham cores que eu não conseguia definir, os traços de seu rosto foram perfeitamente desenhados por um artista e seu corpo definido estava deslumbrante em um vestido longo de seda rosa que lhe caía até seus pés calçados com sandálias brancas de salto. Notei que ninguém fazia barulho algum e olhei para os lados. Os meninos olhavam hipnotizados para a moça, que agora olhava todo o refeitório com um lindo sorriso no rosto. As meninas a olhavam com ódio e inveja, exceto as filhas de Afrodite, que sorriam de volta para a moça. Quíron deu um pigarro, e falou:

- Campistas, cumprimentem Afrodite, a Deusa do Amor e da Beleza.

Bom, agora estava explicado o por quê de tanta beleza. Todos do salão fizeram uma reverência, mas a deusa apenas agradeceu e mandou-nos sentar. Depois de todos acomodados, ela levantou-se da mesa onde estava e tomou a palavra.

- Bom, semideuses, estou aqui hoje pois vim pessoalmente trazer um aviso. Como todos devem saber, hoje o acampamento comemora três milênios de existência. Como essa data é muito importante e não deve ser esquecida, informo que hoje à noite haverá um baile de gala para comemorarmos.

A explosão de vozes no salão me fez pensar que alguém tinha soltado alguma bomba. Os filhos de Ares resmungaram. Os de Atena se entreolhavam nervosos, os meninos tinham conversas através de olhares dizendo “Ai, agora fu**” e as meninas, principalmente as filhas de Afrodite, soltavam gritinhos histéricos. Eu, particularmente, preferia cavar um buraco fundo em baixo da minha mesa e ficar lá até amanhã cedo, quando sairíamos em missão. Não tenho boas lembranças de bailes, eles são meu pior pesadelo.

- Silêncio! – Afrodite gritou. Todos silenciaram, é claro, nunca desrespeite ordens de uma deusa, muito menos dessa deusa.

- Bom – Ela continuou – O baile terá início às 19h e será aqui no refeitório. A participação é obrigatória – Ela olhou para mim, e eu engoli seco – Todas as atividades do acampamento estão suspensas hoje, e minhas filhas ficarão responsáveis pelas meninas. Todos irão para seus chalés ao término do café da manhã, e por lá deverão ficar até a hora do baile. O almoço será servido na praia – Muitos franziram o cenho, inclusive eu – Vocês irão entender como quando chegarem lá. E mais uma coisa. Todos irão encontrar suas roupas para o baile em cima de suas camas. Tenham um ótimo café da manhã, nos vemos no almoço.

- No almoço, milady? – Luke perguntou, fazendo uma reverência enquanto falava. – Mas o baile não será apenas ao cair do sol?

- Sua educação é algo invejável, Luke, filho de Hermes. – Percebi o garoto ficar um pouco tenso ao ouvir o nome de seu pai, mas logo passou. – Sim, no almoço, onde acontecerá a primeira etapa.

- Primeira etapa de quê, milady, se me permite perguntar?

- Do baile, querido. É na hora do almoço que os cavalheiros deverão convidar as damas a acompanhá-los ao baile. Deverão convidá-las da maneira como as damas devem ser tratadas. – Ela enfatizou essa parte. Não estou gostando disso - Mas não se preocupem, deixei instruções claras junto com suas roupas, e isso vale para todos os meninos.

E com essa feliz notícia, ela desapareceu, deixando para trás apenas uma fumaça rosa com leve cheiro de rosas.

Ok, admito que depois dessa, quase não consegui comer. As filhas de Afrodite ficaram soltando gritinhos agudos e histéricos durante todo o café da manhã. TODOS, eu repito, TODOS os meninos estavam nervosos, olhavam para baixo e a única coisa que diziam era “Ninguém merece” ou “Lá vem, o que será que Afrodite aprontou para mim?”.

Vamos deixar uma coisa bem clara: quando a Deusa do amor diz que deixou “instruções claras junto com suas roupas, e isso vale para todos os meninos”, o que ela realmente disse foi: “não compareçam ao baile e vocês irão viver no tártaro até o fim dos seus dias. Compareçam ao baile sem um par e vocês irão viver no tártaro até o fim dos seus dias sendo eternamente torturados pelos piores seres que existem no universo”. Resumindo: não havia escapatória.

Logo que terminei fui ao meu chalé. Afinal, tínhamos ordens expressas de não sair de lá, exceto na hora do almoço. Em cima de minha cama havia um cabide com uma capa protetora e um bilhete pendurado. Dentro da capa havia um magnífico fraque negro, com colete e gravata verdes e nos pés da cama havia uma caixa de sapatos sociais. Mas o que mais me intrigou foi o bilhete.

Chame aquela que tem seu coração.

Acho que ela irá gostar.

Beijinhos,

 Afrodite.

Ps: seja criativo!

“Ps: seja criativo”? Como assim? Aiai, não estou gostando nada dessa história.

Guardei minha roupa no armário e resolvi treinar um pouco. Peguei Contracorrente e comecei a investir em um boneco de água que consegui fazer com meus poderes. Não era lá essas coisas, mas pelo menos quebrava o galho. Treinei por umas quatro horas seguidas, sem parar. Nunca se sabe o que vamos encontrar na missão, e tinha que aproveitar meu tempo ao máximo. Depois, tomei um banho mais demorado e coloque uma calça jeans e uma camisa, já que Afrodite estaria presente no almoço, achei que seria bom me arrumar melhor. E ainda tinha o convite. Eu não tinha idéia do que ela quis dizer com “Seja criativo” então não consegui pensar em nada. Na verdade, seria muito mais fácil se eu apenas puxasse Annie para um canto e perguntasse se ela queria ir comigo ao baile. Simples.

Mas com eu já disse nesse capítulo, sorte de meio sangue não existe.

Cheguei na praia e meus olhos se arregalaram instantaneamente. Na areia, foi montada uma tenda branca gigantesca. Debaixo dela, estavam as mesas organizadas na mesma disposição do refeitório. Entrei, ainda boquiaberto, e sentei em meu lugar, observando tudo. Notei que todos estavam mais arrumados, devem ter tido a mesma idéia que eu. Travis estava de terno. OPA! PARA TUDOO! TRAVIS CONNOR DE TERNO?? Meus deuses, o mundo vai acabar mesmo. Ele estava visivelmente nervoso, e olhava constantemente para a mesa dos deuses menores, já que os deuses menores não têm seus próprios chalés eles ficam em um grande. Na verdade, é bem parecido com o chalé de Hermes.

Todos já estavam almoçando e a atmosfera no salão estava cada vez mais tensa. Afrodite estava na mesa principal ao lado de Quíron e um outro cara que não reconheci, mas vi várias garotas suspirando por ele e lhe lançando sorrisos. Provavelmente deve ser algum deus menor.

Algum tempo depois, quando todos terminaram de comer, Afrodite e o moço loiro ao seu lado se levantaram e caminharam até o meio das mesas, onde surgiu do nada, isso mesmo, do nada surgiu um palco redondo branco de mais ou menos um metro de altura e dois de diâmetro, com um microfone em cima. O cara loiro logo tratou de pegá-lo e começar a falar.

- E aí galera, belê? Bom, eu vim aqui para... – Ele ia continuar falando, mas Afrodite tirou o microfone de sua mão.

- Não estrague a surpresa, solzinho. Olá, meus fofos, como vão? Para que não conhece, esse é o Apolo, o deus ensolarado. – O Deus abriu um sorriso e algumas filhas de Afrodite suspiraram e soltaram risadinhas. Caramba, eu chamei Apolo de deus menor, espero que ele não tenha ouvido. – Bom, como eu disse hoje cedo, havia dito, está na hora de nossos cavalheiros convidarem suas belas damas para o baile. Convidá-las devidamente, é claro. – Ela deu um olhar sério a todos os meninos. Estou ferrado! Não preparei nada de especial para Annabeth! Ok, eu vejo você no tártaro, tchau, tchau! – Como esperamos muita criatividade, Apolo, deus da música, veio apreciar a criatividade de vocês. Ah, é claro, quem melhor se expressar ganhará um prêmio.

Ok, estou realmente interessado nesse prêmio, mas sei que não vou ganhar então, já desisti. Tenho que pensar em alguma coisa, e rápido.

- Primeiro, os meninos do chalé de Hefesto. – Ela disse – Aqui, uma forcinha para vocês. – Ela acenou com as mãos e apareceu um violinista, que começou a tocar.

Um a um, os meninos iam para suas torturas, um mais vermelho que o outro. O quinto da fila, Charles Beckendorf, de Hefesto, convidou Silena Bouregard, de Afrodite, através de uma invenção que de início era uma caixinha, que abrir virava uma placa de ferro escrito “Si, você quer ir ao baile comigo?” com dois botões, um verde escrito “Sim” e um vermelho escrito “Não”. Ao apertar o botão verde, a plaquinha virou uma rosa de metal. Afrodite chorava emocionava e dizia “Ai, que orgulho minha filha”.  Eles estavam descendo do palco de mãos dadas, quando Silena parou e perguntou com medo:

- Charlie, o que aconteceria se eu tivesse apertado o botão vermelho?

- A plaquinha ia virar um buquê de rosas de metal. – Ele respondeu. Silena abriu um sorriso, abraçou Charles e disse:

-Acho que é a hora perfeita de dizer que eu te amo

Ele incrivelmente ele respondeu:

- Não. - Todos ficaram boquiabertos. Silena olhava magoada, com lágrimas nos olhos. Eu olhei para Afrodite, que provavelmente iria matar o garoto, mas ela apenas sorria. – É a hora perfeita para eu dizer que te amo, e perguntar se você quer namorar comigo.

A garota abriu um sorriso, disse um sonoro “sim!” e beijou Charles. O salão explodia em vivas, e Afrodite chorava de emoção batendo palmas.

- É, garotos, temos um sério candidato a ser vencedor. Mas vamos continuar.

E assim prosseguiram os pedidos. A maioria dos meninos cantou músicas e depois entregou um botão de rosa à menina. Travis tocou violino – pois é, quem diria não é? – e perguntou se Katie queria ir com ele. Claro que ela aceitou. O tempo foi passando, e quando dei por mim, Afrodite estava falando:

- Bom, agora só falta Luke Castellan e Percy Jackson.

Parei para analisar a situação. Eu não tinha nada preparado, mas algo me dizia que se eu não fosse primeiro, Luke ia chamar Annabeth. Eu não ia deixar isso acontecer.

Levantei-me em um pulo e disse:

- Eu vou primeiro... er... milady. – E fiz uma reverência à Afrodite.

Eu não sabia o que fazer. Caminhei o mais lentamente possível até o palco, tentando pensar em alguma coisa legal. O violinista começou a tocar. Eu olhei para Afrodite, e foi aí que veio a luz. Em seu pescoço havia um colar de pérolas. Pérolas. Mar. Annabeth. Já sei o que fazer.

Fechei os olhos e comecei a me concentrar em meus poderes. Ao fundo pude ouvir o violino tocando e resolvi usar isso ao meu favor. Fiz diversos filetes de água saírem do mar e virem dançando ao ritmo da música em minha direção. Eles dançavam por cima da cabeça de todos, que olhavam maravilhados a beleza da água. A música foi aumentando a velocidade, e os movimentos passaram a ser mais fortes, sempre acompanhando o ritmo. Annie olhava maravilhada, mas acho que ainda não tinha entendido que aquilo era para ela, então resolvi dar uma forcinha.

Fiz todos os filetes de água convergirem para onde ela estava, eles a rodearam um pouco antes de formares uma mão que a pegou delicadamente e a colocou no centro do palco, em frente a mim. Ela estava extremamente vermelha, mas tinha um sorriso de tirar o fôlego em seu rosto. Ficamos rodeados  pelos filetes por um tempo, sempre seguindo o ritmo do violino, agora mais suave, depois eu me ajoelhei e obriguei a água a ficar rodeando minha mão. Annie me olhava com expectativa, tentando entender o que estava acontecendo, até que fiz a água “explodir” em direção ao teto e depois cair lentamente em forma de gotículas, mas sem molhar ninguém. No centro da palma de minha mão, ponto exato de onde a água explodiu, agora tinha uma ostra, que estendi para Annabeth, simplesmente dizendo:

- Annabeth, nada me faria mais feliz do que você aceitar ir ao baile comigo. Aqui está um presente em nome de nossa amizade.

Eu peguei a ostra e abri. Dentro, havia um colar com um fino cordão dourado e uma única pérola no centro. Ela se virou e eu coloquei a gargantilha em seu pescoço. Depois, voltou-se para mim, me deu um beijo no rosto e disse:

- É claro que aceito, algas.

O salão explodiu em vivas. Afrodite e Apolo aplaudiam de pé, e logo vieram até nós. Afrodite tinha lágrimas nos olhos.

- Isso foi... maravilhoso! – Ela disse – Certamente um candidato a vencedor de hoje, mas primeiro vamos assistir ao convite de Luke Castellan.

Passou-se algum tempo até eu notar que Luke não tinha subido ao palco ainda. Comecei a vasculhar o salão, mas aparentemente ele não estava mais lá. Todos os campistas já estavam comentando, então Afrodite resolveu tomar frente à situação.

- Bem, parece que o Sr. Castellan não estava se sentindo bem e precisou ir à enfermaria. Sendo assim, encerramos por aqui os convites. Devo anunciar que o vencedor foi... Perseu Jackson, filho de Poseidon.

Senti meu rosto esquentar. Jura mesmo que eu ganhei? Foi tão improvisado!

- Percy, venha até aqui, por favor. – A deusa disse. Caminhei até o palco. – Como recompensa por sua educação e cavalheirismo, você tem a minha benção para o amor.

Senti uma forte energia percorrer meu corpo, e uma aura rosa me rodeou por alguns instantes. Efeito da benção. Ela terminou dizendo:

- Terá muito sucesso no amor, Percy. – E deu uma rápida olhada para Annie, que estava na mesa. Eu corei, e ela também. Afrodite voltou-se a todos os campistas. – Estão dispensados, meus queridos. Meninas, minhas filhas irão até seus chalés para fazer cabelo, manicure, maquiagem, enfim, tudo o que uma mulher precisa! – Ela soltou uma risadinha. – Nos vemos à noite. Podem ir! Estão dispensados.

- É isso aí, até de noite, galera – Disse Apolo – E caprichem no visual que seus pais querem se orgulhar dos filhos que têm!

Ele sumiu em fumaça amarela no mesmo momento que Afrodite sumiu em fumaça rosa.

Eu fiquei sem ar. Se Apolo realmente quis dizer o que eu acho que ele disse, todos os deuses olimpianos estariam nesse baile.

É... essa será uma longa noite.