Think Twice escrita por Nuvenzinha


Capítulo 16
C16. Mother


Notas iniciais do capítulo

AE RAPAZEADA, TAMO JUNTO!
Agora que atingimos o padrão de postagem de mais ou menos um mês em mês, posso lhes dar a certeza que até o final desse trimestre e começo do próximo estarei postando o capítulo final, que já está com o manuscrito prontinho no papel.
Eu sei, eu sei. Triste.
Mas não se preocupem! Ainda tem mais três capítulos pela frente, se depender de minha dona enrolação, que já praticamente dobrou a estipulação que havia dado ao número de capítulos em primeira mão. Sou capaz até de enrolar mais pra encerrar essa fanfic porque estou pensando em fazer capítulos especiais, mas não falarei deles pois ainda não tenho certeza.
Enfim!
Cá estamos nós, nessa segunda segunda-feira de fevereiro, onde o calor já não é mais tão feroz como antes - pelo menos não aqui nesse fim de mundo no topo da serra onde eu moro - no capítulo 16 dessa fanfic que me dá tanto orgulho! E, OH!!!, não são 5 mil palavras de puro sofrimento e sadness!
Sabe por quê? Porque antes de eu dar uma de escritora do mal de novo, vou dar um gostinho de alegria procês, de presente de volta às aulas o/
O próximo capítulo também vai ser felizin.
Enfim, aproveitem a leitura ~~



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Era um dia de chuva, uma quarta-feira, quando Amano Tsugumi recebeu alta do hospital de Ikebukuro e estaria deixando o lugar junto de Shizuo, que pela falta da apresentação dos pais da menina ficou como seu responsável por todos os 10 dias que ela acabou por ficar internada. Apenas teve de assinar alguns papéis e estava tudo resolvido por lá. A enfermeira Hanazono fez questão de cuidar de toda a saída da garota do hospital, além de chamar um táxi para leva-los embora dali. Esperavam, então, sentados na sala de espera do hospital em completo silêncio. De certa forma, o loiro sentia um grande alívio de que estavam indo embora e que não teria mais de ver sua aprendiz usando aquelas roupas hospitalares que mais pareciam pijamas, toda frágil e pálida, mesmo que ainda não tivesse voltado completamente ao normal (por segurança, o médico mandou que ela passasse ainda algum tempo andando de muletas). Por outro lado, as ruas apresentavam ainda mais perigo depois daquele ataque.

O carro não demorou muito a chegar e parou diretamente na frente da entrada do hospital. Shizuo levantou-se primeiro e apenas estendeu a mão à franzina, para que esta se levantasse com a sua ajuda, mas não sem fazer um pouco de esforço. Ela não estava totalmente debilitada para isso e encarava aquilo como uma parte importante da recuperação que viria pela frente. E ela com certeza queria recuperar totalmente o uso das pernas, pois ela mesma havia praticamente lhe mandado que não ajudasse demais, por mais que tivesse uma vontade imensa de pegá-la em seus braços e não deixa-la andar mais pra não se machucar. Importava-se até demais. Mas, deixando isso de lado, acompanhou a rapariga até a porta e foi levando o guarda-chuva até que ela conseguisse entrar, e, então, partiram.

Mesmo sem ter sido convidado, iria ao apartamento junto de Tsugumi e passaria lá mais algum tempo. Não era um lugar completamente desagradável, era muito bem iluminado, limpo e pintado, ao ponto de dar um sentimento de segurança – obviamente fácil, uma vez que a qualidade visual de uma rua ou um bairro não diz nada a respeito das pessoas que possam andar por ele. Não era bobo de acreditar numa coisa daquelas e enquanto essa gangue não sossegasse, provavelmente não iria conseguir dormir em paz em sua casa enquanto a menina, ainda machucada, estivesse dormindo sozinha na casa dela. Eles poderiam muito bem tentar dar um fim na “última membra do grupo de traidores”. Nada o convenceria do contrário.

Os pingos de chuva que batiam no vidro do táxi enquanto estavam presos no trânsito da cidade grande faziam ainda mais barulho em sua mente quando se lembrou de seu trabalho. Seu trabalho era uma grande irritação, porém era o único em que conseguira se encaixar de verdade, portanto não poderia abrir mão dele. Como faria para compensar os dias a mais que teve de faltar do trabalho quando fosse falar com Tom por causa dos dias extras que teve de ficar ao lado da menina por causa de complicações médicas? Temia que acabasse por perder seu emprego ou então ter dinheiro descontado de seu salário, por mais que seu colega fosse um antigo amigo. Teria de planejar bem alguma coisa pra falar... Não tinha muito o que dizer em sua defesa pois havia extrapolado os dias que pedira de folga, e tudo que se faz tem uma consequência. Mesmo que tenham sido apenas dois dias a mais, tinha uma sensação ruim.

Poderia, então, pedir que o colocassem para fazer horas extas para compensar os dias perdidos. Mas isso significaria deixar Tsugumi sozinha ou pedir para que Celty cuidasse dela, mas já estava pedindo coisas demais à Durahan e ela também tinha seu trabalho a fazer. Shinra era do tipo marido doméstico, por mais que eles não fossem casados, mas não confiava muito nele por seus próprios motivos. Já estava sentindo uma enorme dor de cabeça quando tanto sua aprendiz quanto o taxista avisaram que já haviam chegado ao destino.

-Shizuo, - em um tom de voz que parecia adormecido de tão rouco e baixinho, a menina chamou-o, olhando-o com orbes vazias de emoção, quando o carro parou diante do edifício – é aqui, olha. Já chegamos.

O barman deu uma breve sacodida de sua cabeça e logo saiu do carro abrindo seu guarda-chuva, deixando certa quantidade de dinheiro com o taxista antes de ir até as portas dos bancos de trás ajudar a franzina a sair de dentro do automóvel. Estava, de fato, abismado com a maneira com que havia sido tratado, com tamanha frieza, mas apenas fez seu trabalho como adulto responsável e ajudou-a a se erguer. Estava acostumado a ouvir um sufixo logo depois de seu nome, pelo menos no caso da rapariga, mas mal conseguia acreditar na tonalidade morta com que esta se dirigira a ele. Nem teria acreditado que aquela voz pertencia àquele corpo se não tivesse visto os lábios dela se mexendo. Sentiu até uma pontada, como se estivesse se sentindo ofendido, mas apenas ignorou. Tinha que ter em mente que o estado emocional dela não estava em seu normal e teria de reprimir qualquer sentimento ruim a respeito disso. Não era de sua natureza ser tão compreensivo, mas tinha que ser. Até onde percebia, era o único apoio emocional que ela tinha, isso porque seu emocional estava completamente bagunçado.

Diante da quantidade de água que havia no chão, tomou a garota em seus braços e pediu apenas que ela segurasse as muletas, enquanto encaixava o cabo do guarda-chuva entre o ombro e o pescoço. A única reação que a menina teve foi formar em seu rosto infantilizado uma expressão de constrangimento, fazendo um pouco de bico e enrubescendo um pouco, e se encolheu um pouco, segurando as muletas como ele havia pedido sem dizer uma palavra sequer. Foi bem devagar e cauteloso até o portão do prédio e, assim que o porteiro abriu o portão, subiu os degraus até o saguão e só colocou a menina no chão quando já estavam dentro do elevador.

Mantinha no rosto uma expressão aérea, como se estivesse distante dali, mas sua mente estava bem ali, apenas não sabendo como reagir à expressão isenta de emoção que havia no rosto da franzina adolescente ao seu lado. Sentia certa falta de seu jeito bobamente alegre e infantil, por mais que tal modo de agir já houvesse lhe dado dor de cabeça. Era realmente impossível tirar alguma conclusão do estado emocional dela a partir de sua face pálida, o que lhe despertava uma enorme vontade de tentar instigar alguma reação nela, mas não faria aquilo. Aquele era um desejo fruto de sua impaciência, de certa forma.

A campainha do elevador finalmente tocou e suas portas se abriram simetricamente, mostrando o pequeno corredorzinho que levava à porta branca do apartamento. Aquele branco ainda tinha a mesma sensação de infinito de quando o viu pela primeira vez, o que o deixou aliviado. Nada havia mudado. Tsugumi destrancou a porta e a abriu, mostrando o apartamento com o aspecto imaculado, abandonado de dias antes. Via-se a poeira circular pelo ar. Ela deixou seus sapatos ao lado da porta e se dirigiu automaticamente ao sofá, se enrolando em seu cobertor felpudo branco e logo o chamando para sentar-se ao seu lado, dando leves tapinhas no estofado ao seu lado com a mão. Também tirou seus sapatos e foi sentar-se ao lado de sua aprendiz.

-Shizuo, você me ajuda numa coisa? – ela lhe perguntou baixinho, com o olhar também abaixado.

-Pra que precisa da minha ajuda? – respondeu com um tom que deu a entender que já estava disposto a ajudar, por mais que ainda não tivesse certeza porque não sabia o que ela pediria.

-Me ajuda no meu jogo? – pareceu constranger-se.

-Eu não entendo nada de jogos... – se afastou um pouco.

-Não precisa entender.

-Então como te ajudo?

-Só fica aqui...

-Não irei a lugar nenhum.

A menina se levantou e foi em direção à televisão, tirando do móvel abaixo dela um videogame e colocando-o sobre a mesa de centro, apertando seu botão e voltando a sentar-se levando na mão o controle remoto. Se aproximou do loiro e se aconchegou bem perto dele enquanto o carregava a data do jogo.  A única coisa que ele fez foi ficar a mirar a TV e observar o jogo enquanto ela jogava, sem se importar com nada. Por mais que não entendesse nada daquilo que via, sentia-se, deveras, bem de estar participando daquilo de certa forma. Gostava de fazer companhia à ela pois desse jeito também supria seu sentimento de solidão e, acima disso, percebera que enquanto ela jogava certas emoções voltaram aos seus olhos. Foi um tanto gratificante.

Aquilo não durou muito. Em certo ponto do jogo, a menina se zangou com tudo aquilo e simplesmente saiu do jogo, se retirando da sala dizendo que iria tomar banho. Shizuo ficou alguns instantes no silêncio, observando o ar estagnado ao seu redor, até que resolveu abrir algumas janelas. Criar uma corrente de ar seria bom para tirar toda aquela poeira dali, além de refrescar, pois estava bastante abafado ali dentro e estava suando. Voltou a se sentar no sofá e deu uma mexida em sua franja com os dedos, para arejar um pouco sua testa enquanto o meio físico não baixava a temperatura.

Esticou-se um pouco para frente e tomou o controle da TV em suas mãos, mudando para os canais da televisão a cabo atrás de ver algumas notícias. Não havia nada para ver então desligou a tela. Olhou de um lado ao outro, meio temeroso, antes de tomar em mãos o cobertor que a menina estava utilizando até aquele momento. Estava com um pouco de frio naquele momento e no fundo sentia uma curiosidade a respeito de tocá-lo. Parecia absurdamente macio, queria saber se não era apenas uma ilusão de ótica. Hesitou um pouco antes de leva-lo ao rosto. Era, realmente, muito felpudo, e tinha um cheiro agradável. Fechou os olhos e deu uma fungada mais profunda. Lembrava-lhe o cheiro do cabelo de Tsugumi...

O que diabos ele estava fazendo?! Atirou o cobertor a um canto e pôs-se a olhar a parede, encabulado. Franziu as sobrancelhas ao sentir o rosto corar. Por que tão de repente havia pensado nisso?! Se viu até constrangido com aquilo. Não se lembrava sequer de reparar no cheiro dos cabelos dela, então como fizera conexão? Ficou bastante agitado com aquilo.

Foi quando a campainha do elevador tocou outra vez.

Num piscar de olhos, seu foco mental foi de uma coisa a outra, fixando os olhos na direção da porta de entrada do apartamento, semiaberta, que direcionava parte da luz do elevador para dentro da sala. Ouviu o que pareciam rodinhas de malas no piso de pedra do corredorzinho de entrada. Arquejou uma das sobrancelhas, confuso. Se levantou um pouco. Uma mulher de média estatura, cabelos castanhos quase negros e os olhos em um tom profundo de roxo apareceu no vão da porta e mirou-o de volta.

-Quem é você? – ela o olhou com a mesma expressão de perplexidade que ele, com um toque de quem se sentia ameaçada.

-Quem é VOCÊ? – Ele rebateu a pergunta.

-Você mora aqui? – pousou a mão sobre a maçaneta, assumindo uma postura ereta, demonstrando firmeza; antes que pudesse negar a pergunta, ela tornou a falar – Ah, me desculpe, acho que apertei o botão errado. Pensei que fosse o apartamento de minha filha.

-Sua... filha?

-É, minha filha. Bom, vocês não devem se conhecer. – deu alguns passos para trás – Sinto muito incomodar. – estava para se virar de costas quando o barman interrompeu-a.

-Espera! – deu um passo firme para frente, que a fez voltar a mirá-lo – Você seria... a senhora Amano?

-... Oi? – uma expressão de espanto surgiu em seu rosto.

-... Seu sobrenome é Amano?

-É sim. Me chamo Haruko Amano. Como sabe?

~x~

Aquela situação, aquela em que se encontrava, era deveras incômoda.

Estava sentada na banheira, afundada na água até a nuca, ouvindo música no seu celular conectado a uma pequena caixinha de som, quando ouviu movimentação na sala de seu apartamento. Tsugumi deu algumas piscadas lentas, tentando espantar o sono que sentia para que pudesse entender melhor o que acontecia sem ter de terminar seu banho mais cedo. Percebeu certa agitação nos passos que ouviu. O que será que Shizuo estava fazendo sozinho na sala? Parecia até que não estava sozinho pelo jeito que agia. Como era praticamente impossível que mais alguém tenha vindo e o máximo que poderia esperar de um visitante surpresa seria que a pessoa fosse Misaki, resolveu não se incomodar muito com aquilo e continuou a se banhar.

Jogava água em seus ombros com as mãos, tirando a espuma do sabonete. Não demorou em entediar-se ali dentro e destampou o ralo para que a água se fosse, levantando-se vagarosamente e logo se enrolando em uma toalha branca. O mais irritante daquilo era que teria de trocar todos os seus curativos sozinha, o que levaria mais tempo do que queria, o que também significava deixar seu convidado ainda mais tempo a ver navios.

Pôs-se a prestar atenção nos sons vindos da sala mais uma vez, no que precisou apoiar suas costas na porta do banheiro para conseguir se vestir. Escutou o som de rodinhas de malas e o que parecia ser uma conversa se desenrolar. Pensou que fosse a televisão até o momento em que ouviu o clique que sua TV fazia ao desligar e as vozes continuarem. Franziu as sobrancelhas, arregalando os olhos. Tinha mais alguém em sua casa e aquela voz definitivamente não era a voz de sua amiga de escola. Vestiu seu sutiã e sua blusa de pijama toda torta e escancarou a porta do banheiro.

-Filha! – sua mãe estava na cozinha a por suco em um dos copos de vidro de seu armário e a olhou com uma expressão de surpresa, ao mesmo tempo em que pareceu sorrir; em contrapartida, Shizuo encontrava-se sentado no sofá com as pernas bem juntas e as mãos sobre os joelhos, olhando com uma expressão de desconforto para a tela apagada.

-Mãe?! – seus olhos se estatelaram e cambaleou um pouco para trás, tendo de se segurar na parede mesmo estando com suas muletas; viu os olhos da mãe percorrerem suas pernas e seus braços antes de chegar ao seu rosto, fazer uma face de quem sente pena e vir a abraça-la. - ...? – ela começou a falar e não parou antes de um bom tempo.

-Ah Tsugumi, desculpa não ter vindo antes... – mantinha a menina bem próxima de si enquanto acariciava seus cabelos de leve – Tive eu de contar ao seu pai o que acontecera, tive de organizar tudo, acabei atrasando três vezes para vir pra cá... Acabei te deixando sozinha quando você estava sofrendo sozinha. Tive de deixar meu trabalho sobre as costas de outra pessoa. – Deu uma breve olhada no rapaz, que observava a conversa de longe com o canto dos olhos.

-Já lhe disse que não foi nada, senhora... – Shizuo coçou a cabeça, meio sem jeito.

-... Mãe, vocês estavam conversando? – perguntou baixinho, apoiando o queixo no ombro de Haruko enquanto deixava parte de seu peso sobre ela ao abraça-la de volta.

-Bom, quando eu cheguei aqui só tinha um cara bonitão sentado no sofá, querida. – deu uma breve risada, sem graça – Óbvio que eu tinha que fazer algumas perguntas. Afinal, esse é o se apartamento. Esperava encontrar apenas você.  Daí, acabamos conversando.

-Oi?! – o barman deu uma breve engasgada, com seu rosto assumindo uma coloração vermelha e uma expressão que parecia uma mistura de vários tipos de sentimentos.

-I-Isso foi um tanto inconveniente, mãe... – fez uma expressão de braveza, tendo de olhar para cima ao tentar fazer contato visual.

-Ah, desculpe, desculpe! ~ - falou em tom brincalhão – Não quis constranger ninguém, apenas fui sincera.

-Sinceridade demais... – estufou as bochechas, birrenta.

-Sutileza não faz parte da família de vocês, parece... – Shizuo acabou por entrar na conversa mais uma vez.

Tão repentinamente quanto aquela situação começou, ela se acabou. Os três ficaram em silêncio, tão desconfortável silêncio, até que Haruko tomou a iniciativa de ir até a cozinha fazer algo para que comessem, agora que já havia caído a noite. A franzina foi sentar-se de novo em seu canto de sofá, enrolando-se em seu cobertor de modo que parte dele cobrisse sua cabeça como um capuz e escondesse seu rosto um pouco – o que só deixava ainda mais à mostra seu desconforto com relação àquilo tudo, por mais que não soubesse qual das tantas causas que lhe vieram à cabeça criavam tal incômodo. Já havia desistido da mãe vir, então ela vem. Achava que a primeira coisa que ela iria fazer era lhe perguntar algo a respeito do irmão, mas apenas ficou a conversar com seu mestre e agir como se não acontecesse nada. Nisso, conseguira constranger tanto a ela quanto ao loiro, pelo que percebeu ao trocarem olhares.

Não queria sua mãe conversando com Shizuo, não mesmo; de jeito nenhum. Estava com medo dele ter contado a ela sobre algo que havia feito durante o treinamento, qualquer coisa que pudesse indicar aquilo que sentia. E, se sua mãe soubesse que estava apaixonada pelo moço mesmo sem expectativa real alguma de ser correspondida, obviamente estaria ferrada.

~x~

Com um sorriso no rosto, que começava a demonstrar algumas das várias dimensões da tristeza que sentia em seu interior, a Sra. Amano chamou os dois para o jantar.

Shizuo foi o primeiro a se levantar, ficando reto como um poste ao lado do sofá. Um desconforto muito profundo abrangia todo o apartamento, por mais que não afetasse todos da mesma maneira e nem demonstrassem da mesma maneira. Ele, por exemplo, demonstrava seu desconforto apenas tentando não demonstrá-lo, se mantendo quieto e mantendo a postura retida. Incomodado ou não, manteve-se de pé ao lado do móvel enquanto esperava Tsugumi se levantar, para que pudesse acompanha-la e garantir que não acabasse caindo e se machucando.

Sentaram-se os três em pontas distintas da mesa, onde os pratos foram posicionados. Acabou por ficar de frente para a mãe de sua aprendiz, que foi a última a colocar comida em seu prato e comer em silêncio, assim como os dois mais novos. Apenas trocavam olhares, o que criava uma sensação estática durante a refeição que fazia a comida parecer mais áspera na boca.  Mas todo esse vazio sonoro não durou muito tempo.

-Então, Heiwajima-san, - Haruko apoiou seus hashiis alguns instantes sobre a mesa, olhando-o – você conhecia... meu filho?

-Oi? – sua mão estava a meio caminho entre o prato e sua boca quando parou e olhou para cima, na direção de quem o chamava.

-Você chegou a conhecer o Kyouya? – ela insistiu.

-Conheci, sim. – teve certa hesitação em responder, o que pareceu alarmar a menina – Conversei com ele uma ou duas vezes... Bom rapaz.

Não queria ter comentado a respeito nem que aquele assunto fosse abordado, mas não poderia evitar a pergunta ou mentir na frente dela, por mais que tivesse de contar à franzina algo que não queria. Mas, agora que o assunto já estava em pauta, não havia como fugir. Confessou parte das conversas, as poucas, que tivera com Kyouya alguns tempos antes de morrer, o que deu abertura para que a senhora, com um sorriso melancólico, começasse a contar velhas e novas histórias da família Amano. Tristes e felizes memórias de família, a maioria voltada ao membro falecido, o que tanto parecia piorar o estado emocional de quem contava quanto de quem ouvia, constantemente deixando o holofote sobre o filho mais velho.

Vez ou outra, Shizuo fazia algum comentário e muitas vezes apenas fazia sinais com a cabeça quando Haruko perguntava se ele estava acompanhando as histórias que contava; prestava mais atenção na aprendiz. Alterava o olhar entre a mulher e a menina, muitas vezes prendendo-se mais vezes à segunda, ficando a observá-la. Via no olhar da pequena certa distância, ao mesmo tempo em que dava a entender que fazia aquilo para tentar não ouvir aquilo que a mãe contava. Em certo momento, ela pareceu notar ser observada e mirou-o também, o que fez com que ficasse claro que fazia aquilo precisamente pois não queria ouvir. Era muito claro que o rapaz era tido com o filho dourado da família e aquilo apenas incomodava. Além de incomodar, chateava, reabria feridas.

O loiro pôs-se a olhar firme para frente, apenas ficando a ouvir. Começava a se lembrar vagamente de algumas das coisas que Tsugumi lhe contou na noite em que passara lá... Coisas que se assemelhavam muito com o caráter das coisas que ouvia da mulher num geral. Sentia a tristeza no ar. Engoliu a seco a saliva em sua boca. Se ele mesmo não desse um basta naquilo, aquela atmosfera estática não iria sumir. Esperou um breve intervalo entre uma coisa e outra que contava e tomou a palavra para si.

-Senhora, - hesitou em primeiro momento, mas conseguiu chamar sua atenção um breve instante antes que começasse a contar outro caso – com todo o respeito, acho que deveria parar um pouco de falar do seu filho.

-...? – Uma expressão de dúvida e espanto brotou em seu rosto, deixando a cabeça cair ligeiramente para o lado.

-Entendo que tenha orgulho dele, mas continuar a falar disso só vai trazer dor. – aumentou um pouco o tom de voz para dar firmeza àquilo que dizia – Do jeito que fala, parece que Kyouya era filho único.

Aquilo pareceu criar certo choque tanto na sra. Amano quanto em sua filha; ambas o olharam com certo espanto, o que fez com que não pudesse deixar de expressar sua tensão naquele momento. O silêncio tomou o cômodo depois daquele corte que havia dado. A menina naquele ponto pareceu não saber se ficava feliz por ter sido protegida ou se preferia que ele tivesse ficado quieto. Estava reto em sua cadeira, nervosíssimo. Poderia ter arruinado toda e qualquer confiança que a mulher pudesse ter depositado nele depois das conversas que tiveram. Temia que a tivesse irritado ou desrespeitado demais naquele ato impulsivo que tomara. Mas, surpreendentemente, isso não pareceu acontecer.

-Poxa, você tem razão... – a mais velha soltou um riso sem graça, mas logo pousando o olhar melancólico sobre ele – Obrigada pela consideração e preocupação, mas vamos ficar bem. De qualquer jeito, vou deixar vocês sozinhos para conversarem. –levantou-se com seu prato e hashiis na mão – tenho de desfazer mala.

-Eu não pretendo ficar. – levantou-se também, nervoso – Preciso ir trabalhar amanhã.

-Ah, sim. Pode ir, rapaz. – sorriu brevemente – Também já estava para por a Tsugumi para dormir.

-... Soreja. – sentia-se meio constrangido com tudo aquilo, poderia se dizer até mesmo incomodado, por isso deixou o apartamento com passos apressados.

~x~

Sua mãe não havia passado nem um dia ali e já queria que ela fosse embora.

Assim que Shizuo foi embora, ela foi logo ao seu lado enchê-la de perguntas, numa velocidade que parecia até que estava irritada. Como haviam se conhecido, o que ele fazia da vida, qual era a relação entre eles dois e várias outras coisas, num tom que, apesar de tudo, indicava mais curiosidade do que braveza. Não tinha certeza das intenções da mãe, mas suas perguntas a estavam incomodando.

Tsugumi fechou a cara e não respondeu nenhuma delas, dizendo apenas que ele a estava ensinando como controlar sua força. “Sabe, pra eu não quebrar mais mesas que nem eu fiz lá em casa”, foi aquilo que disse, por mais que, no fundo, todo aquele tempo que estavam passando juntos não estava ajudando em muita coisa. De qualquer jeito, não pretendia de maneira alguma entrar em detalhes sobre sua relação com o moço com ninguém, muito menos com Haruko. Deixou seu prato no balcão da cozinha e foi andando devagarinho até o sofá, com a pretensão de voltar a jogar videogame.

Pôs os pés sobre o sofá, flexionou os joelhos e apoiou a boca neles, estufando as bochechas enquanto esperava que o menu do videogame carregasse. Queria que seu mestre fosse a pessoa a ficar lá e cuidar dela, não sua mãe. Agora, se veria obrigada a contar tudo que aconteceu durante o tempo morando sozinha na cidade. Sozinha com a mãe, não escaparia de tais perguntas. Conhecia sua mãe o suficiente para saber que ela iria querer saber de tudo, por mais que não tivesse vontade de contar nada. Tinha medo de começar a contar e acabar revelando algo sobre seus sentimentos por Heiwajima Shizuo – afinal, sabia muito bem de sua habilidade de autodenuncia, ainda mais depois que Misaki tão facilmente percebeu algo que nem ela sabia sobre si própria. Aquilo seria um desastre se acontecesse. Preferia nem imaginar o que aconteceria. Seria o fim de seu mundo, sem entrar em detalhes sobre como seria o inferno depois.

Desceu o queixo até que sua testa e seu joelho se encontrassem, abraçando suas pernas, deixando o controle do videogame de lado. Ficava imaginando cenários que nunca viriam a acontecer, ainda mais se tratando de por quem estava perdidamente apaixonada. Era até errado pensar que poderia viver um romance aos 15 anos com alguém como ele. Mas aquilo que imaginava era tão bonitinho... Não conseguia resistir e acabava por sorrir sozinha, mas em seguida esse sorriso se apagava para dar lugar a uma expressão triste. A quem estava tentando enganar? Ser correspondida era algo que estava fora de cogitação, longe de sua realidade, e imaginar algo como isso era um luxo que não deveria se dar. Mas não conseguia evitar! Odiável era a situação em que se encontrava, onde nem sequer controlava sua mente. Tinha de dar um jeito de domar-se outra vez, ou jamais poderia falar novamente. Aquilo tudo que estava passando naquele momento poderia muito bem ser fruto dos 10 dias ou mais que passou sem falar sobre seus sentimentos, mas aquele descontrole todo apenas criaria mais silêncio. Não poderia entrar em uma conversa se não pudesse controlar suas palavras.

-Filha...? – do balcão da cozinha, Haruko ouviu os pequenos gemidos que Tsugumi soltava enquanto se torturava mentalmente e veio ao seu encontro, sentando-se ao seu lado no sofá – Tá tudo bem? – Passou as mãos por suas costas – Suas feridas estão doendo?

-N-Não tem nada doendo... – murmurou em um tom choroso, voltando a deixar a boca sobre os joelhos, mirando a mãe.

-...Heh. – deu uma breve risada antes de trazer a menina para perto, como num abraço – Só o coração, não é?

-... É...

-Isso vai passar, minha filha, vai passar... – repousou sua cabeça sobre a da menina e começou a falar manso – Eu sei que dói, sei mesmo... Mas vai passar...

Passaram mais algum tempo em silêncio. Tsugumi mantinha-se olhando firme para sempre, segurando as lágrimas nos olhos, sem saber se sua mãe chorava ou não. Ambas tinham a dor compartilhada da perda de Kyouya, mas ela tinha muitas outras coisas agregadas à dor principal. Estava confusa, estava perdida, estava muito triste e se sentia a beira da loucura, como se estivesse diante de um enorme precipício e ficasse a andar na beirada, ameaçando perder o equilíbrio e cair com constância. Estava confusa, muito confusa. Muitos barulhos em sua cabeça. Estava zangada com tudo aquilo. Tinha vontade de bater a cabeça na parede até parar. Mas, por algum motivo, enquanto estava ali, abraçada à mãe, nada disso lhe ocorria. Era apenas a tristeza e mais nada. Era apenas carência. A carência mais pura que tinha, seu sentimento mais infantil.

Carência. Apesar de tudo, sentira falta do carinho de sua mãe. Por isso, se deixou um pouco mais solta sobre os braços dela. Depois de mais um pedido de desculpas por parte dela, as duas concordaram em ligar a TV e assistirem alguma coisa, quietas, prestando atenção na tela.

O silêncio lhes era confortável. Apenas a companhia já bastava, não era necessário diálogo. Seu coração encontrara certa paz naquele silêncio, enquanto rodavam os canais da TV como sempre faziam juntas. Era uma atividade que já fazia parte de sua rotina diária em casa havia muitos anos, da qual acabara por sentir falta. Não que não assistisse mais televisão – na verdade, nunca tinha assistido tanto em sua vida quanto naqueles meses que passara cuidando de si mesma –, mas era outra coisa fazer aquilo sem sua mãe. Era uma das poucas coisas que a impedia de fugir da casa da família Amano antes de seu irmão o fazer.

Aquele gostinho de uma das coisas que mais gostava em sua vida em Osaka a fez se perder um pouco nas ideias. Será que deveria voltar pra lá? Tinha certa esperança que com o que havia acontecido com Kyouya, o pai se amolecesse um pouco, mas ainda tinha muito medo. Temia que recebesse a culpa, temia que o pai apenas se tornasse mais rígido, temia até que nada mudasse. Mas, acima de tudo, temia que acabasse por perder completamente o contato com as pessoas que conhecera em Ikebukuro – pois sabia muito bem que se saísse da cidade não haveria volta. Shizuo, Misaki, Celty, Shinra, Erika, Walker, até mesmo Kida e Mikado. Todos representavam um grande espaço de seu coração agora, espaço que nenhum de seus amigos de sua terra natal jamais ocuparam. O único contato que tinha com a maioria deles era verbalmente. Não havia passado celular, e-mail ou feito convites de amizade em redes sociais (em parte, pois não participava delas) para nenhum deles. Perderia completamente o contato se fosse embora.

Imaginava que já corria grande risco de ter de ir embora pelo simples fato de ainda existirem os Lenços Amarelos na cidade. Àquela altura, sua mãe já deveria estar a par da situação toda e não era necessário sequer conhecer sua personalidade para saber que jamais deixaria sua filha onde ela corra risco. Qualquer mãe que se preze não deixaria algo assim acontecer. Seu coração bateu apertado apenas ao cogitar. Não queria ter de deixar a cidade! Não importava o que aquela gangue tivesse feito com ela, gostava demais dali para fugir. Aquele era seu lar, no fim das contas. Pretendia lutar por ele, mesmo que não houvesse mais confrontos físicos. Ela não iria desistir. Daria um jeito de continuar ali. Tentaria convencer a mãe de todos os jeitos à deixa-la ficar ali.

Mas, para isso, precisaria manter seus sentimentos, de certa forma, “perigosos”, trancados a sete chaves.

Tomada essa decisão, levantou-se e foi direto ao seu quarto dormir, que amanhã queria ir à aula, antes que qualquer conversa, por mais boba que fosse, pudesse surgir. 


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